Pauta central do 3º Encontro de Comunicação da Saúde Suplementar, realizado no dia 23/04, pela Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), em São Paulo, a Atenção Primária à Saúde (APS) atraiu a participação de mais de 100 profissionais no Grand Mercure Hotel – entre jornalistas da grande imprensa e do trade de seguros, assessores de imprensa, representantes de instituições do setor e de operadoras de planos de saúde associadas à Federação. Na abertura do evento, João Alceu Amoro Lima, presidente da FenaSaúde, ressaltou a importância da APS como instrumento de promoção à saúde e melhoria na qualidade do atendimento ofertado ao beneficiário.

João Alceu observou que o assunto APS não é desconhecido, principalmente pelos brasileiros que se utilizam do Sistema Único de Saúde (SUS). Destacou, no entanto, que há 20 anos, quando a saúde privada começou a falar sobre atenção primária, tendo a figura do médico de família como o elo entre o paciente e seu tratamento, resultando em um atendimento mais coordenado, houve críticas relacionadas à restrição de acesso. “Na época, não houve o entendimento de que queremos usar a APS como ferramenta para melhorar a qualidade do atendimento ao beneficiário”, assinalou. A Lei 9.656/98 (conhecida como Lei dos Planos de Saúde) trouxe avanços importantes para o setor, mas indiretamente causou prejuízos ao modelo de atendimento ao paciente em razão do acesso irrestrito a especialistas. “Como consequência, temos hoje beneficiários perdidos nessa fragmentação”, frisou, acrescentando que APS é capaz de resolver em até 80% as demandas da saúde; em 17% as internações; e em cerca de 30% a procura por serviços de urgência e emergência.

Para Gustavo Gusso, professor de Clínica Médica e Propedêutica da Universidade de São Paulo (USP), a essência da APS pressupõe quatro requisitos – acesso, coordenação, longitudinalidade e cuidado abrangente. Ao palestrar no painel “A Jornada do paciente sem e com APS na Saúde Suplementar”, Gusso ressaltou que a atenção primária visa principalmente facilitar e qualificar o acesso do paciente, embora no Brasil a percepção seja contrária, muito em função de que os médicos especialistas acreditam ser generalistas. Com isso, se conhece muito pouco a jornada do paciente. De acordo com o professor da USP, a atenção primária implica na existência da secundária e na terciária. “A secundária praticamente não existe porque a jornada já passa pelo especialista. A APS deve ter um médico generalista e um especialista, no chamado atendimento compartilhado”, assinalou, acrescentando que a vantagem do médico de família é justamente conhecer o paciente.

Em sua participação no painel “APS na visão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, Rodrigo Aguiar, diretor de Desenvolvimento Setorial da agência, destacou o trabalho de mais de um ano da ANS para incentivar a adoção da Atenção Primaria à Saúde por parte das operadoras de planos, como forma, inclusive, de se instituir o cuidado coordenado. Por meio de duas normas – uma publicada no final de 2018 e outra no início deste ano –, a ANS criou o Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde, o que deve incentivar as operadoras a desenvolverem práticas que aperfeiçoem cada vez mais o cuidado com seus beneficiários. “O objetivo com a coordenação do cuidado é promover a qualidade em saúde, fazendo com que o cuidado seja seguro, efetivo e focado no paciente”.  A outra norma dispõe sobre adoção de práticas de governança corporativa, com ênfase em controles internos e gestão de riscos, contribuindo para que a remuneração dos serviços seja focada em valor. “Para que o cliente tenha a real percepção de que foi bem atendido”, explica Aguiar.

Outras vantagens da adoção da atenção primária à saúde, como organização e planejamento do atendimento, atuação precisa nas necessidades do beneficiário e redução de custos, foram ressaltadas por José Cechin, diretor executivo da FenaSaúde, durante o painel “Jornada do paciente com APS nas operadoras de planos de saúde – resultados práticos”. Cechin reconheceu haver algumas barreiras para a adoção desse modelo assistencial, como a falta de profissionais que queiram assumir o papel de médico cuidador e a deficiência na infraestrutura física nas unidades de atendimento. “A prática da APS passa pela mudança de cultura em todos os níveis”, frisou. Em sua palestra, o diretor da FenaSaúde mencionou alguns resultados obtidos por algumas operadoras de planos de saúde que já desenvolvem programas de APS.

De acordo com ele, nas empresas que desenvolvem atenção primária, o índice de resolutividade é de 90%, enquanto a retenção de beneficiários também ultrapassa os 90%. Nessas operadoras, houve queda de 20% no número de internações em relação às que não têm programas desse tipo. Além disso, entre os idosos, houve redução de 67% dos pacientes crônicos e 65% nas internações. Na área de oncologia, informou que a adesão ao tratamento cresceu 44% e o índice de satisfação está em 98%.

Direito do Consumidor: conhecimento, informação e confiança do consumidor em relação à atenção primária foram debatidos no painel “Defesa do Consumidor”, dividido entre Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor e presidente do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP Pesquisas), e Juliana Pereira, diretora executiva de Clientes da Qualicorp e ex-secretária da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Morishita destacou que, se o momento é de transição de modelos – assistencial e de remuneração –, é fundamental que o consumidor seja informado com qualidade para que possa decidir sobre em qual modelo deseja estar. Em sua avaliação, a falta de profissionais dispostos ao atendimento generalista e a ausência de infraestrutura para a realização de programas de APS podem ser resolvidos mais facilmente, mas o medo e a descrença dos consumidores são mais sensíveis. “Precisamos dar confianças às pessoas com a coragem moral de enfrentar essa desconfiança. Não apenas com informação, mas comunicação de qualidade que permita ao consumidor a liberdade de escolha”, sublinhou.

Juliana lembrou que o sistema vigente, com a carteirinha que facilita o acesso e o livro que liga o beneficiário à rede, permite que o consumidor tenha acesso ao cuidado, mas não resolve a necessidade dos pacientes, por causa do fato de o cuidado ser fragmentado, o que faz com que as pessoas fiquem perdidas no sistema de saúde. “Esse cuidado precisa ser mais integrado e coordenado. O quarto elemento desse processo é o engajamento. Não podemos tratar o beneficiário com mero pagador de boleto”, enfatizou. A diretora da Qualicorp destacou, entre os inúmeros desafios da adoção da APS, justamente a construção da confiança. “O consumidor precisa compreender os conceitos envolvidos nesse modelo, de forma transparente. Se ele não for informado a ponto de não conseguir enxergar a jornada, corremos o risco de o assunto se reduzir a obstáculo de acesso, aumentando o espaço de atrito”, avaliou.

No encerramento do 3º Encontro de Comunicação da Saúde Suplementar, Sandro Leal, superintendente da FenaSaúde, resumiu o propósito do evento e os esforços que estão sendo feitos pelas operadoras de planos de saúde para melhorar a qualidade do atendimento aos beneficiários. Ao citar o economista Richard Thaler, prêmio Nobel de Economia, Leal ressaltou que sempre há a possibilidade de o consumidor não fazer as melhores escolhas para ele. Por isso sempre é necessário “um empurrão”. No seu entendimento, a Federação está dando esse estímulo ao promover debates com mais uma edição do Encontro de Comunicação. “As pessoas precisam desse empurrão. As operadoras estão fazendo isso e a FenaSaúde está fazendo a sua parte, trazendo e estimulando a discussão”.

Por fim, Fernando Pesciota, diretor da CDN Comunicação apresentou a receptividade da imprensa em relação ao tema “Atenção Primária à Saúde”, por meio de um balanço das matérias publicadas em jornais, revistas e sites.