A covid-19 já não é mais a única grande preocupação nos hospitais durante a pandemia, na rede pública ou privada. O que especialistas já anteviam no ano passado, o agravamento das doenças crônicas, tornou-se agora um segundo desafio para gestores das unidades e equipes médicas. “Há uma forte pressão agora vindo de todos os lados”, descreve a reumatologista Eloisa Bonfá, diretora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Referência no Estado para atendimento a casos graves em geral, o complexo dá boa medida do tamanho do problema.

A sobrecarga no sistema vem pelo rápido avanço dos casos covid enviados ao HCFMUSP – há três semanas, a média de pedidos de internações girava em torno 45 por dia; hoje, está em 150 – e pela entrada de pessoas com AVCs, infartos, tromboses, aneurismas e quadros avançados de câncer, por exemplo. Solicitações por esses problemas, que baixaram drasticamente ao longo de 2020, oscilam agora em 130, margem próxima das de covid.

Eloisa pondera que há um ajuste diário nesse indicador, mas a percepção da escalada é clara, embora não seja possível ter parâmetros exatos, pelo fato de o atendimento do Instituto Central em 2020 ter se voltado ao coronavírus.

Segundo a médica, a mudança de cenário vem ocorrendo com grande velocidade porque muitas pessoas deixaram de buscar atendimento em 2020. O afastamento do acompanhamento clínico fez com que as enfermidades progredissem silenciosamente, sem que fossem detectadas precocemente. Cirurgias eletivas deixaram de ser feitas, e algumas ocorrências que poderiam ser resolvidas com procedimentos mais simples evoluíram para alta complexidade.

“Uma das razões é que um grande número de pessoas ficou em casa por medo de ir a hospitais e pegar covid”, explica a diretora do HC. São pacientes que não fizeram exames de rotina ou sequer deram prosseguimento a tratamentos. Em virtude disso, hoje têm quadros clínicos bem mais agravado.

A adaptação do Instituto Central no ano passado ocorreu numa rápida resposta coordenada pelo Estado e facilitada pelo Comitê de Crise que funciona desde 2013 da unidade. “Nós ativamos o comitê em 29 de janeiro de 2020, antes mesmo de o primeiro caso de covid ser registrado no país”, observa Eloisa. Com isso, foi possível antecipar compra de insumos, preparar equipes, abastecer o hospital com oxigênio e prover de geração de energia, entre outras medidas.

Agora, o Instituto do Coração (Incor) e o Instituto Central reúnem 465 leitos contratados, dos quais 200 de UTI e 265 de enfermaria. Mas desde outubro, com a queda no número de casos, os demais seis institutos se prepararam para ter suas próprias alas covid, que hoje atendem conforme a demanda. Ainda assim, ressalta a diretora, a marcha da pandemia é preocupante, pois 8 em cada 10 pacientes precisam de entubação.

“A taxa de ocupação também está muito alta, varia de hora em hora, mas se mantém acima de 85%”, diz a diretora. Desde março de 2020, o complexo recebeu mais de 5 mil pacientes graves com covid e 7 mil casos suspeitos. Dos confirmados, 33% resultaram em óbitos.

Diante desses indicadores, ela reforça a importância da observação às regras sanitárias e de se ampliar o estoque de vacinas. “A quarentena não é a solução definitiva para a pandemia, nós sabemos. Mas permite o acolhimento das pessoas nos sistema hospitalar.”

Mesmo com o anúncio ontem, pelo governador João Doria (PSDB), da ativação de 11 hospitais de campanha no Estado, com 280 leitos, ela sustenta que há grande risco de colapso do sistema se a velocidade de transmissão do vírus e o aumento de casos não se abrandarem. “Não é hora de desistir. Não temos outra opção nesse momento que não seja a fase vermelha”, disse, ressaltando que principalmente os mais pobres precisam de amparo do governo.

A faixa de classificação mais rígida para funcionamento das atividades e circulação do Plano São Paulo está em vigor desde sábado em todos os 645 municípios, junto com “toque de restrição”, que obriga a maioria da população a ficar em casa entre 20h e 5h.