O princípio da boa-fé que norteia o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil deve ser respeitado pelos fornecedores e prestadores de serviços. Quanto a isso, não há muita discussão – ou nenhuma.

Mas, quando se trata do cumprimento do princípio por parte do consumidor, esse (des)respeito pode – infelizmente – ser mitigado para justificar um benefício paternalista, fruto da nossa cultura protetiva reforçada por aquele Diploma.

Para exemplificar e direcionar o raciocínio da exposição, destaco a exigência trazida pelo artigo 13, parágrafo único, II, da Lei Federal 9.656/1998, que trata sobre a possibilidade de extinção do contrato de plano de saúde individual ou familiar em caso de inadimplemento do consumidor.

Diz o texto que é vedada “a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência”.

Parte da jurisprudência entende que o consumidor deve ser pessoalmente notificado da sua mora, concedendo-lhe, por conseguinte, prazo para a quitação da mensalidade atrasada. É sobre esse fato que pretendo trazer o debate e a hermenêutica em dias atuais.

Segundo levantamento realizado em 2018, aproximadamente 33% da população brasileira reside em condomínios. Grande parte, também, não está em sua residência durante o horário comercial.

A boa-fé citada logo no início da exposição trata da lisura e da veracidade das informações declaradas pelo consumidor ao aderir um contrato – aqui especificamente de plano de saúde, tanto quanto à sua saúde quanto ao seu endereço residencial e para recebimento de correspondências. É responsabilidade dele, também, dar ciência de eventual alteração ou mudança de endereço a todos os seus contratantes (cartão de crédito, concessionárias de serviços, plano de saúde, órgãos de classe etc.).

Alguns entendimentos são extraídos sobre a validade da notificação remetida para o consumidor inadimplente, cuja assinatura no aviso de recebimento (AR) está aposta por um terceiro, no seu próprio endereço residencial declarado.

A Lei Processual trouxe norte para o debate em seu artigo 274, parágrafo único, ao afirmar que “presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante nos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir das juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço”.

Esse entendimento pode ser aplicado, por analogia, ao caso da notificação de inadimplemento nos contratos de planos de saúde individuais e familiares, entendendo-se como válida a notificação do consumidor no endereço constante em seu contrato (ou substituído durante o seu curso), mesmo que tenha sido recebida por terceiro.

Para reforçar o direcionamento da opinião e valendo-se do princípio da boa-fé, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Súmula Normativa 28, de 30 de novembro de 2015, que expôs o entendimento do órgão regulador do governo sobre a validade da notificação do consumidor de plano de saúde individual ou familiar em caso de inadimplemento.

Deixou claro a ANS que “no caso de notificação por via postal com aviso de recebimento, entregue no endereço do consumidor contratante, presume-se, até prova em contrário, que o consumidor contratante foi notificado, não sendo necessária a sua assinatura no aviso de recebimento”.

Interpretação análoga pode ser extraída da notificação obrigatória decorrente de mora em contratos de financiamento, com garantia fiduciária[1]. O Superior Tribunal de Justiça consolidou, há tempo, jurisprudência sobre o assunto e firmou o entendimento de que a necessidade de notificação extrajudicial do devedor, para caracterizar a mora, pessoalmente, é dispensável, bastando ela ter sido encaminhada e recebida no endereço constante do contrato[2].

Outro raciocínio semelhante deu origem à Súmula 404 daquele Superior Tribunal. Diante da judicialização excessiva sobre a negativação do nome do consumidor em cadastros de restrição ao crédito, e com o fito de direcionar as discussões e decisões nos tribunais[3], o STJ esclareceu que “é dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros”.

Alguns anos antes da sedimentação do assunto por parte do STJ, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, naquele mesmo sentido, publicou a Súmula 93[4] e sacramentou que é desnecessária a comprovação do recebimento da comunicação do devedor inadimplente através do aviso de recebimento (AR), bastando prova da postagem ao endereço constante no contrato e fornecido pelo consumidor.

Se trouxermos a questão para a comunicação do consumidor inadimplente através de mensagem eletrônica (e-mail ou correio eletrônico) ou SMS, valeria, ao meu sentir, a mesma orientação traçada nos parágrafos acima destacados, desde que tais endereços e números de telefones correspondessem aos informados pelo consumidor quando da assinatura do contrato.

A hermenêutica que faço das normas utilizadas para essa opinião (Lei Federal 9.656/98, artigo 13, parágrafo único, II; CDC, artigo 43, parágrafo 2º; CPC artigo 274, parágrafo único; Decreto-Lei 911/69, artigo 2º, parágrafo 2º) não obriga que as comunicações direcionadas aos consumidores inadimplentes devem, obrigatoriamente, ser entregues pessoalmente. Nenhum dos textos destacados traz essa exigência.

Por isso, aplicando-se o princípio constitucional da legalidade (artigo 5, II da CRFB), não há qualquer obrigatoriedade estampada na Lei dos Planos de Saúde e no CDC (aplicado subsidiariamente por força do artigo 35-G da LPS) da comunicação pessoal ao consumidor inadimplente.

Há, porém, a obrigação de remessa do comunicado ao consumidor, bastando, para tal, a prova do respectivo envio ao endereço fornecido no contrato.

O Direito é uma ciência subjetiva, cujas normas abertas podem trazer interpretações diversas por parte dos profissionais e da jurisprudência. Além disso, as rápidas mudanças que nos cercam em dias atuais merecem reflexões constantes, com o objetivo de adequar processos e entendimentos uniformes, trazendo cada vez mais segurança jurídica para toda a sociedade.

O que não pode ser admitido é a violação ou o questionamento desse princípio basilar do Direito, criando paradoxos que atinjam diretamente mercados e a própria economia do país.

A interpretação das normas deve ser única, mesmo diante de eventuais subjetividades. Somente assim o Poder Judiciário conseguirá garantir a todos, uniformemente, deveres e direitos, mitigando a judicialização.

[1] Decreto-Lei 911/1969, art. 2º, §2º.

[2] AgRg. no Ag. 1.340.937/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 18/05/2012; AgRg. no AREsp. 715.516/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 10/09/2015; AgInt. no AREsp. 1.448.000/SP; 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 12/09/2019.

[3] Vide também decisão anterior à Súmula 404, em sede de Recurso Repetitivo – Tema 59, cuja origem vem do REsp. 1.083.291/RS, 2ª Seção, DJe 20/10/2009.

[4] “A comunicação a que se refere o artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, independe de maior formalidade e prescinde de comprovação por aviso de recebimento, bastando prova da postagem ao consumidor no endereço constante do contrato.”