O uso excessivo de serviços médicos é hoje um problema comum na maioria dos países do mundo, independente do nível de desenvolvimento econômico. Os excessos mais comuns incluem procedimentos e internações desnecessárias, além do uso indevido de antibióticos e outros medicamentos, por exemplo.

São práticas que elevam os custos de saúde para o prestador do serviço e não trazem nenhum benefício para o paciente. Em alguns casos, acabam até prejudicando seu tratamento e a sua qualidade de vida.

Mesmo assim, tudo indica que o uso excessivo de serviços médicos vem aumentando em todo o mundo. É o que diz um estudo publicado na revista científica The Lancet, em janeiro de 2017, de autoria de um grupo de pesquisadores americanos, ingleses e australianos.

O artigo “Evidence for overuse of medical services around the world” analisa os problemas e as consequências destes excessos por meio de cinco revisões sistemáticas, pesquisa e revisão de literatura científica.

A seguir, destacamos as principais conclusões desse trabalho para que você entenda como é importante equilibrar a oferta de serviços na sua operadora de saúde.

O que caracteriza o uso excessivo de serviços médicos?

Em primeiro lugar, o pesquisadores buscaram definir melhor os conceitos do que pode ser considerado excesso no uso de serviços de saúde. Segundo eles, pode ser considerada excessiva toda provisão de serviços médicos cujo potencial de prejuízo excede o potencial de benefício.

O uso excessivo também pode ser medido indiretamente através do exame de variações geográficas injustificadas na prevalência de procedimentos e na frequência de atendimento.

Contudo, a identificação dos excessos através da documentação sobre a prestação inadequada de serviços é uma tarefa desafiadora, pois é difícil definir cuidados adequados para pacientes com preferências e necessidades individuais.

Apesar dos desafios na sua mensuração, a alta prevalência do uso excessivo de serviços médicos está bem documentada nos países de alta renda e é cada vez mais reconhecida em países de baixa renda.

Nos EUA, a avaliação dos recursos comprometidos com serviços desnecessários varia amplamente, dependendo da fonte. As estimativas conservadoras baseadas na medição direta de serviços individuais indicam algo entre 6% a 8% do total de gastos com cuidados de saúde. Já os estudos de variação geográfica indicam que a proporção de gastos do Medicare em uso excessivo é mais próxima de 29% .

Segundo a pesquisa, o Brasil (ao lado da Austrália, Israel, Irã e Espanha) está entre os países que mais abusa de práticas médicas desnecessárias. Em algumas populações, o uso excessivo de serviços médicos pode atingir 89% do total dos gastos de saúde.

Entre os exemplos citados no artigo está o fato de que o consumo global de antibióticos cresceu 36% globalmente entre 2000 e 2010. Nesse contexto, as economias emergentes (países como Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul) representaram 76% do aumento.

É importante ressaltar que os excessos no uso dos serviços pode coexistir com outras demandas não atendidas na área de saúde, particularmente nos países de menor renda.

Por que o excesso na oferta de serviços é um problema?

Em vez de auxiliar no tratamento, a prestação de serviços desnecessários pode prejudicar os pacientes tanto física quanto psicologicamente, além de representar um desperdício de recursos para os sistemas de saúde.

Poucos estudos documentaram diretamente os danos causados ao paciente por excesso de uso dos serviços de saúde. No entanto, estimativas podem ser inferidas a partir de dados sobre eventos adversos e estudos sobre o uso excessivo de tratamentos específicos.

Um desses estudos analisou dados globais sobre os resultados de artroplastia total de joelho e quadril, identificando que cerca de 8% desses procedimentos resulta em eventos adversos graves para o paciente. Entre eles, infecção grave, revisão do procedimento, problemas cardiovasculares e morte. Outros pesquisadores estimam que mais de 20% das substituições totais de joelho na Espanha e 30% nos EUA são desnecessárias.

Outros exemplos de danos físicos causados por excessos no tratamento de saúde:

  • O uso dos filtros de veia cava implantáveis também pode ser considerado excessivo, pois as baixas taxas de remoção apropriada desse dispositivo causam complicações trombóticas venosas em 10% dos pacientes que os recebem.
  • Na Coréia do Sul, o excesso nas realização de ultrassonografias aumentou em 15 vezes na incidência de câncer de tireoide entre a população.
  • O uso continuado de um rígido controle glicêmico na UTIs, com uso intensivo de insulina, mesmo com a evidência de que isso provoca altas taxas de complicações hipoglicêmicas sem redução considerável na mortalidade dos pacientes.

O dano psicológico dos procedimentos desnecessários

Vários pesquisadores da área de saúde já observaram que o tratamento no hospital pode levar ao isolamento físico desnecessário dos pacientes, trazendo conseqüências negativas que incluem solidão, sentimentos de estigmatização e depressão. Portanto, investir na desospitalização e no homecare podem ser alternativas às internações desnecessárias.

