Um bom plano de saúde, na avaliação dos beneficiários, permite acesso irrestrito a uma rede assistencial. O mercado de saúde trabalha com o conceito de portas abertas para todo e qualquer serviço, conceito este que criou raízes profundas e se incorporou à cultura do trato com a saúde (doença) no Brasil. Essa cultura é uma das causas que compromete a sustentabilidade do mercado e impede a “organização racional” dos serviços, argumenta a economista e consultora internacional Flavia Poppe. “Os planos ampliaram suas carteiras e cresceram ao longo de todos esses anos ao alimentarem a cultura do ‘quanto mais, melhor’, mas agora a conta chegou e as operadoras enxergam com mais nitidez os efeitos negativos de tudo isso”, ressalta Flavia. “Não se trata só de ‘quanto mais, melhor’, há de se primar pela qualidade”.

A transição do uso desordenado, para a “qualidade”, passa pela mudança do modelo de pagamento dos serviços em saúde, afirma nossa entrevistada, que já atuou como consultora internacional da PAHO/WHO e para o Banco Mundial, além de ter sido Diretora Executiva de um plano de saúde no Rio de Janeiro. No Brasil, o modelo predominante de remuneração dos médicos é o pagamento por procedimento (“fee for service”), o qual estimula aumento de produtividade. “Isso é uma contradição, pois o sistema não remunera com foco em uma prestação de serviços que entregue mais saúde, mas por demanda de serviço, impactando diretamente o financiamento do sistema de saúde”.

Atendimento por grau de complexidade

Quando questionada sobre as saídas para o setor de saúde, Flavia aponta algumas soluções. No lugar do acesso amplo e irrestrito ao portfólio de médicos oferecido pelos planos de saúde, a consultora afirma que os especialistas devem continuar atendendo aos beneficiários, mas a partir de um sistema de referência e contra-referência, cujo ator principal volte ao médico da família.

“Uma das propostas é organizar a rede de serviços de saúde por nível de complexidade, da mais baixa à mais alta. O beneficiário não tem discernimento sobre o grau de complexidade de sua saúde/doença. Redefinir a forma como está desenhado o acesso ao serviço, impactará positivamente nos custos”.

A responsabilidade pela triagem do grau de complexidade só pode ser determinada por um profissional de saúde, afirma Flavia, mas seria necessário um trabalho de reeducação e repactuação. “Se a operadora fechar as portas ao atendimento amplo, como é praticado hoje, sem informar e reeducar os usuários, corre o risco de ser interpretada como limitadora de benefício”. Os passos para executar o atendimento por grau de complexidade, explica a consultora, é o esclarecimento e o debate com os beneficiários, bem como, o desenvolvimento de sistemas de informação. A organização do sistema de saúde teria de começar com a repactuação com todos os players da cadeia, além de um desmonte cultural de como se acessa e se utiliza a medicina no país. “O sistema como está não colabora com um ciclo mais virtuoso, centrado na promoção da saúde’”. Flavia também aponta para a necessidade de melhorar a qualidade da formação do médico.

Modelos de Remuneração

Quais modelos substituiriam o pagamento por procedimento? Há três possibilidades, explica Flavia. Uma delas é o modelo da Kaiser Foundation, dos Estados Unidos, no qual os médicos são institucionalizados e remunerados por salários mensais. Esses profissionais não estão isolados em seus consultórios porque pertencem a uma instituição, e dentro dela, há protocolos e a possibilidade de consultar médicos de outras especialidades, quando necessário.

A outra maneira de remunerar é o que, em inglês, chama-se” pay for performance”, que premia o acompanhamento dos pacientes e como consequência, seus resultados de saúde. Neste modelo o médico recebe por resultados. O profissional cuida de um conjunto de diabéticos e hipertensos, por exemplo, e a sua remuneração será acrescida de um bônus sempre que seus pacientes mantiverem suas taxas dentro do esperado. “Essa é uma maneira virtuosa de estimular, via recurso financeiro, o médico a práticas que promovam a saúde e cuidado de seus pacientes de uma maneira diferenciada”.

Um terceiro modelo, denominado “captation”, remunera o médico pelo número de usuários que permanecerão sob seus cuidados. “É uma maneira de estimular um atendimento e acompanhamento de qualidade. Para garantir que os pacientes permaneçam sob seus cuidados, o médico é avaliado através de indicadores que demonstram uma população e um atendimento de qualidade”.