O Brasil tem capacidade tecnológica para diagnosticar quase todas as doenças raras, mas o acesso a exames e a informação na rede de saúde é muito desigual, afirmaram especialistas no Seminário Doenças Raras, realizado pela Folha  nesta terça-feira (3) em São Paulo.

No Brasil, considera-se doença rara as enfermidades que afetam até 65 pessoas em cada cem mil indivíduos. Não há números exatos, mas estima-se que existam 10 mil doenças raras diferentes e que, no total, 13 milhões de brasileiros sejam portadores de alguma delas. 80% delas são decorrentes de fatores genéticos.

“Estima-se que até 1 em cada 15 pessoas terá ou poderá desenvolver uma doença rara”, disse Armando Fonseca, diretor médico científico de medicina especializada do Grupo Pardini.

“A maioria dos testes genéticos para doenças raras pode ser encontrada na saúde suplementar, mas um número importante de exames ainda não está no SUS”, disse Lavínia Schüler-Faccini, médica, geneticista e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A triagem neonatal, conhecida como teste do pezinho, feita logo após o nascimento, pode diagnosticar cerca de 60 doenças raras. “Infelizmente, esse exame não chega de forma igualitária para todos os recém-nascidos brasileiros. Há crianças que têm acesso a versões do exame que detectam 50, 60 doenças, e outras que não têm acesso a nenhuma delas”, afirmou Armando Fonseca.

É preciso lutar por equidade no acesso aos exames, mas nem sempre os testes conseguem oferecer todos os detalhes de como as doenças raras podem se manifestar, disseram os médicos.

“Se o profissional parte apenas de um exame genético para diagnosticar a doença, a probabilidade de ele descobrir coisas que ele não sabe interpretar é grande, e isso pode gerar angústia para o paciente”, afirmou Schüler-Faccini.

Por isso, os debatedores defenderam que exames, como os genéticos, devem ser feitos junto a um acompanhamento que não só apresente os riscos de desenvolver sintomas, mas também mostre medidas para melhorar a qualidade de vida e informe a chance de familiares desenvolverem a doença.

Com um diagnóstico adequado, o paciente pode receber o tratamento correto e planejar a sua vida. Centros de referência podem capacitar médicos da atenção básica e outros profissionais da saúde para suspeitar de sintomas ligados a doenças raras.

Essa suspeita deve acontecer não só em crianças, mas também em adultos, disse Márcia Waddington Cruz, responsável pelo setor de doenças musculares do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio de Janeiro. “Alguns pacientes com a PAF (polineuropatia amiloidótica familiar), por exemplo, podem apresentar os primeiros sintomas aos 50 ou até aos 80 anos”, disse a médica.

Outras tecnologias também podem melhorar os diagnósticos. “Nos Estados Unidos, já se usa inteligência artificial. Você usa um banco de dados para selecionar o conjunto de sinais, e junto com a análise do médico, pode detectar uma doença rara”, disse Cruz. Entretanto, esse tipo de tecnologia ainda não é disseminado no Brasil.

O diagnóstico precoce também gera economia para o país, diz Schüler-Faccini, da UFRGS. “Municípios e cidades tendem a querer esconder seus portadores de doenças raras, por acharem que precisarão pagar caro por exames e tratamento, mas isso gera uma falsa sensação de economia.”

Para a geneticista, se o paciente não receber o diagnóstico correto, fará vários outros exames desnecessários, gerando custos adicionais.