Sísifo é um personagem mitológico condenado ao trabalho de rolar uma grande pedra até o alto de uma montanha; quando quase concluída a tarefa, ele via a pedra rolar montanha abaixo, obrigando-o a recomeçar o trabalho eternamente, num esforço cíclico sem resultado.

O mecanismo de financiamento da cobertura dos planos privados de assistência à saúde é o mutualismo. Cabe a cada operadora promover a formação de um fundo comum, alimentado pelos recursos de todos os contribuintes (contratantes, que podem ser pessoas naturais ou jurídicas), fundo esse que servirá para custear os serviços de saúde demandados pelos beneficiários da cobertura.

O sucesso do mutualismo depende do equilíbrio entre receitas e despesas do fundo comum administrado pela operadora. Como o custeio dos serviços de saúde demandados por uma determinada pessoa pode atingir valores monetários expressivos, a operadora deve compor um conjunto de pessoas em que, a despeito de todos contribuírem, a maioria demande pouco os serviços de saúde para compensar os altos gastos com o custeio dos serviços de saúde demandados pela minoria. Como se pode perceber, o equilíbrio do fundo comum depende da manutenção de uma maioria saudável e jovem e de uma minoria doente e idosa. Mas, como alcançar e manter esse equilíbrio?

Se a operadora ofertasse os planos por preço único, esse preço seria pouco atraente para os jovens e muito atraente para os idosos. O fundo comum seria composto por muitos idosos, naturalmente maiores demandantes de serviços de saúde, e não haveria receita suficiente para custear os serviços de saúde demandados por todos. Haveria o colapso da carteira, de modo que, no fim das contas, ninguém gozaria da cobertura.

Portanto, praticar preços diferenciados por faixa etária não é uma questão de afastar idosos. É uma questão de atrair jovens, que, afinal, garantirão a cobertura dos idosos.

Em termos de justiça comutativa, seria justo que cada pessoa pagasse um preço proporcional ao risco que transfere para o fundo comum. Nessa hipótese, haveria o mutualismo por faixa etária. A consequência disso é que os preços dos planos seriam tão atraentes quanto possível para todos, jovens e idosos.

Ocorre que, levando em conta uma perspectiva de justiça distributiva, pode-se alcançar um meio-termo entre os modelos de preço único e de mutualismo por faixa etária, que é o modelo de pacto intergeracional: os preços são escalonados por faixa etária, mas são estabelecidos limites à variação de preços entre as faixas etárias de modo a criar uma dose de subsídio cruzado entre jovens e idosos.

Note-se: há uma dose de subsídio cruzado e não, pura e simplesmente, um puro e simples subsídio cruzado. Um puro e simples subsídio cruzado consistiria na adoção do modelo de preço único, o qual, como visto, simplesmente levaria ao colapso da carteira e a desassistência de todos. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose: é socialmente relevante que jovens ajudem a financiar idosos, tornando o preço do plano mais acessível para idosos, mas não se pode avançar nesse subsídio cruzado a ponto de tornar o preço do plano pouco atraente para o jovem, sob pena de inviabilizar o próprio subsídio cruzado.

Qual modelo adotar — preço único, mutualismo entre faixas etárias ou pacto intergeracional? Se adotado pacto intergeracional, em que termos a variação será limitada?

A Lei 9.656, de 1998, não respondeu a essas perguntas. Nem seria bom que o fizesse, pois as respostas dependem do contexto. E esse contexto vem passando por mudanças significativas: a população brasileira está envelhecendo, o que significa que, ano após ano, haverá cada vez menos jovens para cada vez mais idosos; há uma transição epidemiológica em curso firme, o que significa que é cada vez maior a prevalência de doenças crônico-degenerativas em comparação com doenças infectocontagiosas, o que influencia o volume de recursos financeiros necessários para custear a assistência à saúde e há uma crescente incorporação tecnológica tendente a incrementar o custo dos serviços de saúde.

A dinâmica desses fatores desafia a constante reavaliação da sustentabilidade do modelo adotado. Daí porque a lei confiou à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a decisão de qual modelo adotar e de definir qual a dose de subsídio cruzado que ele poderia implicar.

Cabe ao Poder Judiciário dirimir os conflitos entre contratante e operadora contratada quanto à legitimidade do reajuste, mas isso não significa ser sempre bom que o Poder Judiciário substitua as escolhas do Poder Executivo — no caso, da ANS — pelas suas próprias escolhas. É preciso considerar as capacidades institucionais e os efeitos sistêmicos.

Como ensina o professor Luís Roberto Barroso: “Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de Direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico. Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de cautela e de deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente está preparado para realizar a justiça do caso concreto, a micro-justiça, sem condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público” (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 450 e 451).

Com o advento do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003), encontrou-se no parágrafo 3º do seu artigo 15 que “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Isso levou, num primeiro momento, à interpretação de que o Estatuto do Idoso proibiria reajustes por variação de faixa etária para pessoas idosas, assim entendidas as pessoas que contassem 60 anos ou mais.

Ocorre que a Resolução 6, de 1998, do CONSU (Conselho de Saúde Suplementar), permitia a aplicação do último reajuste aos 70 anos, num escalonamento por sete faixas etárias. Diante da interpretação que então se dava ao Estatuto do Idoso e como o reajuste por variação de faixa etária é um imperativo para a sustentabilidade da carteira, não restou à ANS outra saída que não a de reescalonar as faixas etárias de modo que o último reajuste ocorresse antes dos 60 anos.

Daí adveio a RN 63, de 2003, aplicável aos contratos celebrados a partir de 1º de janeiro de 2004, distribuindo os reajustes em dez faixas etárias, a última delas demarcada pelos 59 anos.

