Mais de 1,5 milhão de brasileiros deixaram de ter um plano de saúde no ano passado, em parte por terem perdido o emprego e ficado sem o benefício oferecido pela empresa. E com a recessão, fica cada vez mais difícil para o consumidor contratar um plano por conta própria. Isso porque as operadoras de saúde vêm restringindo a oferta dos planos individuais ou familiares, cujo reajuste é fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e os que restam no mercado são caros e ainda, em muitos casos, são no sistema de coparticipação, quando o usuário, além da mensalidade, paga um percentual pelas consultas, exames e demais procedimentos. Por outro lado, estão estimulando a venda de planos coletivos por adesão para pessoas físicas, os chamados ‘falsos coletivos’ ou ‘pejotinhas’, cujo reajuste é negociado livremente com a empresa ou associação que contratou o serviço.

— Essa estratégia representa uma ‘falsa coletivização’, pois os consumidores, sob a ilusão de pagarem mais barato em seus planos, são estimulados a ingressarem em determinada associação ou sindicato, ou a utilizarem qualquer CNPJ para conseguir um contrato coletivo — afirma Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que vem apontando em seus estudos as dificuldades que os consumidores passam ao tentar contratar um plano de saúde.

A pesquisadora acrescenta que os coletivos por adesão foi a forma encontrada pelas empresas de planos de saúde de fugir da legislação e da fiscalização da ANS, uma vez que estes planos não precisam submeter seus reajustes anuais à agência reguladora:

— Fora que eles podem ser rescindidos unilateralmente pelas operadoras quando estas bem entenderem. E, mais uma vez, o consumidor sai no prejuízo.

Planos individuais x coletivos

Os planos individuais são oferecidos pelas operadoras de plano de saúde a todos os consumidores, sendo livre a adesão por qualquer pessoa física, individualmente ou em conjunto com seus dependentes. Nos contratos coletivos, existe um intermediário. O ato da contratação ocorre entre a operadora e uma pessoa jurídica (empresa, sindicato, associação, fundação), sendo que o plano será em prol dos funcionários ou sindicalizadso ou associados, podendo se estender a seus dependentes.

Os 8,2 milhões de beneficiários de planos de saúde médico-hospitalar individuais e familiares poderão ter suas mentalidades reajustados em até 13,55%. O índice fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 17 de maio e pode ser aplicado entre maio de 2017 e abril de 2018, sendo válido para os planos de saúde contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei nº 9.656/98, que representam 17,2% do total de 47,5 milhões de usuários pela saúde suplementar no Brasil. O reajuste é mais do que o triplo da inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).

Planos acessíveis

Na visão do Idec, segundo Ana Carolina, a iniciativa de planos mais acessíveis não tem condições de oferecer serviços de qualidade e que deem segurança ao consumidor, podendo causar graves prejuízos e, inclusive, fazendo ”explodir” a judicialização da saúde suplementar, ou seja, a quantidade de ações judiciais contra as operadoras.

A pesquisadora lembra que a proposta apresentada pelo Ministério da Saúde prevê três tipos de planos, todos com restrições de cobertura ou de atendimento ao consumidor. Um deles, chamado “Plano Simplificado”, não cobre internações, terapias e exames de alta complexidade, urgência e emergência ou hospital-dia, por exemplo. Pelos termos gerais da proposta, o usuário terá de pagar “ao menos 50% do valor de procedimento” como coparticipação; os preços do serviço poderão ser reajustados apenas “com base em planilhas de custo”, haverá “obrigatoriedade da segunda opinião médica” nos casos mais complexos, entre outras alterações.

— Assim, para o Idec, os planos populares são produtos-placebo — simulações de plano de saúde—, não sustentáveis para o consumidor, que, se implementados, implicarão em mudanças radicais, para pior, na atual legislação sobre o tema — conclui Ana Carolina.

Os pontos mais problemáticos da proposta, segundo o Idec, são:

Ampliação de coparticipação em, no mínimo, 50%: a coparticipação é um instrumento criado para fazer o usuário do plano não usar os serviços de saúde, obrigando-o a pagar um determinado valor pelo procedimento que for utilizar, além do valor da mensalidade. Com isso, avalia o instituto, o consumidor adia consultas e exames e atrasa a prevenção e o diagnóstico precoce:

— Isso é ruim para o consumidor e para o sistema de saúde como um todo, porque atrasa a prevenção e o diagnóstico precoce. Isso é mais grave no caso de doentes crônicos e idosos, que são os mais prejudicados com essa medida — analisa Ana Carolina.

Reajustes de planos individuais segundo tabela de custos: planos de reajuste não regulado, ou com regulação mais frouxa, que é o caso da proposta, permitem que as operadoras fixem reajustes superdimensionados no decorrer da relação contratual. Isto, segundo a pesquisadora, abre margem para que as operadoras ofereçam um plano artificialmente barato, para ganhar o consumidor e, a partir do primeiro reajuste , aumentar consideravelmente o valor da mensalidade.

Obrigatoriedade de segunda opinião médica: esta alteração tem um potencial explosivo para negar internações e procedimentos caros e complexos, impedir atendimentos de urgência, tratamentos de câncer, de transtornos mentais, órteses, próteses, fisioterapia, transplantes etc. Além disso, afronta a Resolução nº 8/98 do Conselho Nacional de Saúde, que proíbe o uso de autorizações prévias (ou segundas opiniões) para procedimentos de urgência e emergência.

Revisão de prazos de atendimento: a fim de reduzir custos, as operadoras contratarão uma rede conveniada ou credenciada menor, procurando também pagar menos aos prestadores. Com poucos serviços conveniados, será ainda maior a dificuldade de agendar exames e consultas com médicos e de encontrar hospitais e laboratórios de qualidade.

O Idec relembra que o controle de prazos de atendimento é a única forma estipulada pela ANS para mensurar capacidade de rede assistencial, ou seja, a qualidade do atendimento prestado.

Cobertura restrita aos serviços disponíveis na região de contratação: significa que as operadoras poderão oferecer cobertura apenas de serviços disponíveis dentro de uma determinada região. Isso abre margem para que a operadora negue procedimentos obrigatórios previstos no rol de cobertura mínima, criado pela Lei nº 9.656/98, sob o argumento de que tais serviços não estão disponíveis na região de contratação.

O Idec reitera que o rol de cobertura mínima obrigatória instituído pela lei dos planos de saúde é direito do usuário, estabelecendo que as operadoras devem garantir a realização de todos os procedimentos nele previstos por meio da rede assistencial própria, credenciada, contratada ou referenciada, independentemente da abrangência do plano ou da capacidade operacional da operadora.

— Possibilitar que a operadora ofereça apenas alguns dos procedimentos previstos no rol, sob o argumento de que na região de contratação do plano estes serviços não estão disponíveis, aumenta a desigualdade na prestação dos serviços, já que alguns municípios e regiões não contam com uma boa estrutura de equipamentos de saúde — ressalta a especialista.