Após um mês e 20 dias de negociações, as duas maiores operadoras de planos de saúde do país, Hapvida e Grupo NotreDame Intermédica (GNDI), concluíram na noite de 27/02 o acordo de fusão que cria uma companhia com valor de mercado de R$ 110,5 bilhões. Trata-se da décima primeira empresa mais valiosa da B3, considerando as cotações das duas companhias na sexta-feira.

A empresa combinada passa a ter 13,6 milhões de usuários de planos de saúde e dental e uma receita líquida de R$ 18,2 bilhões, o que a coloca como uma das maiores operadoras de saúde verticalizadas do mundo.

A NotreDame Intermédica conseguiu aprovar seus principais pleitos, que eram aumentar o prêmio de 10% para 15% e ter uma gestão compartilhada, com dois CEOs. Conforme antecipou no sábado o Pipeline, novo site de negócios do Valor, cada acionista da Intermédica vai receber 5,249 ações de Hapvida mais R$ 6,45. Outra demanda da Intermédica atendida foi o pagamento de R$ 4 bilhões em dividendos.

Assim, a companhia combinada passa a ter 53,6% de ações da Hapvida e 46,4% da GNDI. A família Pinheiro, controladora da Hapvida, seguirá sendo a maior acionista, com posição de 37,6%. A Bain Capital, maior acionista da Intermédica com 11,2%, reduz sua participação para 5,2%, podendo se desfazer dessa fatia residual na bolsa.

A transação foi fechada relativamente rápido, mas as duas operadoras já vinham conversando, informalmente, há cerca de um ano sobre a possibilidade de se juntaram, uma vez que têm um perfil semelhante. Ambas comercializam planos de saúde para a base da pirâmide, contam com uma ampla rede verticalizada e não há praticamente sobreposições de praças de atuação. A Hapvida é líder no Norte e Nordeste e a Intermédica, no Sudeste, em especial em São Paulo.

A primeira investida formal partiu da Hapvida — incentivada por bancos — que enviou uma proposta ao conselho da GNDI em 22 de dezembro, mas as negociações efetivas só começaram em 8 de janeiro, após a proposta ter se tornado pública. A partir daí, a Intermédica contratou os bancos Citi e JP Morgan e o escritório Souza, Mello e Torres Sociedade de Advogados.

O Itaú BBA, que normalmente trabalha com a Intermédica, mudou de lado na fusão com a Hapvida. A operadora do Ceará contratou o banco preferido da concorrente para facilitar a interlocução entre as companhias. O relacionamento entre GNDI e BTG, banco que assessorou a Hapvida, não é boa, o que dificultaria o processo, contou uma fonte.

O que impulsionou a Hapvida a fazer uma proposta formal no fim do ano foi a oferta subsequente de ações (follow-on) da Bain Capital, maior acionista da Intermédica, realizada no começo de dezembro, que reduziu a fatia da gestora de private equity para cerca de 11%. A Bain era contra a fusão, mas com uma participação menor, a Hapvida enxergou uma possibilidade das discussões avançarem.

No acordo fechado neste fim de semana, não houve alteração na distribuição do conselho de administração em relação à proposta original. A Hapvida terá cinco assentos, ficando com o direito de indicação do chairman. A Intermédica terá dois assentos, um deles ocupado por Irlau Machado, atual CEO da empresa, e o conselho terá ainda dois membros independentes. Machado será co-CEO da companhia resultante, com Jorge Pinheiro, filho do fundador da Hapvida. Não há uma amarração contratual de quanto tempo a companhia seguirá com a estrutura de co-CEOs.

Outros membros da diretoria da Intermédica também já estão confirmados na composição da nova Hapvida – como Marcelo Moreira Marques, diretor financeiro, e Pedro Calandrino, diretor de fusões e aquisições (M&A). A companhia também vai adotar alguns comitês que a Intermédica tinha, e a Hapvida não.

Não houve sequer uma reunião presencial. A fusão que forma a gigante de saúde foi toda remota. Os encontros foram pelo Zoom — a Bain a partir de Boston, Hapvida entre Fortaleza e São Paulo, e Intermédica em São Paulo.

Logo após a proposta de fusão ter se tornado pública, em janeiro, as ações das companhias dispararam e as operadoras chegaram a ganhar R$ 32,5 bilhões em valor de mercado em apenas dois pregões. Essa forte valorização foi vista como uma aprovação do mercado para o negócio.

Segundo especialistas, são pequenas as chances de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) reprovar o negócio porque quase não há sobreposição nas cidades em que atuam, sendo que a única dúvida é em relação a Joinville (SC).

Com a união, Hapvida e Intermédica ficam isoladas em primeiro lugar no mercado brasileiro de convênios médicos, distantes da segundo colocada Bradesco Saúde. O novo grupo também se aproxima da maior do setor de planos odontológicos, OdontoPrev.

A companhia combinada passa a deter uma carteira com 8,4 milhões de usuários de planos de saúde. A Bradesco Saúde tem 3,3 milhões. Na sequência, vem Amil com 2,9 milhões de usuários de saúde e 2,21 milhões de clientes de planos dentais. A SulAmérica, por sua vez, conta com 2,2 milhões de usuários de convênio médico e 1,7 milhão no segmento odontológico. Na área dental, Hapvida e Intermédica contam com 5,1 milhões de usuários, ainda atrás da OdontoPrev, que tem 7,3 milhões. Os números consideram os dados do terceiro trimestre.

Mas a concorrência se dará mesmo com as Unimeds, que dominam várias praças e têm cerca de um terço do mercado de planos de saúde. A gestão das cooperativas médicas é descentralizada e em vários casos pouco profissionalizada. Levantamento feito pelo próprio setor de cooperativas médicas mostra que das 345 Unimeds existentes no país, 26 serão afetadas pela fusão entre Hapvida e Intermédica.

As duas companhias já falaram claramente que pretendem entrar nas cidades dominadas pelas Unimeds, que estão analisando a possibilidade de construir mais rede própria para oferecer planos mais em conta. Mas não é uma iniciativa simples, uma vez que Hapvida e Intermédica têm juntas 84 hospitais, 280 clínicas e 257 unidades de medicina diagnóstica no país.

Esse modelo verticalizado é o que mais cresce no mercado de planos de saúde, por permitir um controle maior dos custos. O setor vem perdendo usuários devido à crise econômica e aumento do desemprego, já que a maior parte dos beneficiários utiliza planos corporativos, pagos por seus empregadores. Entre março de 2016 e setembro do ano passado, no entanto, Hapvida e Intermédica acrescentaram a suas carteiras 2,3 milhões de pessoas.

Além disso, as duas companhias vêm investindo pesadamente em aquisições. Somente no ano passado, destinaram mais de R$ 4 bilhões na compra de operadoras concorrentes, hospitais, clínicas e laboratórios. As duas operadoras se capitalizaram na abertura de capital em 2018 e com novas captações no mercado.

Para os concorrentes, podem surgir oportunidades de aquisições. Enquanto durar a análise do Cade, as duas operadoras não devem promover novas compras. No último ano, os múltiplos das transações dispararam, com ativos sendo adquiridos por até 27 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). O aumento expressivo dos múltiplos e concorrência pelos mesmos ativos, mais recentemente, também foi uma razão para a combinação dos negócios.

Os assessores financeiros da Intermédica foram Citi e JP Morgan, com assessoria jurídica do Souza, Mello e Torres. Na Hapvida, foram os bancos BTG Pactual e Itaú BBA e os escritórios Madrona e Pinheiro Neto.