O rol de eventos e procedimentos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a cobertura mínima que os planos de saúde contratados a partir de 02/01/1999 – e os adaptados contratados anteriormente a essa data – precisam oferecer aos seus usuários.

Seu fundamento legal é o art. 10, da Lei nº 9.656/1998, que instituiu o plano-referência para as operadoras de planos e seguros de saúde. O primeiro rol foi estabelecido pela Resolução nº 10/1998, do Conselho de Saúde Suplementar. Ele é periodicamente atualizado para a inclusão ou retirada das tecnologias de cobertura obrigatória pelas operadoras.

2. A Natureza Taxativa do Rol

Desde a sua instituição, o rol já trazia a noção de que seria taxativo, conforme já defendemos anteriormente. Em primeiro lugar, caso o rol fosse exemplificativo, não haveria a necessidade de ele existir, tampouco de ser atualizado. O fato de ele ser chamado de rol mínimo também pressupõe que só o que está ali deve ser obrigatoriamente coberto. A existência de diferentes tipos de planos também traz consigo a ideia de que o rol é taxativo, afinal, não haveria sentido estabelecer a possibilidade de contratação de várias coberturas, caso todos os planos tivessem que fornecer as mesmas coisas. O último argumento que corrobora a taxatividade é a necessidade de o contrato de seguro predeterminar os riscos, de acordo com o art. 757, do Código Civil. Se o rol não for taxativo, não há a predeterminação exigida em lei.

Entretanto, a ideia da taxatividade do rol acabava ficando enfraquecida pelo fato de que ele só era atualizado de dois em dois anos, como o Fabiano já apontou, em artigo publicado anteriormente no blog. Assim, muitas tecnologias eficazes e custo-efetivas acabavam demorando para serem incluídas no rol, em nítido prejuízo ao contratante.

3. Resoluções nº 465/2021 e 470/2021

No ano passado, a ANS editou a Resolução Normativa nº 465/2021, que não só atualizou o rol, como esclareceu, em seu art. 2º, que ele é taxativo, acabando de vez com eventuais dúvidas que poderiam existir. Além dessa norma, a ANS também editou a Resolução nº 470/2021, que modificou o rito de atualização da referida lista. A análise das tecnologias deixou de ser em bloco e passou a ser individual para cada tratamento (art. 5º). Assim, os pedidos de inclusão podem ser recebidos a qualquer momento e terão seu processamento de forma independente.

4. Medida Provisória nº 1.067/2021

Com relação ao prazo para a análise das propostas de inclusão e de exclusão de tecnologias, uma mudança significativa veio com a MP nº 1.067/2021, publicada em 02/09/2021. Em sua redação original, foi acrescido ao art. 10, da Lei nº 9.656/1998, o § 6º, determinando que o processo de atualização do rol fosse concluído no prazo de 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, “quando as circunstâncias exigirem”. Ou seja, quando a MP foi inicialmente editada, o prazo para que uma tecnologia fosse incluída no rol passou de 2 anos para, no máximo, 180 dias.

Recentemente, a MP nº 1.067/2021 foi convertida na Lei nº 14.307/2022 com algumas modificações em relação ao seu texto original.

5. Lei nº 14.307/2022

Ao contrário do noticiado na mídia, a nova lei não inovou ao determinar que as operadoras forneçam medicamentos oncológicos de uso oral. Isso já acontecia desde 2013, com a edição da Lei nº 12.880/2013, que modificou a Lei nº 9.656/98. Medicamentos oncológicos orais de uso domiciliar já tinham que ser fornecidos, desde que eles tivessem registro na ANVISA e estivessem incluídos na lista.

Uma das novidades da Lei é a obrigação de a ANS incluir no rol todas as “tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), instituída pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011”, no prazo de 60 dias após a publicação da decisão de incorporação (art. 10, § 10). Tem-se, com isso, mais uma forma de ampliação do plano-referência, em benefício do usuário.

A redação final do novo instrumento legislativo também tratou dos prazos de avaliação de tecnologias para a sua incorporação ao rol, com a inclusão dos §§ 7º e 8º ao art. 10, da Lei nº 9.656/98. O primeiro parágrafo citado definiu o prazo de avaliação em 180 dias, prorrogáveis por mais 90, nos casos de tratamentos em geral. Já o § 8º estabeleceu que o prazo será de 120 dias, prorrogáveis por 60 dias, quando o pedido tratar de medicamentos oncológicos.

Com isso, podemos dizer que houve um significativo avanço em relação ao que ocorria anteriormente. Aquilo que poderia ser visto como um empecilho para que o rol fosse considerado taxativo não existe mais. A redução do prazo foi substancial e permite, por um lado, uma análise detalhada da tecnologia (o que demanda um certo tempo) e, por outro, a celeridade esperada para que novos tratamentos sejam incorporados ao elenco obrigatório das operadoras.

6. Decisões do STJ sobre o ROL

Todavia, não há perspectiva de que o rol pare de ser questionado no Poder Judiciário, que, na maioria das vezes, entende pela sua não taxatividade. Há duas turmas no Superior Tribunal de Justiça que divergem quanto à sua natureza. Para que haja a uniformização do entendimento entre elas, a matéria foi levada a julgamento pela Segunda Seção do Tribunal, nos EREsp 1.886.929/SP e EREsp 1.889.704/SP.

