Num movimento que causou preocupação no setor de saúde suplementar, o presidente Michel Temer decidiu reativar um conselho que poderá se sobrepor à agência responsável pela regulação desse mercado, inclusive revendo atos já publicados. O Conselho de Saúde Suplementar (Consu) havia sido totalmente esvaziado há 18 anos, depois que foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mas, na semana passada, ficou acertado que o conselho será ressuscitado e ganhará musculatura: poderá propor políticas, rever decisões já tomadas e ficará sob a responsabilidade da Casa Civil. O decreto que trata do assunto será publicado nos próximos dias.

Segundo fontes do Palácio do Planalto, o Consu poderá, por exemplo, deliberar sobre as novas regras de franquia e coparticipaçào que chegaram a ser autorizadas pela ANS. A norma previa que operadoras cobrassem dos segurados até 40% do valor referente aos procedimentos. A medida gerou críticas no Congresso, assim como de especialistas e órgãos de defesa do consumidor; foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a regulamentação; e a ANS teve de recuar da ideia.

Para especialistas, a reativação do Conselho é uma tentativa do governo de passar por cima da ANS, que, como toda agência, tem em seu regimento o princípio da autonomia para tomar decisões técnicas nas suas respectivas áreas de atuação. Para Silvana Pereira, doutoranda em saúde suplementar pela Fiocruz, a medida traz um risco para o setor:

– Você está transferindo para uma instância política decisões de cunho técnico. É um risco para o setor e um desrespeito às ações da ANS.

Ela também criticou a nota da Casa Civil de que a reativação do Conselho está em acordo com boas práticas de gestão nas áreas reguladas. Em outras agências, no entanto, esse tipo de órgão tem caráter apenas consultivo. ‘O Consu tem como principal objetivo estabelecer e supervisionar a execução de políticas públicas e diretrizes gerais para o setor de saúde suplementar’, diz nota da Casa Civil.

Segundo assessores da Casa Civil, o regimento do Conselho foi alterado, com a criação de duas câmaras técnicas, ‘sendo uma destinada à análise das resoluções pretéritas do Consu’ e ‘outra com o escopo de estudar e propor diretrizes gerais para o setor’.

– Se o Conselho foi reativado para rever as diretrizes da saúde suplementar, é importante que não se faça isso a portas fechadas, para não incorrer nos mesmos erros recentes cometidos pela ANS. As 21 resoluções do Consu, que ainda hoje servem como diretriz para o setor, foram criadas com ampla participação de todos os envolvidos – destaca Maria Stella Gregori, ex-diretora da ANS e professora da PUC-SP.

Procurada, a ANS respondeu que não iria comentar.

Carlos Lamachia, presidente da OAB Nacional, entidade que encabeçou a ação levada ao STF contra as normas de franquia e coparticipação, diz ter estranhado a reativação do conselho às vésperas da audiência pública para tratar do tema, convocada pela ANS para o dia 4 de setembro:

– Independentemente da reativação do Consu, continuo defendendo que a prerrogativa de discutir temas como franquia e coparticipação é do Congresso, onde o debate é feito com a participação da sociedade, não pelo governo nem pela agência, que tem se mostrado alinhada com os interesses das operadoras.

Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), por sua vez, acredita que o funcionamento do Consu ‘será muito benéfico’. Na sua avaliação, é importante repensar as diretrizes do setor neste momento de crise.

Já Ana Carolina Navarrete, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), acredita que a volta do conselho pode ser uma tentativa de neutralizar a judicialização de casos contra a ANS.