Após vários revezes na Justiça, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) está em um momento crítico de reconhecimento da sua autonomia. A disputa entre rentabilidade e sobrevivência dos planos de saúde e a proteção dos direitos fundamentais tem mobilizado o Judiciário.

O sócio-fundador do Dagoberto Advogados, Dagoberto Steinmeyer Lima, acredita que a ANS enfrenta mais judicialização do que outras agências reguladoras porque opera em uma situação difícil, tendo que conciliar, por um lado, a sobrevivência das operadoras e, por outro, a proteção legal à saúde. “É um setor complexo e de grande sensibilidade social. Alguns pontos como a cobertura para moléstias pré-existentes precisam ser analisados de forma mais detalhada, mas a situação hoje é melhor do que era sem a ANS.”

Na polêmica mais recente, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu a Resolução Normativa 433/2018 da agência, que permitia que as operadoras de planos de saúde cobrassem até 40% do valor de cada procedimento médico utilizado pelo beneficiário. Segundo a ministra, uma norma administrativa não poderia alterar um direito fundamental.

Por outro lado, para o desembargador da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Ney Wiedmann Neto, o argumento utilizado para derrubar a norma não procede, visto que a Lei 9.656/1998, que regula os planos de saúde, definiu de maneira clara as competências e atribuições da ANS como órgão de fiscalização e regulação do mercado. “Alguns veículos de imprensa deram a entender que seriam necessárias novas leis para alterar os contratos, mas a legislação atual atribui à ANS essa competência”, afirma.

Na sua opinião, a agência não extrapolou suas funções ao editar aquela norma. Pelo contrário, Wiedmann Neto entende que é perigoso questionar a autonomia da ANS para regulamentar os planos de saúde, visto que a medicina é uma área muito importante e dinâmica, com transformações constantes. “A videolaparoscopia, a bariátrica e a cirurgia robótica são procedimentos recentes, que foram incluídos no rol de cobertura obrigatória pela ANS em benefício aos clientes.”

Insatisfações

De acordo com o desembargador, a maior fonte de judicialização neste setor são os consumidores que desejam a cobertura de um procedimento que o plano não prevê. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), de 2016, revelou que 92,4% das decisões contra planos na capital paulista favoreceram o paciente. No caso do estado em que atua, o Rio Grande do Sul, Wiedmann aponta que foi justamente a atuação da agência que reduziu a judicialização. “A colocação de stents para resolver problemas cardíacos no lugar das pontes de safena foi reivindicação comum dos beneficiários. A ANS, por meio de suas resoluções, incorporou esses procedimentos e diminuiu as ações”, explica. “Não dá para esperar que o Congresso mude a lei a cada dois anos com o mesmo fim”, complementa.

Apesar disso, é frequente que o Judiciário intervenha em normas polêmicas após ação de algum ente prejudicado. Em julho de 2017, por exemplo, a Justiça Federal – acionada pelo Ministério Público Federal em São Paulo – determinou que os planos de saúde do País inteiro devem disponibilizar número ilimitado de sessões de psicoterapia aos seus clientes. A decisão anulou um dispositivo da Resolução 387/2015 que estabelecia a obrigatoriedade dos convênios de arcar com 18 atendimentos por ano para tratamento de transtornos psicológicos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), em outubro daquele ano, a 3ª Turma também considerou abusiva a cláusula.

Procurada, a ANS respondeu em nota que questionamentos são naturais e que a quantidade de normas questionadas na Justiça é “pequena diante do alto número de normativos publicados e da taxa de sucesso obtida pela Procuradoria Geral da ANS na defesa e manutenção da validade das regras editadas pela agência reguladora.”