Ao longo dos anos, as empresas aprenderam que aquela que não souber trabalhar com eficiência não sobreviverá. Há menos tempo, porém, muitas perceberam que um custo que nada tem a ver com os produtos que fabricam ou vendem escapava desse controle. Encontraram desperdícios e ineficiência na forma como eram usados os planos de saúde que contratam para seus funcionários. A constatação fez surgir um movimento crescente de companhias em busca de saídas. Total de 62 têm se reunido para trocar experiências. Gestões mais atentas, prevenção e ferramentas próprias para melhorar a eficiência têm ajudado muitas empresas a reduzir custos com planos de saúde e ter trabalhadores mais saudáveis. Por meio de acompanhamento e serviço de orientação próprios, em um ano a Volkswagen conseguiu reduzir em 25% os dias de hospitalização de seus funcionários.

A despesa com planos de saúde continua a ser o segundo maior gasto com pessoal numa empresa, perdendo apenas para salários. Representa 12% do que as companhias gastam com funcionários, em geral, e chega a 20% nos grupos de empregados mais qualificados, segundo Luiz Edmundo Rosa, diretor de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).

Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indica que dos 47,3 milhões de beneficiários de planos privados registrados no país em 2017 cerca de 80% correspondem a planos coletivos (empresariais ou por adesão). Já faz dez anos, porém, que a variação do chamado custo médico hospitalar (VCMH), do Instituto de Saúde Suplementar, ultrapassa em muito a inflação medida pelo IPCA. Segundo o estudo da CNI, entre 2008 e 2016 o IPCA aumentou 75% enquanto o custo médico hospitalar cresceu 238%. O VCMH em 2017 foi de 19,20%.

O tema é ainda tratado com cautela. É nítido o receio que boa parte das empresas tem de dar a impressão de eventual intenção de reduzir um benefício do trabalhador. Por isso, talvez, muitas não queiram aparecer. Duas voltaram atrás pouco depois de concordar em dar entrevista ao Valor.

Nenhuma das empresas consultadas que adotaram novas práticas de gestão de saúde revela quanto conseguiu economizar. Apenas dão pistas. Nos últimos dois anos a indústria química Clariant tem mantido gastos abaixo do contratado com as operadoras dos planos de saúde, segundo o diretor de Recursos Humanos da companhia na América Latina, Alberto Mendes.

A Clariant tem sede na Suiça e presença em todos os continentes. No Brasil, a empresa tem um médico na direção da área de sustentabilidade, que inclui a gestão de saúde. Paulo Itapura ajudou a montar um banco de dados dos 1,2 mil funcionários e mais 1,8 mil dependentes e faz acompanhamento pessoal das ocorrências, com monitoramento constante do uso de Pronto Socorro e UTI.

A organização dos dados de saúde dos empregados é uma solução usada por todas as empresas consultadas. O banco criado pela Volkswagen há dois anos conta com 200 diferentes indicadores de 59 mil vidas sob sua responsabilidade, que incluem os 15 mil funcionários mais dependentes. Ali constam informações como dias de internação, de UTI e dados dos partos, entre outros tantos.

“O banco de dados tem nos ajudado na gestão financeira de saúde”, afirma Marcellus Puig, que comanda a área de Recursos Humanos da companhia no Brasil e América do Sul. Por meio de um monitoramento mais preciso, a Volkswagen descobriu recentemente, segundo Puig, que 4% a 5% dos procedimentos médicos pelos quais os empregados já passaram não deveriam ter sido indicados. “Teoricamente poderíamos terceirizar a organização das informações. Mas como isso aperta o meu calcanhar decidimos assumir”, destaca o executivo.

As empresas que arregaçaram as mangas para assumir melhor a gestão da saúde dos funcionários recorrem ao conhecimento de métodos que fazem parte da rotina da sua atividade principal. Qualquer empresa do varejo oferece, por exemplo, aos clientes uma linha telefônica gratuita para reclamações. O grupo GPA criou a chamada linha “0800” para ouvir queixas de saúde dos 140 mil funcionários que trabalham nas marcas Pão de Açúcar, Extra, Açaí, Casas Bahia e Ponto Frio, espalhados por todo o país. Com dependentes, o GPA cuida de um total de 255 mil vidas.

O funcionário que decide relatar alguma dor ou mal estar pode utilizar a linha telefônica gratuita do GPA, chamada de “Alô saúde”. Ele é atendido por uma equipe terceirizada de enfermeiros e médicos. “Por meio desse canal conseguimos antecipar e orientar por telefone cerca de 80% dos casos que antes apareciam quando a pessoa chegava ao Pronto Socorro; conseguimos reduzir idas desnecessárias ao hospital”, destaca o diretor de Recursos Humanos do grupo GPA, Frederico Lopes. Segundo o executivo, no passado o GPA chegou a ter até 10 a 12 operadoras de planos de saúde. Hoje são cinco.

