Em pouco mais de um mês, o país registrou uma alta de 78,3% nos registros de novos casos. Em 26 de abril, os dados mostravam uma média móvel de 14.600 novos diagnósticos nos últimos sete dias. Já em 31 de maio, o número saltou para 26.032.

“Estamos observando esse processo desde metade de abril, mas com um ritmo maior agora. É o início de uma quarta onda, mas felizmente ainda não se compara ao que o Brasil já passou”, diz Fernando Spilki, virologista e coordenador da Rede Corona-Ômica do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), que monitora e sequencia o genoma do vírus circulante no país.

A presença de variantes com alta transmissibilidade, o relaxamento de medidas preventivas e a redução da imunidade contra a Covid-19 meses após a vacinação são fatores que explicam o aumento de casos. Ao mesmo tempo, com a vacinação avançada, casos não têm mesma gravidade de ondas anteriores.

O boletim epidemiológico mais recente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), divulgado na quinta-feira (26), aponta que quase metade dos registros de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) foi decorrente da covid-19 no período entre 15 e 21 de maio.

De acordo com dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), mais de 40 mil brasileiros foram diagnosticados com Covid-19 nas últimas 24 horas. O número, no entanto, pode ser bem maior, segundo especialistas.

“Estamos enfrentando a quarta onda com um processo inédito. Nunca tivemos uma qualidade tão ruim de dados em termos de número de casos registrados. Testa-se e registra-se muito pouco. Além disso, com a possibilidade de autoteste, para evitar burocracias, vários acabam não registrando. Nunca navegamos tão às escuras”, aponta Spilki.

O QUE EXPLICA AUMENTO DE CASOS

Na avaliação de Spilki, há diferentes fatores envolvidos. Entre eles, está a falta de iniciativa —tanto pública quanto individual— para tentar evitar infecções. “Muita gente parou de usar máscara, inclusive em ambientes fechados, então ficamos expostos à elevação de casos.”

A médica Vera Rufeisen, infectologista do Vera Cruz Hospital, lembra também que a taxa de proteção das vacinas sofre uma queda alguns meses após a imunização. No entanto, os imunizantes contra a Covid-19 continuam a funcionar para aquilo que eles foram desenvolvidos: a prevenção de casos mais graves da doença, que causam hospitalização e morte.

“Além disso, nós não temos imunidade completa contra todas as variantes, e pela mudança de estação, as pessoas, já cansadas de usar máscara, tendem a ficar mais confinadas, em ambientes fechados.”

Outro ponto, bastante estudado por Spilki é a presença de variantes com alta transmissibilidade no território brasileiro, como a ômicron.

“Variantes da ômicron, como a BA.2, associada a ondas na Europa, estão circulando em alguns locais, assim como a BA.2.12.1, que não está completamente espalhada em território nacional, mas já pode ser encontrada em alguns nichos e também é responsável por onda fora do país, nos EUA. Fora essas, temos ainda as recombinantes como a ‘XQ’, uma mistura da variante BA.1.1 E BA.2”, explica Spilki.

Essas variantes, de acordo com o especialista, geram preocupação pela capacidade de disseminação. “Elas facilitam o caminho para um processo de maior transmissão. Não esperamos ‘chuva de mortes’, como aconteceu antes, mas fica o alerta.”

POR QUE HÁ CASOS MENOS GRAVES ATUALMENTE

Apesar da forte alta de novos casos, a média móvel de óbitos não tem passado de 200 mortes por semana, de acordo com dados do CONASS —um número expressivamente menor do que os índices observados antes da disponibilização dos imunizantes.

“Nesse contexto, felizmente temos a vacinação. Não tanto em relação de transmissão, que é algo que a vacina não impede, mas sim mas para casos graves e óbitos —algo que o imunizante é capaz de evitar muito bem”, afirma Spilki.

Não há estudos recentes que analisem o perfil dos pacientes que vieram a óbito pela Covid-19 nos últimos meses, mas pesquisas feitas em diferentes partes do mundo mostram que quem recebeu o esquema completo de imunização tem 20 vezes menos chance de morrer pela doença.

É por isso que o Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz aponta como preocupante a estagnação no crescimento da cobertura vacinal na população adulta, além da desaceleração da curva de cobertura de terceira dose, especialmente pela adesão substancialmente menor de adultos à aplicação da dose de reforço.

“As vacinas e o alívio do sistema de saúde têm contribuído para a redução da letalidade no Brasil e em diversos outros países que alcançaram altas coberturas de vacinação. Importante reconhecer, portanto, que a ampliação da vacinação, priorizando especialmente regiões com baixa cobertura e doses de reforço em grupos populacionais mais vulneráveis, pode reduzir ainda mais os impactos da pandemia sobre a mortalidade e as internações”, diz o documento.

Spilki defende que agora “temos que lidar com a pandemia com as ferramentas disponíveis”.

“É hora de definir estratégias de combate daquilo que o imunizante não consegue conferir, ou seja, diminuir a transmissão. Ninguém mais fala no Brasil em grandes lockdowns, em cancelamento de eventos ou atividades, mas precisaria repensar se a medida de remover máscaras foi correta. Sabemos que a exposição prolongada de um indivíduo ao outro é a principal forma de transmissão, então por que não usar máscaras?”, diz.

A infectologista do Vera Cruz Hospital reforça que, por mais cansadas que as pessoas estejam, é importante manter medidas de precaução.

“O que devemos pedir é que as pessoas voltem a evitar aglomeração, não chegar perto das pessoas e sempre usarem máscaras em ambientes fechados. Caso apresentem algum sintoma respiratório, se ausentem do trabalho, testem e fiquem isoladas para que a gente interrompa a cadeia de transmissão do vírus”, recomenda Vera Rufeisen.