O fenômeno da judicialização da saúde é crescente nos tribunais brasileiros. Na avaliação da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), isso causa a desorganização do sistema de saúde, o desequilíbrio orçamentário do setor, além de desigualdades de direito na sociedade. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contabilizou, somente em 2016, 103.896 processos na saúde suplementar. O gasto aproximado com demandas judiciais ligadas à saúde pública e privada foi de R$ 8,2 bilhões em 2015.

– O acesso ao Judiciário é um direito inalienável do cidadão, um valor da sociedade moderna. Essa instância deve ser respeitada, mas o que se vê com constância, atualmente, é que a indústria do direito individual vem se sobrepondo ao coletivo. E a consequência disso acaba, paradoxalmente, sendo injusta, porque, quando ocorrem decisões que concedem procedimentos não previstos em lei ou no contrato, prejudica todos os beneficiários daquele plano de quem moveu a ação. Todos pagam a conta – afirma a presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes.

A maioria das ações que diz respeito à saúde é relativa ao sistema público. Segundo dados do site do Ministério da Saúde, desde 2010 houve um aumento de 727% nos gastos da União com processos para aquisição de medicamentos, equipamentos, realização de cirurgias e depósitos judiciais. Ainda segundo o Ministério, os gastos com as demandas judiciais ligadas à saúde pública foram na ordem de R$ 7 bilhões em 2015, enquanto na Saúde Suplementar esse número gira em torno de R$ 1,2 bi, diz estudo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

As operadoras de planos de saúde são obrigadas a cumprir sentenças judiciais, mesmo em casos não previstos no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou no contrato firmado entre o consumidor e a operadora, segundo a presidente da FenaSaúde.

– O juiz deve estar amparado por parecer técnico de profissional de saúde para subsidiar a decisão. Com esse apoio técnico, as decisões são mais bem fundamentadas, reconhecendo o direito de quem efetivamente o tem. A Justiça deve também levar em conta os contratos celebrados. Reconhecer demandas a quem não tem direito é poderoso estimulante da judicialização.

Entre os itens mais demandados, na Justiça, em relação às operadoras que fazem parte da FenaSaúde, estão a negativa de cobertura (geralmente de contratos antigos), rede de atendimento (quando o médico não atende por determinado plano, e mesmo assim o beneficiário quer ser atendido por ele), carência (uso do plano antes da carência mínima), procedimentos que não são oferecidos pelo plano e reajuste de mensalidades.

Contudo, os planos de saúde não estão na lista dos dez assuntos mais reclamados. No ranking geral do Boletim do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) de 2016, o segmento aparece na 13º posição dentre os 20 listados, com 1,5% do total de reclamações. Em relação à quantidade de atendimentos registrados em 2015, houve recuo de 4,4% nas contestações ligadas aos planos de saúde.

Para diminuir os impactos da judicialização, as operadoras estão investindo constantemente na qualificação e aperfeiçoamento dos canais de atendimento ao consumidor, como os SACs e Ouvidorias (89,3% respondem aos seus demandantes em até 7 dias úteis, 10,4% dentro de prazo pactuado (do 8° até o 30° dia útil) e somente 0,2% fora do prazo (após 30 dias úteis). A ANS também pode ser um canal para resolução de problemas não solucionados diretamente com a operadora antes do judiciário. Na esfera judicial, por sua vez, o Núcleo de Apoio Técnico – NAT, iniciativa do judiciário, foi criado para auxiliar tecnicamente os magistrados nas tomadas de decisões sobre saúde.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (NUDECON), Patrícia Cardoso, o consumidor deve inicialmente procurar a empresa para tentar uma solução amigável.

– No NUDECON, temos um projeto muito consistente de não judicialização de casos. Assinamos com as principais operadoras termos de cooperação criando canais efetivos de solução dos problemas. As empresas, nesses termos, se comprometem a enviar resposta, positiva ou negativa, nos casos de urgência e emergência em até três horas para o defensor público. Com isso, temos alcançado índices de solução em torno de 90% – explica.

A presidente da FenaSaúde destacou três pontos importantes para se evitar o crescimento desordenado da judicialização na saúde: no caso do paciente, o conhecimento prévio do contrato firmado com a operadora; aos profissionais da saúde, privilegiar os procedimentos cobertos pelo rol sem, hipótese alguma, trazer prejuízo ao cuidado à saúde; e, por fim, a conscientização de todos os atores do sistema, do paciente aos profissionais e magistrados, sobre a utilização mais adequada dos meios jurídicos.