Na guerra entre hospitais e operadoras de planos de saúde, as balas perdidas alcançam os financiadores do sistema. Enquanto os desperdícios ocorridos na medicina privada elevam o custo da assistência médica na folha de pagamento dos empregadores, os beneficiários de planos coletivos ou individuais sofrem com reajustes elevados e danos à saúde.

Submeter uma pessoa a um procedimento desnecessário é uma fraude gravíssima. É um crime de lesão corporal difícil de tipificar porque sempre há opiniões diferentes. Usar uma agulha de R$ 5 quando outra de R$ 0,50 faz exatamente o mesmo efeito não é fraude, mas é um baita desperdício – afirma José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).

Para o médico Caio Soares, diretor executivo da multinacional espanhola Advance Medical Group, que presta serviços de segunda opinião médica aos funcionários de empresas como Google, Renault e Nissan, as iniciativas para flagrar desperdícios vão continuar a ser apenas paliativas enquanto os indivíduos não assumirem a responsabilidade de cuidar da própria saúde.

O sistema foi construído de uma forma completamente paternalista. Delegamos o controle da nossa saúde à operadora ou ao hospital, mas eles estão preocupados com a nossa doença, não com a nossa saúde. Para ter um consultório dentro do hospital, o médico precisa ter produtividade, gerar pedidos de exames, procedimentos e consumo de materiais – ressalta Soares.

A maior fatia dos ganhos dos hospitais ainda é gerada pelos materiais e medicamentos consumidos pelos pacientes. No paulistano Sírio-Libanês, por exemplo, esses itens são responsáveis por 52% das receitas. No entanto, há uma percepção geral de que a forma de remuneração baseada no Pagamento por serviço (chamado de “fee for service”) está se esgotando porque ela estimula a doença – não a saúde. Segundo essa lógica, quanto mais a situação do paciente se complica, melhor para o hospital e pior para o plano de saúde.

É verdade que a receita do hospital é baseada nesse modelo, mas ele é insustentável. Pior do que eu não ter dinheiro é quem me paga não ter dinheiro – diz Fernando Torelly, diretor-financeiro do Hospital Sírio-Libanês.

Com clareza, Torelly descreve o atual cenário da saúde suplementar no Brasil: o médico está insatisfeito com os honorários que recebe das operadoras. O convênio está insatisfeito com a sinistralidade elevada. O empregador está insatisfeito porque paga demais pelo plano de saúde. O hospital está insatisfeito porque as tabelas pagas pelos planos de saúde são ruins. O cliente está insatisfeito porque há demora no pronto-socorro e ele não consegue ter um bom atendimento.

A carteirinha do plano de saúde virou o passaporte da doença. O paciente faz uma tomografia em uma semana e, na outra semana, faz de novo. Pega radiação em dobro e os gastos aumentam – diz Torelly.

Uma das formas de reduzir os desperdícios é questionar a pertinência do que é feito. Inspirado pelos centros de atenção primária de países como o Reino Unido, o Sírio decidiu criar ambulatórios com médicos de família dentro das empresas. A primeira unidade foi instalada no Banco Votorantim, em São Paulo. Até o final do ano, mais dez serão inauguradas em outras companhias na cidade. Como cerca de 80% dos casos atendidos por médicos de família são resolvidos sem a necessidade de outros especialistas ou atendimento em pronto-socorro hospitalar, os custos diminuem para os empregadores.

Somos um hospital que tem toda a sua receita vinda da doença. Agora estamos entrando em um novo modelo de negócios focado na saúde.

Nessa aposta, a remuneração foge da lógica tradicional do ‘fee for service”. O empregador paga um valor fixo para que o hospital cuide da saúde de cada trabalhador. E, em alguns contratos, há um adicional caso a instituição contribua para melhorar os indicadores de saúde daquele grupo.

Ao se instalar nas empresas e identificar casos que realmente necessitam de atendimento especializado, a instituição vai gerar demanda para seus centros de diagnóstico e para tratamentos mais dispendiosos como os de oncologia, por exemplo. Ou seja: o hospital pode receber menos por paciente, mas vai ganhar na escala de atendimento.

A mudança está acontecendo também na relação com as operadoras. Ainda neste ano, o Sírio vai inaugurar em Brasília um hospital que será remunerado pelos convênios de acordo com os desfechos clínicos alcançados pelo paciente – e não mais por volume de procedimentos. Fatores como tempo e processo de recuperação dos doentes, resultado das cirurgias, entre outros, poderão ser levados em consideração no acordo sobre os pagamentos.