O sistema de saúde suplementar atende 47 milhões de brasileiros, sendo que mais de 67%  dos planos são coletivos empresariais. Isso gera um volume enorme de atendimentos. No entanto, na opinião de Lenise Barcellos de Mello Secchin, chefe de gabinete da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não é quantidade e, sim, a qualidade dos resultados dos pacientes que confere valor ao sistema. Para melhorar a forma de avaliar a qualidade, o Brasil precisa avançar na produção de indicadores.

“Precisamos mudar uma cultura nacional. O Brasil não tem foco em indicadores e temos de medir, avaliar e ter dados reais para que possamos fazer políticas públicas”, diz a representante da ANS. Ao fazer um retrospecto histórico da saúde no país, ela destaca que houve muitas conquistas, mas alerta que é preciso avançar mais. “A sociedade saiu do perfil epidemiológico, de doenças infectocontagiosas, para um perfil de doenças crônicas. No Brasil, no entanto, acumulamos os dois, porque temos uma sociedade bastante diversa em organização social”, frisa.

Lenise defende uma maior integração entre os sistemas público e privado. “A saúde é uma só. Por uma questão de organização, separamos em pública e privada, mas elas coexistem. Temos, sim, que melhorar a integração das duas, porque hoje o custo é muito alto e recai no bolso de todos nós”, assinala. Ações de prevenção também são destacadas como fundamentais por Lenise. “A saúde é nossa. Infelizmente, vivemos num sistema de tratar a doença, e não de melhorar a saúde”, lamenta.

Defesa

Sobre os preços dos planos de saúde, Lenise reconhece que são altos. “A manutenção e o atendimento são caros. É um conjunto de fatores que torna os planos caros. Não existe bala de prata para resolver esse problema”, indica. Para reduzir custos, conforme ela, serão necessários mudar o modelo de pagamento, ampliar o autocuidado e buscar inovações dos atendimentos no Brasil e no mundo. “Para isso, contamos com a contribuição da sociedade. A agência tem uma série de oportunidades de participação, como as audiências e consultas públicas”, diz.

Lenise lembra que, com a lei 9.656, de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, houve ampliação e padronização de coberturas, regras para portadores de doenças ou lesão anterior à aquisição do plano, tempo máximo de carência, atendimento de urgência e emergência. A legislação também proibiu a rescisão unilateral, fez controle e ajustes de planos individuais e garantiu transparência. “Há uma exigência de sustentabilidade da empresa, regras de entrada e saída. O papel da ANS é o de defender o interesse público, regulando as operadoras, trabalhando a relação entre consumidores e prestadores e contribuindo para o desenvolvimento do setor, que é tão importante.”

Para a representante da ANS, é preciso avançar no conhecimento do perfil epidemiológico e no desenvolvimento de ações de prevenção e promoção da saúde. “São importantes a escuta, a decodificação do beneficiário e o diálogo com a sociedade, para saber quais são as premissas, sugestões e reclamações para que se faça uma regulação que atenda o interesse público”, ressalta. Do ponto de vista do paciente, é preciso avançar no autocuidado. “A gente precisa entregar qualidade, assistência, promover a qualificação do sistema. Ações básicas de saúde reduzem a pressão de custos”, sustenta.

Com relação à flexibilização das faixas etárias, Lenise destaca que é preciso garantir direitos que foram determinados pelo Código de Defesa do Consumidor. “Não há, na ANS, uma discussão que venha propor a alteração do código. Ele está estabelecido, e foi uma conquista. Pode mudar na medida em que a expectativa de vida fica mais longa, mas, no momento, não há mudança prevista”, revela.

No que se refere ao marco regulatório, ela assinala que é constantemente estudado e atualizado a partir de ações de normatizações e projetos de lei apresentados. Nas ações de controle, Lenise esclarece que a ANS não faz intervenção. “Trabalhamos com dois parâmetros de monitoramento: direção fiscal e direção técnica. A agência não assume a gestão da operadora, seja qual for o modelo. Acompanha e faz as recomendações técnicas para garantir a sustentabilidade, seja no atendimento seja financeira”, explica.

A indústria brasileira tem vários desafios para superar, diante da atual conjuntura de baixo desenvolvimento e altos preços, quando o assunto é a contratação de planos de saúde suplementar para os seus empregados, na análise de Emmanuel Lacerda, gerente executivo da Unidade de Saúde e Segurança na Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele diz que 11 milhões de vidas são amparadas pelo setor e a tendência, tão logo a economia cresça, é de aumento desse número. No entanto, a agenda de discussão e de debate do contratante (a companhia) desses planos — na maioria, coletivos —, que são eminentemente pagos pelos empresários, é um elemento novo que começa a ter protagonismo.

Apenas 20% dos produtos contratados pelo setor são individuais. E a prática era usar os planos de saúde como estratégia. Antes, todas as modalidades de assistência sempre eram negociadas com os empregados como uma exceção, ou como um benefício para reter talentos, não como um instrumento de gestão em saúde. “As empresas compravam o risco, colocavam na mão de uma operadora ou uma seguradora, pagavam a conta final e conviviam com os reajustes”, destaca Lacerda. Hoje, as empresas têm repensado o seu papel e vêm estreitando seu relacionamento com os parceiros diretos e também incorporando práticas de gestão. Isso, segundo ele, pode resultar em melhor garantia de atendimento à saúde para o beneficiário e também melhor compatibilidade de custo.

Produtividade

A falta de uma efetiva gestão em saúde ou do atendimento suplementar por parte das empresas, no Brasil, acarretou vários prejuízos que poderiam ser evitados, de acordo com Emmanuel Lacerda. “Para cada 100 habitantes, nós perdemos 30 anos da capacidade de vida produtiva. Esse é um atributo que afeta a produtividade no país e das empresas na sua competição”, afirma. Isso porque o trabalhador “afastado” por questões de saúde não apenas causa impactos na indústria, como também vai aumentar o gasto de recursos públicos, já que será atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), e dos próprios planos — que precisam ressarcir o setor público pelo tratamento do seu beneficiário.

“A gestão em saúde traz um novo olhar. Percebeu-se que são duas contas de seguro que a empresa paga: do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e dos planos, para que seja feita a proteção do trabalhador”, afirma Lacerda. Ao final, os impactos negativos, destaca, vão para as empresas, para o governo e para a sociedade. “Para a empresa, porque vai arcar com hora extra do funcionário que fez a substituição ou contratar outra pessoa de fora do quadro. Sofre também com a perda de conhecimento desse profissional  que se afastou”, informa. Para o trabalhador, a consequência com o seu afastamento é perda na renda familiar — em caso de sua remuneração mensal ser superior ao valor pago pelo INSS.

Lacerda cita ainda as falhas no sistema de saúde suplementar: os chamados incentivos aos desperdícios, que também prejudicam toda a cadeia. É a forma como o sistema de saúde paga os fornecedores: por volume (de consultas, exames, entre outros) e não com base em uma rede de proteção e prevenção. “A gente precisa pensar em conjunto: empresas, operadoras e Agência Nacional de Saúde (ANS), que terá de analisar se deve estender, ou não, o seu braço regulatório nesses itens. Mas o fato é que os 9% de desperdício no sistema são incompatíveis com qualquer empresa que compete”, resume.

Lacerda lembra, também, o impacto da tecnologia — novos exames e tratamentos, mais sofisticados para os beneficiários. “As empresas ainda estão engatinhando nesse particular”, diz.