Em meio à instabilidade econômica, as epidemias movimentam o mercado de saúde suplementar apertando ainda mais as margens das empresas e gerando alta dos custos assistenciais nos planos médico-hospitalares. De clínicas de reprodução a operadoras de saúde, passando por centros de vacinação, o zika vírus, H1N1 e chikungunya já desafiam o setor.

Mesmo com a possível regressão do zika no País, segundo declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) ontem, a saúde privada já apresenta reflexos. No mercado de reprodução assistida, a epidemia somada à possibilidade de microcefalia nos fetos teve impactos. O primeiro é a queda da demanda por procedimentos de fertilização e o segundo é o aumento da procura por congelamento de óvulos, que apesar de ser um procedimento mais lucrativo, neste momento de crise econômica torna o repasse do procedimento mais difícil.

“As clínicas tiveram de se adaptar. Em fevereiro tivemos aumento de 50% no número de gestantes que decidiram congelar”, aponta a diretora do IVI Salvador, Genevieve Coelho. De acordo com Genevieve, a estratégia para conseguir manter os clientes atuais foi oferecer um pacote que já incluísse o congelamento dos embriões. “Não repassamos o custo do congelamento no primeiro ano. Isso diminui o lucro, mas mantém a demanda”, explica ela.

Para a diretora, a obrigatoriedade de realizar testes em futuros pacientes também tem gerado aumento dos custos. “Custa R$ 800 por casal e os planos não cobrem”, aponta. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) finalizou na terça-feira (19) uma proposta para a incorporação de exames de detecção de vírus zika ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Assim que for aprovada, a ANS dará um prazo para que operadoras de saúde organizem a rede de atendimento para oferecer os exames.

Queda no mercado

Segundo a diretora do laboratório especializado em genética reprodutiva Igenomix, Marcia Riboldi, desde dezembro o mercado tem sentido uma queda significativa no número de ciclos de fertilização, sobretudo no norte e nordeste. “Algumas clínicas que visitei disseram que faziam entre 20 e 30 ciclos por mês e agora estão fazendo entre 7 e 10”, indica.

Outra situação que Marcia aponta ter visto em clínicas de alto nível é a migração de pacientes para o exterior. “Além do zika, tem a instabilidade econômica que fez com que algumas pessoas esperassem.”

A expectativa é que este movimento de mercado não afete a receita do laboratório, já que 90% dos testes realizados pela Igenomix são feitos em embriões congelados. “Congelar antes de fazer o ciclo aumenta em 60% as taxas de sucesso.”

A demanda tem crescido 20% ao mês e o faturamento já chega a R$ 1 milhão mensal. Assim como nas clínicas de vacinação, o grande desafio dos laboratórios de genética é a alta do dólar. “Além disso, tem a demora para a chegada dos insumos e o imposto que incide neles. Entre 35% e 40% do que pagamos de reativos é imposto”, afirma.

De acordo com Marcia, a Igenomix está presente em mais de seis países e o Brasil é a matriz que mais apresenta problemas por conta da complexa burocracia do País. Aqui, um tratamento de reprodução assistida custa entre R$ 16 mil e R$ 20 mil, fora custos com medicamentos e testes genéticos. “O alto custo restringe o mercado”, ressalta.

Custo da vacinação

Se por um lado os centros de vacinação podem ser beneficiados com o aumento da procura por vacina contra a gripe e H1N1, por outro coloca as clínicas na corrida para conseguir o insumo. “Aumentou muito. Em uma semana aplicamos o que vendemos em 2015”, afirma o diretor administrativo da Rede Vaccini, Felipe Sznayderman.

De acordo com ele, em 2015, mais de um milhão de doses foram descartadas no mercado. Já neste ano, o abastecimento tem sido o maior desafio. “A produção se baseia no histórico de consumo e nunca tivemos esta demanda”, ressalta.

A alta do dólar também tem pressionado o segmento. Segundo Sznayderman, mesmo que o reajuste autorizado para o preço dos insumos tenha sido de 12,5%, a alta real acabou sendo de 30%, apertando a margem de algumas vacinas. “Alguns laboratórios que davam desconto encima da vacina tiraram”, complementa.

O diretor executivo do Delboni Medicina Diagnóstica e do Lavoisier Laboratório e Imagem, Rafael Lucchesi, afirma que nas duas marcas foram vendidas aproximadamente 50 mil vacinas de H1N1. Segundo ele, mesmo que em 2016 tenham solicitado um volume 50% superior ao pico da série histórica, em 2014, não atenderam toda a demanda. “Infelizmente, com o início antecipado do surto da doença e a gravidade dos casos, ficou imprevisível a demanda pelo produto”, aponta. Segundo ele, os fabricantes pedem para que os pedidos sejam feitos com seis meses de antecedência.

Para atender o grande contingente de pessoas neste ano, o executivo aponta que teve que adequar o tamanho da equipe, além de capacitar um maior número de pessoas para realizar a aplicação. “Buscamos minimizar os impactos aos nossos pacientes e atender a todos no menor tempo possível”, comenta.

Valores assistenciais

Um dos elos mais importantes da cadeia, as operadoras de saúde também devem se preparar para o impacto dos custos do zika. Segundo o sócio do Dagoberto Advogados, Ricardo Ramires Filho, com o aumento da procura por pronto-socorro, internações em casos de suspeita e testes para verificar a presença da doença é provável que os custos assistenciais aumentem ainda, impactando na sinistralidade. “O excesso de utilização, às vezes até indevida, pode impactar o custo”, explica.

Segundo ele, além da despesa com exames, as operadoras também devem lidar com as reclamações por conta dos testes rápidos, que ainda não são obrigatórios. “Pode gerar uma NIP (Notificação de Investigação Preliminar) na ANS”, diz. Conforme ele, o H1N1 também pode aumentar a utilização dos planos, no entanto, por ter uma vacina consegue ser mais controlado. Uma forma de diminuir o impacto das epidemias – e que já está sendo usado pelas operadoras – é medindo a longo prazo a incorporação de vacinas, medicamentos e testes. “Mas tem que ser estudado, porque pode gerar judicialização. Muitos acham que se liberou para um, tem que liberar para todos e não é bem assim”, completa.