No caso dos exames de rastreamento do câncer de mama, o número excessivo de mamografias pode levar ao diagnóstico de lesões pré-cancerosas, tais como como carcinoma ductal in situ, que têm sido associado ao desenvolvimento de um quadro de ansiedade e a superestimação do futuro risco de câncer.

Outra forma de dano psicológico acontece nos casos de pacientes que acabam sendo identificados como “doentes” como resultado de testes desnecessários. Uma pesquisa realizada nos EUA em 1967 analisou adolescentes com diagnóstico de sopro cardíaco, condição que foi posteriormente avaliada como “inofensiva”. Entre estes jovens desnecessariamente diagnosticados, 40% continuaram a ter atividade física restrita e 63% disseram que seus pais continuaram acreditando que eles não eram saudáveis.

O dano causado pela rotulagem também pode ocorrer no contexto da doença mental. Por exemplo, é amplamente reconhecido que o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) é hoje diagnosticado de forma excessiva em muitos países. Há poucas pesquisas sobre o efeito de um diagnóstico de TDAH sobre o senso de auto-estima e o comportamento de uma criança, mas já é provado que o rótulo afeta as expectativas dos professores e as interações sociais, o que pode influenciar substancialmente a autopercepção de uma criança.

O alto custo para os sistemas de saúde

Embora existam poucas medidas diretas da proporção de gastos com cuidados de saúde atribuíveis ao uso excessivo de serviços médicos, há evidências que sugerem que este custo pode ser considerável.

Especialistas na área estimam que tais excessos contribuem substancialmente para os gastos com cuidados de saúde nos EUA. Com base em uma estimativa conservadora, em 2013 os EUA gastaram pelo menos US$ 270 bilhões em cuidados que poderiam ser definidos desnecessários, ao mesmo tempo em que existem milhões de americanos sem acesso aos cuidados básicos de saúde.

Um estudo sobre o uso inadequado de exames ósseos no Medicare dos EUA entre beneficiários com câncer de próstata descobriu que 21% dos pacientes com baixo risco e 48% dos pacientes com risco moderado de metástase óssea foram submetidos a pelo menos uma tomografia, com um custo anual de US$ 11,3 milhões. E isso apesar de haver diversas recomendações médicas contra a realização de tomografias nesses grupos.

O uso excessivo de serviços médicos também afeta os países com menor renda. O uso de tecnologias avançadas e caras, como novos tratamentos para o câncer, dispositivos de diagnóstico por imagem e lentes de substituição para catarata multifocal, vem se disseminando pelo mercado globalizado da saúde. Isso acaba eliminando meios menos tecnológicos (e potencialmente de maior custo-benefício) para promover a saúde da população.

No Brasil, segundo pesquisa publicada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), as despesas com internações foram as principais responsáveis por um aumento de 19,3% no índice de variação de custos médico-hospitalares (VHCM/IESS) em 2016. Segundo a pesquisa, as internações respondem sozinhas pelo aumento de 10,7 pontos percentuais no índice.

Por isso, reduzir o número de internações desnecessárias é uma questão cada vez mais urgente para as operadoras de saúde.

Como medir os excessos no uso de serviços de saúde?

O uso excessivo de serviços médicos pode ser medido de várias maneiras. A frequência de um serviço específico pode ser medido diretamente dentro de uma população, de acordo com os registros de pacientes ou registros médicos.

Contudo, esta abordagem requer uma definição confiável do que é adequação para um determinado serviço. Geralmente são usadas diretrizes baseada em evidências ou em consenso, por meio de discussões multidisciplinares para definir o que pode ser considerado uso necessário e desnecessário.

As taxas de uso excessivo podem ser calculadas segundo a proporção de serviços entregues que são considerados inadequados ou então segundo a proporção de pacientes que recebem o serviço de forma inadequada. Estes são os indicadores mais confiáveis e têm sido usados em um número cada vez maior de pesquisas na área.

O problema é que as evidências para a definição de cuidados adequados são escassas em muitas situações clínicas, impedindo uma avaliação precisa. E mesmo que as evidências estejam disponíveis, os detalhes necessários para definir a adequação dos cuidados em pacientes individuais muitas vezes estão ausentes das diretrizes. Ao mesmo tempo, um processo iterativo de discussões capaz de incorporar mais nuances é algo dispendioso e demorado.

Nos últimos anos, o avanço da tecnologia tornou mais fácil mensurar o uso excessivo em alguns contextos. Utilizando registros eletrônicos e sistemas que facilitam a gestão desses dados, os gestores de saúde podem acompanhar de perto a utilização de determinado serviço, avaliando seus benefícios e eventuais prejuízos de forma muito mais eficaz.

E a sua operadora? Já está agindo para prevenir o uso excessivo de serviços médicos entre seus beneficiários?

Não deixe para amanhã uma questão tão importante. Invista na medicina preventiva e na tecnologia da informação para poder avaliar, planejar e decidir de forma estratégica que caminho sua operadora deve tomar.