Há quatro anos, a Pirelli começou a investir mais forte na gestão de saúde dos 8 mil funcionários e dependentes. Ao todo são quase 30 mil vidas. A empresa também decidiu ter um especialista no assunto entre seus executivos. Alexandre Toscano é o gerente médico da Pirelli. Toscano acompanha o dia a dia dos ambulatórios nas fábricas, exames em hospitais e laboratorios e conversa com operadoras.

A italiana Pirelli criou recentemente um sistema de gestão de doenças crônicas. Quando o quadro indica que tal funcionário é propenso a ter hipertensão ou diabetes, por exemplo, um enfermeiro de empresa especializada contratada pelo GPA entra em contato com ele e a partir daí começam as orientações para uma rotina de controle com medicamentos ou exercícios físicos.

O diretor de Recursos Humanos da Pirelli na América Latina, Giusepe Giorgi, explica que o funcionário decide se quer ou não participar do programa. “Respeitamos as decisões, mas em geral a maioria aceita”, destaca Giorgi. Segundo o executivo, nos últimos dois anos a Pirelli intensificou o uso da inteligência artificia para ajudar no agrupamento de informações que, junto com programas de prevenção, a ajudam a gerir a saúde. “A grosso modo, podemos dizer que a sinistralidade vem caindo”, diz.

O grupo GPA também, conta com programas de acompanhamento de fatores de risco, como diabetes, hipertensão, obesidade e tabagismo. Segundo Frederico Lopes, 85% dos pacientes crônicos são assistidos por algum programa de gestão de saúde da empresa.

A prevenção tem participação importante nas soluções de gestão de saúde criadas por essas empresas. Volkswagen e Clariant oferecem check up para todo o efetivo. Na Clariant, anualmente todos os empregados passam por um mini check up, além dos exames médicos periódicos, obrigatórios por lei. Na Volkswagen, a cada três anos a empresa consegue cobrir todo o efetivo com exames mais completos.

A preocupação das empresas com o tema provocou o surgimento de grupos que se reunem para trocar experiências e discutir caminhos. Há um ano foi formado um fórum que reune 18 empresas. A organização está a cargo da ABRH e da Aliança para a saúde populacional (Asap), uma entidade que reúne grandes empregadores e que estimula os dirigentes das empresas a adotar a gestão de saúde. Mais recentemente, a CNI começou a promover encontros para discutir o assunto. Esse grupo, que já tem 44 empresas, apoia um extenso documento com propostas da CNI para mudar a forma de cobrança dos planos de saúde, já encaminhado às equipes dos candidatos à Presidência da República.

O interesse que o assunto despertou levou a ABRH e a Asap a pensarem num curso. Há pouco tempo as duas entidades fecharam com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a criação do primeiro curso de gestão de saúde empresarial, dirigido principalmente aos profissionais de recursos humanos que lidam com o assunto no dia a dia. “Estamos trabalhando para reduzir a ineficiência do sistema”, destaca a presidente da Asap, Ana Elisa Siqueira.

O curso começará no primeiro trimestre de 2019. Serão 80 horas de aulas ministradas pelos próprios profissionais da área, incluindo pessoas das empresas que adotaram mudanças de gestão. Segundo o diretor de educação executiva da FVG em São Paulo, Paulo Lemos, o curso vai abranger temas como uma administração “mais competente” dos gastos, meios de lidar com as operadoras, a co-participação do trabalhador e como ter mais saúde. Segundo Lemos, nas reuniões periódicas da instituição com dirigentes de recursos humanos ficou claro que se nada for feito “esse custo vai explodir”.

“O sistema atual foi criado numa época em que a população não envelhecia como hoje, num princípio no qual todos pagam e poucos usam. Por isso, essa despesa se transformou, nas empresas, numa gestão de custos e não de saúde”, destaca Elisa Siqueira.

Para Edmundo Rosa, da ABRH, as empresas começaram a perceber que diminuir as despesas com planos de saude não significa o “custo pelo custo”. Todas as empresas que de alguma forma viraram o jogo estimulam os funcionários a praticar atividades físicas e buscar o bem estar. A Clariant cria espaços de convivência no trabalho. O grupo GPA tem convênios com academias em todo o país. E todas aprimoraram o cardápio dos refeitórios para incluir comida mais saudável.

Cada nova ideia de ação vale para as empresas conseguirem vencer a guerra contra os reajustes dos planos de saude. “O aumento desses custos tem sido uma caixinha preta com dois dígitos que não parece fazer sentido”, afirma Lopes, do grupo GPA. “Pudéssemos nós ter esses índices de aumento de vendas em nossas lojas”.