Astrazeneca não detalhou a reação adversa em voluntária, mas jornal americano diz ser uma mielite transversa, síndrome que afeta a medula

Estudos clínicos de imunizante inglês foram suspensos após participante ter reação adversa grave; cientistas dizem que eventos do tipo são comuns durante pesquisa. Organização Mundial da Saúde afirma não ser factível imunização em larga escala no início do próximo ano

A suspensão dos testes da candidata à vacina contra covid-19 da Universidade de Oxford (Reino Unido) em parceria com a farmacêutica Astrazeneca deve atrasar o cronograma de desenvolvimento do produto, mas ainda não é possível prever novos prazos, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Os testes foram interrompidos após um voluntário no Reino Unido ter reação adversa grave, mas cientistas dizem que esse evento é comum no processo de avaliação de segurança e eficácia de imunizantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou ontem que a imunização em massa deve ocorrer só em 2022.

Essa vacina é considerada uma das mais avançadas do mundo, junto da chinesa Coronavac, que é testada em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo. O produto de Oxford estava em fase final de estudos clínicos antes de receber autorização dos órgãos reguladores para prosseguir com a imunização da população.

Oxford e Astrazeneca não divulgaram novo calendário para o imunizante, a principal aposta da gestão Jair Bolsonaro, que chegou a prever nesta semana o início da vacinação para janeiro. O governo brasileiro disse ontem que não sabe como o novo problema vai afetar o cronograma. Segundo o jornal britânico Financial Times, fontes ligadas à pesquisa da vacina afirmam que os testes poderiam ser retomados na próxima semana, após análise de um comitê independente.

Oficialmente, o tipo de reação adversa não foi informado. Segundo o jornal americano The New York Times, uma pessoa familiarizada com a situação disse, sob condição de anonimato, que a participante teve mielite transversa, uma síndrome inflamatória que afeta a medula espinhal e costuma ser desencadeada por infecções virais. A mídia britânica diz que a expectativa é de recuperação da voluntária. O ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, declarou que não é a primeira vez que os testes da vacina de Oxford foram interrompidos, sem dar detalhes.

“É o que pode acontecer em todas as pesquisas clínicas e no desenvolvimento de qualquer vacina. É importante que as pessoas saibam que, quando faz pesquisa, é feito monitoramento rigoroso dos participantes e, qualquer coisa que aconteça em termos de saúde, tem de ser relatada como evento adverso. Como está no período de observação da vacina, a situação tem de ser avaliada pela equipe e auditores externos”, diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Ele exemplifica que, caso um voluntário sofra enfarte, derrame e até acidente, o caso deve ser avaliado. “Se uma pessoa é atropelada após tomar uma vacina, é evento adverso grave, porque pode ter sido atropelada porque ficou tonta e caiu.” A suspensão não significa que o estudo foi completamente interrompido e que o que foi feito será perdido. “O monitoramento continua, o que suspende é a inclusão de novos indivíduos na pesquisa. O tempo que vai demorar para retomar a pesquisa depende da avaliação e conclusão (desse processo). Afeta o cronograma, porque essa avaliação nem sempre consegue ter resultados rapidamente”, diz.

Virologista da Universidade Federal de Minas (UFMG), Flávio da Fonseca diz que são relativamente comuns eventos adversos na fase 3, tendo em vista que mais pessoas passam a participar do estudo. “É quando mais se tem voluntários. Nas fases 1 e 2, as pesquisas estão na casa de dezenas e centenas de voluntários. Quando passa para a fase clínica 3, aumentam as chances de pequenos problemas.” Isso reforça, diz, a necessidade de várias candidatas. “Não necessariamente a primeira vai ser a melhor, por isso que outras devem continuar sendo estudadas e ofertadas. O importante é ser preciso no estudo. Se a precisão puder ser conjugada com a rapidez, melhor.”

Expectativa. Cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan alertou ontem que não espera que vacinas da covid estejam disponíveis para a população em geral antes de 2022, embora grupos de risco possam ser imunizados em meados de 2021. “Muitos pensam que no início do próximo ano haverá uma panaceia que resolverá tudo, mas não será assim: há um longo processo de avaliação, licenciamento, fabricação e distribuição.”

Na seleção dos grupos prioritários para vacinar, ela aponta que “profissionais de saúde devem ser os primeiros, e assim que chegarem mais doses, devem ser alcançados os mais velhos, pessoas com outras doenças, para, assim, cobrir cada vez mais a população”. O processo, diz, leva alguns anos e ainda não se sabe se haverá a necessidade de duas doses e a duração da proteção.