Cumprindo o seu papel constitucional de uniformizar a jurisprudência sobre lei federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo. Ou seja, as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista. Trata-se de um tema importante, que envolve a saúde das pessoas, a viabilidade econômica do sistema de saúde complementar e os próprios limites da Justiça.

A respeito das exceções da taxatividade, a Segunda Seção do STJ fixou que as operadoras de plano não são obrigadas a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se já houver previsão, no rol, de outro procedimento eficaz, efetivo e seguro. No entanto, em caso de não haver substituto terapêutico, a Corte entendeu que a Justiça pode determinar, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico desde que (i) a incorporação da tecnologia demandada não tenha sido indeferida após análise técnica da ANS; (ii) exista comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros; e, sendo possível, (iv) o magistrado tenha um assessoramento técnico sobre a questão médica debatida.

No julgamento, o STJ lembrou que é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento não contemplado no rol de procedimentos. Na ação, o que estava em discussão era o mínimo de cobertura obrigatório do plano-referência de assistência à saúde.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a taxatividade do rol da ANS, ao ser fundamental para o funcionamento e a viabilidade do sistema de saúde suplementar, protege o próprio beneficiário. Lembrou-se ainda que o respeito à lista garante que a introdução de novos fármacos seja precedida de avaliação criteriosa da ANS, especialmente em relação à eficácia dos tratamentos e à adoção de novas tecnologias em saúde. De toda forma, o relator defendeu que, em situações excepcionais, a Justiça pode, seguindo critérios técnicos, determinar que o plano garanta ao beneficiário a cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora.

Foi lembrado, no julgamento, que o Congresso alterou recentemente a Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), fixando o prazo de 180 dias para a conclusão do processo administrativo para atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar pela ANS. Trata-se de um ponto fundamental. Se o rol é taxativo, a ANS deve atualizá-lo regularmente, sem atrasos.

A decisão do STJ é correta, em conformidade com o que dispõe a lei e com a experiência internacional. Não há país no mundo em que a lista de procedimentos de cobertura obrigatória seja aberta, meramente exemplificativa. A função do rol é precisamente definir, para todos os envolvidos, a cobertura mínima necessária.

Tão importante quanto o reconhecimento da taxatividade do rol foi a definição de critérios técnicos e rigorosos para as situações excepcionais. As exceções devem ser exceções. Se todos os que entram com ações na Justiça conseguem a cobertura pleiteada – como frequentemente ocorria –, o rol da ANS torna-se, na prática, exemplificativo. Além disso, os parâmetros técnicos fixados pelo STJ contribuem para uma prestação jurisdicional mais equânime, menos discricionária. Se a ANS, para elaborar e atualizar o rol de procedimentos, deve realizar antes um profundo estudo técnico, a Justiça, ao conceder uma exceção, deve ser também extremamente técnica.

Por fim, ao assegurar o caráter taxativo do rol de procedimentos, o STJ protegeu a função regulatória da ANS. O papel do Judiciário é aplicar a lei, não criar regulamentação médica. Ou seja, ao contrário do que às vezes apontam algumas vozes, a Justiça – no caso, o STJ – lembrou os limites da própria Justiça. Nem tudo é ativismo no Judiciário.