Embora a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de impedir a rescisão unilateral de contrato de plano de saúde coletivo por parte de uma operadora não mencione repercussão geral — ou seja, não se aplica automaticamente a casos semelhantes —, advogados e entidades do setor acreditam que o parecer abre precedente para outros consumidores.

De acordo com o processo analisado pela Terceira Turma do STJ, o plano de saúde coletivo foi contratado por empresa familiar na qual trabalhavam um casal e sua filha, sendo que o pai se encontra em estado vegetativo decorrente de acidente.

Rodrigo Araújo, advogado especializado em Direito à Saúde do escritório Araújo Conforti Jonhsson, observa que esta é a segunda decisão, neste ano, no STJ, que impede o cancelamento unilateral imotivado e que o entendimento da Justiça está mudando em relação aos processos que questionam o cancelamento por parte das operadoras de planos com até 29 vidas.

Isso já abre um precedente. As operadoras pararam de oferecer contratos individuais porque os coletivos são menos protegidos e, portanto, mais vantajosos. As decisões servirão de jurisprudência para analisar o cancelamento unilateral e imotivado dos planos coletivos com até 30 beneficiários, situação muito comum até então, principalmente quando um dos beneficiários passa a precisar de um tratamento de alto custo – avalia Araújo.

A decisão preocupa entidades de planos de saúde. Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), “a decisão do STJ contraria as regras de contratação de plano coletivo empresarial por pequenas e médias empresas, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”.

A FenaSaúde lembrou ainda que a resolução estabelece que o contrato pode ser rescindido unilateralmente, de maneira imotivada, após um ano de vigência e na data de aniversário, mediante notificação prévia de 60 dias. A operadora deverá apresentar ao contratante as razões da rescisão no ato da comunicação.

Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que a contratação de plano de saúde por empresário individual, regulamentada em dezembro de 2017, visa proteger o beneficiário de planos de saúde e garantir mais segurança jurídica e transparência ao mercado.

A resolução normativa nº 432, diz a ANS, combate abusos relacionados a esse tipo de contratação, como a constituição de empresa exclusivamente para este fim, e estabelece definições claras para a aquisição do serviço – entre elas a exigência de regularidade junto à Receita Federal pelo período mínimo de seis meses. Outro ponto importante da normativa trata do estabelecimento de regra para os casos de rescisão unilateral pela operadora: o contrato só poderá ser rescindido imotivadamente após um ano de vigência, na data de aniversário e mediante notificação prévia de 60 dias.

A nota destaca ainda que “o detalhamento de contratos é de informação somente da operadora contratada – a distinção não é feita pela reguladora em seus sistemas. Mas é possível observar os contratos que contabilizam poucos beneficiários associados ao plano de saúde: os dados mais recentes da ANS sobre o tema apontam que 11,5% dos beneficiários de planos médico-hospitalares em fevereiro/2018 estavam em planos coletivos com até 30 vidas”.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) também expressou sua preocupação, afirmando que a decisão pode acarretar em mais desequilíbrios ao setor de saúde suplementar, “na medida em que pode restringir ainda mais o acesso da população ao sistema”.

Em nota, a associação diz que os planos coletivos para microempresas familiares têm tido grande atenção do sistema. “Nesse sentido, é importante lembrar que para tentar coibir a criação dos falsos planos coletivos, a ANS publicou a Resolução Normativa 432”.

Segundo a nota, há toda uma normatização para garantir os direitos dos beneficiários, bem como para manter o equilíbrio dessas carteiras. “Infelizmente, o resultado da prestação jurisdicional nessas hipóteses acaba por impactar de maneira negativa o setor como um todo.

A Abramge destaca “o quão salutar é o momento para o surgimento de microempreendedores, o que inclui atividades familiares, tendência essa que tem encontrado espaço importante na economia e na sociedade”.

“Por fim, não se pode duvidar que a mencionada decisão do STJ traz insegurança jurídica ao sistema, na medida em que impacta em contratos vigentes e altera relacionamentos jurídicos”, afirmou.

Contratos coletivos substituem planos individuais

Na prática, com a ausência de planos familiares comercializados no mercado, tem sido cada vez mais recorrente a abertura CNPJs para vincular toda a família em contratos coletivos empresariais.

A Justiça entendeu que o problema era uma relação fictícia entre duas empresas. A lei separa a relação contratual entre duas empresas da relação entre uma empresa e uma pessoa física. Se você cria a separação pela vulnerabilidade e pela diferença do poder de barganha, não faz sentindo não aplicar a proteção de planos individuais em um caso em que o plano é basicamente familiar – explica Ana Carolina Navarrete, advogada e pesquisadora em saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Para a Renata Severo, advogada especializada em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, cada caso continua sendo analisado separadamente, mas servirá de parâmetro para a primeira e segunda instância:

A decisão é muito importante para os consumidores e, sem dúvida, abre precedente pra outros casos. Objetivamente, esse contrato é empresarial e o plano poderia fazer o cancelamento, mas a ministra do STJ entendeu que não há duas empresas discutindo os termos de plano de saúde, mas uma empresa que é o plano de saúde contra uma família que tem baixo ou nenhum poder de barganha e ainda com um deles doente – ressalta Renata Severo.