Por ora, dois ministros já apresentaram seus votos. O ministro Luís Felipe Salomão votou por considerar que o rol é taxativo. Entretanto, salientou que, excepcionalmente, as operadoras devem ser obrigadas a fornecer tratamentos que não estão previstos nele, desde que a sua eficácia esteja comprovada pela Medicina Baseada em Evidências, pelo reconhecimento do Conselho Federal de Medicina (CFM) ou por nota técnica emitida pelos Núcleos de Apoio Técnico que auxiliam os juízes estaduais e federais. Assim, apesar de ter defendido a taxatividade do rol, o ministro estabeleceu exceções a ela. Significa dizer que ele reconheceu a taxatividade, porém, quando o procedimento se mostrar eficaz de acordo com a Medicina Baseada em Evidências, ele deve ser coberto pela operadora.

Já a ministra Nancy Andrighi entendeu pela exemplaridade do rol, o que obrigaria a operadora a fornecer tudo aquilo que o médico assistente prescrever. Em seu voto, a ministra ressaltou que eventual dúvida em relação à prescrição poderia ser discutida por junta médica.

Quanto ao voto do ministro Luís Felipe Salomão, pode-se dizer que, a rigor, ele não considerou o rol taxativo, na medida em que a taxatividade pressupõe a impossibilidade de obrigar a operadora a fornecer qualquer coisa que não estiver no rol e não tiver sido contratada. A partir do momento em que exceções são admitidas, ele deixa de ser taxativo, pois as duas ideias são inconciliáveis. De certo modo, adotou uma interpretação pela “taxatividade mitigada” do rol.

A sua posição, com o devido respeito, continua oferecendo riscos à mutualidade inerente aos contratos de planos e seguros de saúde. Ainda, acaba por aceitar que o Poder Judiciário seja chamado a decidir uma questão técnica e regulatória, sem que tenha todo o suporte para tanto. Para tanto, seria importante fixar critérios mais específicos para a condenação da operadora a fornecer tratamentos fora do rol, como, por exemplo, aqueles que dizem respeito à análise econômica, incluindo questões de custo-efetividade.

A seu turno, o voto da ministra Nancy Andrighi, ao considerar que o rol é exemplificativo e que as operadoras devem pagar tudo aquilo que o médico assistente prescrever vai de encontro a tudo o que se tem pregado em judicialização da saúde, pública ou suplementar. Há anos, o Fórum Nacional de Saúde do CNJ vem defendendo que não basta a mera prescrição médica para que um tratamento seja deferido judicialmente. Aliás, muitos erros e fraudes já foram cometidos com base no entendimento que a ministra defende, com o consequente desperdício de dinheiro.

Se o ministro Luís Felipe Salomão estabeleceu exceções ao rol, a ministra Nancy Andrighi deu a ele um fim e desconsiderou a Medicina Baseada em Evidências e a economia da saúde. O risco trazido com esse voto aos contratos não é uma possibilidade, mas sim, uma certeza. Basta verificar que, se prevalecer esse entendimento, qualquer que seja o plano contratado, a operadora terá que cobrir tratamentos não previstos no rol. E mais: se operadora e cliente divergirem em relação ao tratamento, a questão será levada ao Poder Judiciário. Como este vai decidir? Sem respaldo em análise técnica e só com base na prescrição? Isso quer nos parecer um retrocesso de anos em termos de judicialização da saúde.

Para complicar ainda mais a solução da controvérsia, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a ADI nº 7.088 contra o artigo 10, §§ 4º, 7º e 8º, da Lei nº 9.656/98, frutos da modificação gerada pela Lei nº 14.307/22.

7. A Necessária e Urgente Uniformização do Tema

Como se pode ver, é urgente a uniformização do tema, de modo a oferecer segurança não só ao contratante, como também às operadoras. O ruído (na concepção de Daniel Kahneman, Cass Sunstein e Olivier Sibony) das decisões judiciais, considerado como a diferença de resultado em conflitos judiciais com as mesmas características, é danoso à sociedade, incentiva ações aventureiras e aumenta os gastos com a movimentação da máquina judiciária1. Com o ruído, intensifica-se a insegurança jurídica. O tema é árduo, suscita debate e desperta emoções.

Termino com a citação do clássico livro de Carlos Maximiliano: “É comum no foro, na imprensa e nas câmaras substituírem as razões, os fatos e os algarismos pelos adjetivos retumbantes em louvor de uma causa, ou em vitupério da oposta. Limitam-se alguns a elevar às nuvens os autores ou as justificativas que invocam, e a deprimir os do adversário; outros chamam irretorquíveis, decisivas, esmagadoras às próprias alegações, e absurdas, sofisticas, insustentáveis, às do contraditor. Exaltar, enaltecer com entusiasmo, ou maldizer detratar com veemência não é argumentar; será uma ilusão de apaixonado, ou indício de inópia de verdadeiras razões”2.