A diretoria do maior sistema de planos de saúde privados do país bateu na porta de um antigo colega para pedir ajuda. O grupo é a Unimed — com seus 18 milhões de clientes — e o colega, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Em meados de junho, Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil, instituição que representa as 344 cooperativas Unimeds pelo país, foi recebido pelo ministro em Brasília. Pullin estava acompanhado de um grupo de diretores da Unimed.

Foi um encontro de ex-companheiros de trabalho.

Mandetta já ocupou o cargo de presidente da Unimed de Campo Grande, e Pullin os demais sabiam que estavam falando com alguém que conhecia de perto as demandas das operadoras privadas.

O assunto principal foi o que no setor é denominado de ativo garantidor. Trata-se de uma parte do capital das operadoras que fica bloqueada, conforme prevê a Lei 9.656, dos planos e seguros privados de saúde, de 1998. Ele serve para lastrear despesas médicas das operadoras junto aos prestadores de serviços de assistência à saúde. É um recurso que pode ser usado, por exemplo, para cobrir gastos quando a operadora está mal das pernas.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o total reservado a título de ativo garantidor está hoje em R$ 50,94 bilhões.

O pedido que Pullin levou ao ministro foi direto: liberar 50% do total desses ativos para que os planos possam investir em novos hospitais, clínicas etc.

Isso valeria não só para a Unimed, mas para todo o setor de saúde suplementar.

Só a Unimed, segundo Pullin, tem cerca de R$ 8 bilhões bloqueados como ativo garantidor.

“Cada hospital no interior custa entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões”, diz Pullin. Seriam centenas de hospitais, clínicas, laboratórios que poderiam ser construídos pelo país. “Isso geraria trabalho, geraria emprego, geraria infraestrutura de saúde nova.”

“Isso seria bom para todo o setor de saúde suplementar, para o país e para o governo. É um dinheiro que fica parado, num país que está precisando tanto de dinheiro.”

O que a Unimed defende é que, mesmo liberando 50% para a construção e ampliação de infraestrutura médica, a ANS teria esses imóveis como ativo garantidor.

Presidente da Associação Brasileira dos Planos de Saúde, Reinaldo Sheibe diz que o pleito faz todo o sentido para as operadoras. “Esse é um tema recorrente nas nossas conversas com a ANS.” Para ele, é certo que é preciso determinada reserva como garantia, mas ele pondera que cabe uma revisão nos valores de modo que libere mais recursos para as operadoras alargarem seus investimentos.

No país, cerca de 50 milhões de pessoas possuem planos privados de saúde.

Orestes Pullin diz que a Unimed já tratou do assunto com a ANS e com o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), que foi relator do projeto que tratou de rever a lei dos planos de saúde (hoje ele é secretário da Previdência). E diz que, por meio da Unimed do Rio Grande do Sul, levou o pleito ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

A visita ao ministro foi mais um passo da investida que a Unimed e outros planos têm feito junto ao governo por regras mais flexíveis em relação às garantias.

A Unimed tem o peso de ter 37% do mercado de saúde suplementar do Brasil; de ter 115 mil médicos cooperados, 2,5 mil hospitais credenciados e 120 hospitais próprios. No ano passado, o sistema Unimed faturou R$ 65 bilhões.

Não fosse só isso, contam com um interlocutor privilegiado no ministério. “A gente tem uma facilidade de interlocução por causa desse conhecimento que ele tem do sistema e nós já nos conhecíamos”, diz Pullin.

E qual foi a reação do ministro da Saúde na audiência com ex-colegas de Unimed na segunda-feira 17 de junho?

“Muito favorável porque ele conhece essa dificuldade”, disse Pullin. “Ele é favorável desde a época em que estava dentro do sistema Unimed.”

O Valor tentou confirmar com a assessoria do ministro se essa era mesmo a posição dele. A resposta foi de que “apenas a ANS pode se posicionar”.

A questão é que, se houver mesmo convergência do atual ministro com os planos privados nesse tema, uma briga está comprada. Porque a ANS discorda com bons argumentos dos pedidos da Unimed e das demais operadoras.

“A liberação de ativos garantidores financeiros para investimento em rede hospitalar não é recomendável”, disse a agência. “Não por acaso, tal possibilidade não encontra paralelo em mercados com regulação similar, como o de seguros, e tampouco é amparada pela prática regulatória e literatura internacionais sobre o tema.”

E, continua, dizendo que ativos financeiros costumam ter rentabilidade superior a imóveis. “Além disso, há dificuldades operacionais derivadas de uma eventual necessidade de liquidação de um imóvel assistencial para geração de recursos. A necessidade de venda urgente de um imóvel traz o valor da negociação a patamares muito abaixo do que poderia ser obtido em condições normais.”

A ANS já permite que as operadoras vinculem imóveis assistenciais — no limite de 20%, como lastro de ativos garantidores. Isso não significa permitir que os planos “saquem” 20% de suas garantias para construir um hospital.

Um dos argumentos que as operadoras repetem é que os recursos dos ativos garantidores não têm sido usados em casos de planos que quebram.

A ANS afirma que, nos “raros casos” em que uma operadora em liquidação ou falência possua ativos garantidores vinculados à agência, esses valores podem ser usados para pagar credores.

“Entretanto, a situação mais comum é que uma operadora chegue a uma liquidação ou falência sem ativos garantidores vinculados à ANS. A razão é simples: operadoras em dificuldades financeiras, que não geram caixa positivo, não conseguem compor reservas financeiras e vincular ativos à ANS.”

Se os argumentos do presidente da Unimed encontram um ambiente acolhedor no gabinete do ministro e ex-Unimed Mandetta, na agência reguladora as portas parecem bem fechadas. Quem terá mais força nessa discussão é ainda uma incógnita.

Empresa quer regras mais flexível em ativo dado como garantia