A filosofia clássica ensejou um debate, que perdura até hoje, apontando que a ideologia seria uma espécie de conhecimento às avessas. Esse debate parece estar ocorrendo hoje junto com as dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde suplementar. São algumas tendências de pensamento que se revezam na mídia para condenar as supostas falhas insuperáveis de um sistema que, na insuficiência crônica do atendimento público, abriga hoje mais de 47 milhões de brasileiros.

O imbróglio na mídia é tamanho que chegou a envolver a mais alta dignitária da Corte Suprema em recente decisão desproporcional ao efeito da medida que se buscava. Antevendo o pior, a ANS, órgão regulador, recuou para anular a medida e reabrir consultas.

Esses estranhamentos infelizmente fazem parte de um Brasil hoje fragmentado em torno de interesses corporativos. A ideologia, figurando agora como um apanhado heterogêneo de discursos autocentrados, atrapalha os debates democráticos e a convergência de ideias e providências para tirar o país da situação que enfrenta.

Exemplo importante dessa fragmentação da discussão sobre os melhores caminhos para a saúde privada é a cortina de desconhecimento que esconde a livre opção daquele 1/4 da população que quer assistência médica digna. Ninguém a obrigou. Ao contrário, esse contingente de brasileiros que busca o abrigo dos seguros e planos de saúde só faz crescer, ainda que com um interregno provocado pelo desemprego, filho da recessão recente.

Enquanto a ideologia ganha terreno, a população beneficiária assiste, preocupada, à virulência de um discurso que pretende ameaçar o benefício que eles, ou seus empregadores, vêm sustentando com esforço.

É preciso desvendar o véu ideológico o quanto antes. O enfrentamento das dificuldades de compatibilizar custos médicos e capacidade de pagamento precisa considerar que o sistema privado de saúde tem falhas, sim, mas para cuja solução devem se responsabilizar todos os elos da cadeia de valor da saúde.

As operadoras de saúde, hoje únicas responsabilizadas pelo aumento de custos médicos, são a ponta do iceberg. A base do bloco é formada pela extensa indústria de fármacos, materiais, equipamentos, dispositivos de implantes, diagnósticos, hospitais, clínicas, todos fora do alcance da regulação articulada do Estado.

Na ausência de um marco regulatório que coordene essa diversidade de atores, e em presença de dificuldades que podem colocar em risco o provimento de serviços básicos que interessam os cidadãos, é oportuna uma ampla pactuação.

O que está em jogo não são as ideologias das partes, suas convicções sobre o papel do público e do privado, mas como dar continuidade à reestruturação do sistema público, com propostas e ações concretas, e como garantir a permanência de um sistema privado que destina diariamente R$ 750 milhões para procedimentos médicos e hospitalares que salvam e protegem brasileiros.