O processo de envelhecimento da maioria da população brasileira representa um risco ou uma oportunidade ao sistema de saúde do País, especialmente ao suplementar? Entendemos que essa é uma falsa dicotomia, que há algum tempo tem pautado o debate a respeito da mudança demográfica no Brasil. Mais importante a ser debatido seria, a nosso ver, é debater quais serão as necessidades assistenciais desses idosos no futuro e o que pode ser feito hoje, a partir desse dimensionamento, para auxiliar essa população a administrar a própria saúde. Falamos de um novo modelo assistencial na saúde. Na busca pelo equilíbrio, será viável os nossos idosos contarem com uma assistência qualificada, humana e possível de ser paga. Esse é o imenso desafio a que estamos expostos.

Desde 2012, projetamos os impactos do envelhecimento brasileiro sobre a estrutura de saúde. Apenas quando mensurado esse efeito torna-se possível planejarmos as ações necessárias para prover saúde sem levar as finanças à bancarrota. Essa é a lógica seguida por diversos países na busca pela previsibilidade de suas finanças e para ajustar, ao longo dos anos, suas estruturas. Um dos melhores exemplos mundiais é o da Austrália. Lá, o Tesouro produz o “relatório intergeracional”, a cada cinco anos – atualmente, mensura o país para 2055 –, criando um documento para assessorar as políticas de sustentabilidade de longo prazo do governo e mostrar como as alterações populacionais, no total de pessoas e idade, impactam sobre crescimento econômico, força de trabalho e finanças públicas nos 40 anos seguintes. