Tratamentos excessivos gerados por incentivos indevidos, custos e orçamentos descontrolados, dados desorganizados, falta de acompanhamento longitudinal do paciente. Esses são alguns dos tópicos que sempre vêm à tona nos sistemas de saúde quando falamos no modelo baseado em serviço.

No tradicional modelo de pagamento por serviço, os provedores são pagos pela quantidade de procedimentos que realizam. Com isso, prestadores são estimulados a pedir mais exames e procedimentos, além de serem recompensados diretamente com o volume de atendimento, já que a experiência do paciente não é levada em consideração. Os cuidados baseados em valor surgiram como uma alternativa para substituir o modelo baseado em serviços, já que leva em conta a qualidade, e não a quantidade.

O cuidado baseado em valor é impulsionado por dados, pois os provedores precisam reportar aos pagadores métricas específicas e demonstrar melhorias, tanto em termos clínicos, quanto em experiência do usuário. Nesse modelo, os prestadores são pagos de acordo com os resultados que proporcionam para os pacientes, há medicina baseada em evidências, envolvimento no tratamento, e principalmente correspondência de incentivos entre todos da cadeia.

A transição do modelo de serviço para o modelo de valor entra em um dos maiores desafios financeiros nos sistemas de saúde: como ajustar o pagamento. Há, porém, um grande movimento entre os principais players do setor no desenvolvimento de projetos baseados em valor. Até o final deste ano, segundo a United Healthcare, mais de US$ 65 bilhões serão vinculados, no mercado americano, a contratos baseados em valor. Além disso, à medida que o movimento ganha impulso, projeta-se que a adoção de cuidados baseados em valor responda por cerca de 59% dos pagamentos de cuidados de saúde até 2020, de acordo com o Relatório de Tendências de Cuidados de Saúde 2018 da Aetna.

O conceito não é novo: existe desde 2006, quando Michael Porter publicou o livro Repensando a Saúde: Estratégias para Melhorar a Qualidade e Reduzir os Custos. Desde então, há uma movimentação do setor, especialmente por onde começar a mudança e como fazê-la de forma transparente e justa com todos os elos. O valor é definido como o resultado para o paciente, envolvendo a qualidade do serviço e sua experiência, dividido pelo custo envolvido no tratamento. Os cuidados baseados em valor focam na maximização da equação.

Segundo Porter, a saúde baseada em valor é uma iniciativa de reestruturação dos sistemas de saúde em todo o mundo, cujo objetivo global é ampliar o valor para os pacientes, conter a escala de custos e oferecer mais conveniência e serviços aos clientes. Ele descreve a transformação do cuidado com base em seis elementos inter-relacionados: organizar suas unidades em práticas integradas, medir resultados e custos para cada paciente, mover os pagamentos para ciclos de cuidado, integrar os cuidados entre os serviços de saúde, expandir o acesso a serviços de excelência, e por fim, ter acesso a uma plataforma de TI que atue como facilitadora no processo.

Como as atividades de cuidado são interdependentes, o valor para os pacientes geralmente é revelado apenas com o tempo e se manifesta em resultados à longo prazo. A única maneira de medir com precisão o valor, então, é acompanhar os resultados e custos do paciente de forma longitudinal. O valor move a cadeia a realizar decisões responsáveis e realizar de fato um gerenciamento clínico, com iniciativas que promovam a saúde do indivíduo. Quanto mais coordenado, apropriado e eficaz o tratamento, melhores são as recompensas, e maior é a sustentabilidade econômica do setor.

A questão está longe de ser fácil e envolve assuntos políticos e éticos em seu debate. Enquanto emocionalmente se deseja que médicos realizem todos os procedimentos possíveis para seus pacientes, independente dos custos, racionalmente deve-se pensar que um esforço isolado pode prejudicar centenas de outras vidas, gerar desperdícios ou até situações financeiras irreversíveis para a família do indivíduo.

Como o valor é definido como resultados sobre custos, ele engloba a eficiência. No caso, o modelo baseado em valor está blindado do caminho fácil de se reduzir custos ou realizar subtratamentos. A falsa economia a curto prazo é destrutiva, limita a qualidade e fere o princípio básico de atenção primordial ao paciente.

No livro Entendendo a Saúde Baseada em Valor, os autores destacam os perigos da falta de análise crítica dos procedimentos operacionais padrão, e citam o exemplo do uso disseminado da angiotomografia para diagnosticar embolia pulmonar. Cerca de um terço dos 1,5 milhão dos exames realizados a cada ano nos EUA são feitos para descartar embolia pulmonar. No entanto, o diagnóstico de embolias pulmonares por este método revelou um impacto muito pequeno nas taxas de mortalidade. E expõem as pessoas à radiação e ao agente de contraste intravenoso, o que acarreta algum risco de reações alérgicas e insuficiência renal. Há, sem dúvidas, o desafio de se produzir o melhor atendimento a um custo menor, e ainda, como conectar a qualidade e à ética do cuidado consciente dos custos.

A transição para um modelo de valor levará anos, e isso será especialmente provocador para provedores a custo prazo. Cumprir metas baseadas em valor requer que os hospitais diminuam a utilização entre suas populações, reduzindo assim o volume e a receita de seus procedimentos. Com a baixa da receita, os hospitais precisam melhorar as margens o máximo possível, otimizando seus processos e exigindo um bom gerenciamento. Em um ambiente baseado em valor, qualquer investimento para simplificar operações e eliminar o desperdício do sistema vai diretamente para o hospital, não para o pagador.

Não existe um modelo único de saúde baseada em valor que se adapte a todas as situações e instituições. A escolha depende do posicionamento da organização e metas estratégicas definidas. Para citar, as Accountable Care Organizations (ACOs) são unidades de trabalho que focam em equipes de rede para oferecer cuidados coordenados com o menor custo possível. Cada membro compartilha os riscos e incentivos decorrentes do resultado da saúde do paciente, promove melhor qualidade e maior acesso no atendimento.

O gerenciamento de uma organização de saúde precisa ser capaz de tomar decisões sobre o que fazer ou não fazer, sobre como realizar a política de reembolso, sobre qual é o conceito de valor que eles entregarão, além da já conhecida análise de custos e riscos. Para isso, como já dito anteriormente, a saúde baseada em valor tem uma abordagem orientada a dados. E organizados de forma estruturada, não um pool de informações desconectadas e fragmentadas advindas de vários departamentos.

Para a tomada das decisões, os dados ainda devem ser fornecidos de forma contínua. Medir, analisar, relatar e comparar os resultados rigorosamente talvez sejam os passos mais importantes para melhorar rapidamente e fazer boas escolhas sobre a redução de gastos. Medir os custos totais durante todo o ciclo de cuidados de um paciente e compará-los permitirá uma redução de custo verdadeiramente estrutural, através de etapas como realocação de gastos entre tipos de serviços, eliminação de serviços que não agregam valor, melhor uso da capacidade, encurtamento de tempo de ciclo, fornecimento de serviços nas configurações apropriadas e assim por diante.

Em qualquer área, melhorar o desempenho de um setor como um todo só é possível através do alinhamento de interesse entre os players e da premissa da responsabilidade compartilhada. É preciso deixar de lado a lucratividade egoísta, contenção de custos que põe em risco a segurança do paciente e a conveniência política, se o objetivo for verdadeiramente gerar valor para o usuário final e ter um sistema de saúde e sustentável. É claro, para isso é necessário muita transparência sobre as metas e abordagens no desenvolvimento desses modelos.

De forma geral, apesar dos provedores focarem mais em medicina básica de prevenção, eles eventualmente gastarão menos tempo com doenças crônicas. A sociedade se torna mais saudável, reduzindo os gastos globais com a saúde. A mudança de modelos baseados em serviço para valor é um passo importante em direção à assistência médica de melhor qualidade e a gastos mais judiciosos com a saúde.