Esse episódio mostra como o ímpeto de impor regras e interpretações aparentemente benfazejas para uns pode trazer consequências maléficas para todos: querendo-se isentar os idosos de reajustes por variação de faixa etária, passou-se a aplicar a todos, antes de se tornarem idosos, reajustes que antes eram distribuídos nas duas últimas faixas etárias previstas na Resolução 6, de 1998, do CONSU (60-69 anos e 70 anos ou mais).

Tudo o que foi exposto parecia pacificado desde que o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial 1.568.244/RJ pelo regime de recursos repetitivos, de que vale transcrever parte da ementa:

“6. A norma do artigo 15, parágrafo 3º, da Lei 10.741/2003, que veda ‘a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade’, apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.

7. Para evitar abusividades (Súmula 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais:

a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa 3/2001 da ANS.

b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos [o STJ está se referindo ao previsto no parágrafo único do artigo 15 da Lei 9.656, de 1998].

c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.”

Ocorre que todo o esforço empreendido pelo STJ em examinar o tema de modo a uniformizar a interpretação da lei federal dá sinais de ser tratado como um Trabalho de Sísifo.

Recentemente tivemos a oportunidade de orientar na Funenseg (Escola Nacional de Seguros) pesquisa acadêmica de Daniel Furtado de Oliveira Araújo sobre o tema, na qual se constatou que, mesmo após a suposta pacificação do tema pelo STJ, há reiteradas decisões reduzindo o reajuste por variação de faixa etária a 30% do valor da faixa anterior, considerando abusivos reajustes aplicados em conformidade com a Resolução 6, de 1998, do CONSU, e com a RN 63, de 2003, da ANS.

E o próprio STJ deu um significativo sinal de vacilação quanto ao entendimento que havia consolidado ao afetar ao regime de recursos repetitivos o julgamento dos Recursos Especiais 1.716.113/DF, 1.721.776/SP, 1.723.727/SP, 1.728.839/SP, 1.726.285/SP e 1.715.798/DF. A questão submetida a julgamento nesses recursos é a “validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária e o ônus da prova da base atuarial dessa correção”.

Primeiro, é surpreendente que se vislumbre discutir a aplicabilidade do reajuste por variação de faixa etária separadamente para planos individuais e para planos coletivos. Tecnicamente, não há motivo para dissociar planos individuais e coletivos nesse tema porque o fenômeno do incremento de custos assistenciais de acordo com o envelhecimento das pessoas se apresenta para todas as pessoas, sendo irrelevante se o beneficiário é vinculado a plano individual ou a plano coletivo.

Em nada influencia a discussão a circunstância de haver alguns planos coletivos empresariais em que o contratante ajusta com a operadora contratada, para um dado período de vigência contratual, um preço único independente da faixa etária em que se situe cada beneficiário, dada a circunstância de que o empregador contratante lidar com uma massa de beneficiários de perfil de risco relativamente homogêneo (população em idade ativa) e dada a circunstância de esse preço único estar sujeito a reajuste livremente pactuado entre as partes a cada período de 12 meses.

Segundo, é surpreendente que se discuta a abusividade dos reajustes por variação de faixa etária — daí se discutir sobre o ônus da prova da base atuarial para o reajuste, que, não é difícil imaginar, se tenderia a imputar às operadoras — aplicados por cada operadora em estrita observância aos parâmetros definidos uniformemente para todas as operadoras pela ANS.

Ora, se está claro que os reajustes estão conformes aos parâmetros da ANS, o que depende de simples cálculos matemáticos a partir do cotejo entre o preço no momento da contratação, os reajustes previstos no contrato e os parâmetros definidos pela ANS, não há base atuarial a examinar em cada caso concreto.

Pensar o contrário implica desconsiderar a competência legal — e a capacidade institucional — da ANS para disciplinar o tema, desconsiderar todo o trabalho da ANS na definição dos parâmetros para o reajuste por variação de faixa etária a ser observados uniformemente pelas operadoras e desconsiderar que as operadoras, no papel de administrado, de boa-fé precificaram seus planos seguindo os parâmetros definidos pela ANS.

No fim das contas, estaria impondo a cada operadora que demonstrasse em cada processo judicial que a ANS estava certa ao definir em ato administrativo normativo os parâmetros a serem observados, na contramão da presunção de veracidade e de legalidade dos atos administrativos e da segurança jurídica.

Nem se pode cogitar de, ao suspeitar da abusividade do percentual de um reajuste por variação de faixa etária, simplesmente substituí-lo por um percentual que se sinta, intuitivamente, ser plausível, ignorando a realidade de que os custos assistenciais variam conforme a idade muito além do que se possa intuir, especialmente se a intuição for direcionada por uma intenção benfazeja que, para promover o bem de um, lançará o destino de todos no caminho do insustentável.

O STJ, no julgamento do paradigmático Recurso Especial 1.568.244/RJ, examinou a normatização infralegal em vigor e orientou o aplicador da lei a observá-la. Parece muito claro que quando o STJ tratou dos requisitos para a admissibilidade do reajuste por variação de faixa etária, de modo a colocar lado a lado os critérios da não abusividade e do respeito às normas regulatórias, o objetivo não foi o de desconsiderar a legitimidade das normas regulatórias vigentes, tanto que o STJ enunciou a solução a ser dada a cada caso a partir dessas mesmas normas; o objetivo foi o de orientar normas regulatórias futuras, dado que o STJ reconheceu nesse precedente que será legítimo, se assim decidir a ANS, passar-se a aplicar o reajuste por variação de faixa etária a idosos mesmo após a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, desde que não haja abusividade.