Mais de 1,2 mil ações movidas por usuários contra seus planos de saúde tramitam no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES). Segundo dados do órgão, somente em 2016, foram julgados 2.207 processos dessa natureza, ou seja, uma média de seis por dsia

O número é ainda menor do que o registrado em 2015, quando o total de processos chegou a 2.371. Conforme explica a juíza Giselle Onigkeit, coordenadora dos Juizados Especiais, grande parte das reclamações é feita diante da negativa dos planos de cobrir tratamentos e procedimentos médicos, a exemplo de exames mais complexos e cirurgias.

Do mesmo modo, aumentos de valor em função da mudança de faixa etária ainda geram muitas discussões. “Houve uma fase também em que muitos médicos cooperados saíram e faltaram determinadas especialidades em planos , levando os pacientes à recorrerem”, acrescenta Giselle.

De acordo com a juíza, na maior parte das vezes é o consumidor quem está com a razão, embora haja diferentes casos. “Os contratos são de adesão, são pré-formulados. Por isso, as pessoas não têm muita noção de determinados itens e detalhes, bem como de suas interpretações e consequências que eles gerarão quando elas precisarem dos serviços. Aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, que o coloca como parte vulnerável, na maioria das vezes vemos que as cláusulas não estão claras o suficiente para restringir o serviço”, justifica ela.

Foi somente através da Justiça que Sérgio Nunes Ferreira, de 45 anos, ganhou o direito de se submeter a uma vasectomia, em 2012. O mecânico de automóveis explica que a cirurgia era necessária para garantir a saúde da esposa, que por sofrer com fortes enxaquecas não podia continuar tomando pílulas anticoncepcionais.

“O plano me pediu vários laudos e quando levei disseram que teria que haver um aumento do valor, além de um ano de carência. Eu esperei por um ano e quando voltei me disseram que não poderiam fazer porque o problema não era meu, era da minha mulher. No mesmo dia eu falei com minha advogada”, conta ele, que em menos de 40 dias pôde realizar o procedimento e ainda ganhou uma indenização de R$ 4 mil.

Número poderia ser ainda maior

Não são raras as queixas contra planos de saúde que chegam até a mesa da advogada cível Kelly Andrade. Acostumada a lidar com essa demanda, ela acredita que o número de ações na Justiça poderia ser bem maior caso todas as pessoas que se sentissem lesadas decidissem buscar seus direitos.

“Existem normas na legislação que determinam a cobertura do plano para certos procedimentos. Na maior parte das vezes os juízes rescindem cláusulas que consideram abusivas”, diz.

Segundo a advogada, muitas reclamações estão ligadas à negação de procedimentos caros, como cirurgias coronarianas e tratamento de cânceres.

“Ano passado tivemos uma cliente cujo marido estava com câncer e precisava de um medicamento que foi negado. Nós conseguimos o direito na Justiça, mas ele acabou morrendo antes de receber a medicação. Entramos com um processo por danos morais e a esposa recebeu R$ 10 mil de indenização”, conta.

Como alguns planos se negam a formalizar as negações, Kelly recomenda: “Para ganhar tempo, orientamos que os pacientes gravem as conversas ou por telefone ou pessoalmente”.

Outro lado

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirma que orienta suas associadas a cumprir a legislação e normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e solicita que em caso de dúvidas, inicialmente, os beneficiários de planos procurem a operadora contratada, evitando uma desnecessária judicialização.

“Muitas das ações se referem a procedimento em período de carências, prazos e tetos de reajuste definidos pela ANS, onde muitas vezes a operadora está de acordo com as normas da ANS e a legislação vigente. Há também casos onde a demanda é procedente, portanto necessária”, diz em nota.

No ano passado, a ANS e o Conselho Nacional de Justiça assinaram um acordo de cooperação buscando reduzir a judicialização e agilizar julgamentos, estimulando a realização de acordos entre as partes.

Falta de cobertura

As queixas contra planos de saúde não chegam somente ao judiciário, mas também batem às portas dos órgãos de defesa do consumidor. Em 2016, o Instituto Estadual de Proteção de Defesa do Consumidor (Procon) recebeu 720 reclamações desta natureza. As mais constantes referem-se à negativa de coberturas para cirurgias e exames de alta complexidade, além do descumprimento de contratos.

Apesar de nem todos os problemas poderem ser resolvidos através de audiências conciliatórias, sendo necessária a judicialização das causas, algumas reclamações, como as de reembolso por procedimentos, reajustes de contratos e cobranças indevidas são facilmente acertadas pelo órgão, conforme explica a diretora-presidente Denize Izaita.

Fique atento

Segundo Denize, é importante que além de conhecer os termos de seus contratos, os usuários de planos de saúde estejam atentos às resoluções criadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que muitas vezes ampliam a rede de cobertura e de procedimentos.

Hoje, por exemplo, em grande parte dos cânceres o tratamento deve ser coberto pelas empresas. Alguns casos incluem até o atendimento domiciliar e o acesso à medicamentos, além de medicamentos contra reações provocadas pela própria medicação”, explica.

Outra dica é verificar o histórico dos planos , também disponibilizado pela ANS. “Continuamente a Agência suspende vendas de planos que possuem vários episódios de denúncias contra a negativa de procedimentos. Por isso é importante ver se já houve eventuais fechamentos para se ter mais segurança. Os planos de saúde não estão baratos. As pessoas estão parando de pagar por dificuldades financeiras e quem os mantém tem que usá-los da forma mais completa possível”.

Tribunal faz mutirões para agilizar os casos

Embora a judicialização dos casos seja um direito dos consumidores, para a juíza Giselle Onigkeit , o ideal é tentar resolver os problemas administrativamente.

Visando aproximar beneficiários e planos de saúde, o Tribunal de Justiça conta com o Centro Judiciário de Solução de Conflitos, que através de mutirões vem tentando promover conciliações pré-processuais. “É menos um processo numa máquina saturada, além de conseguirmos uma aproximação das empresas, que vendem um serviço fundamental”, ressalta ela.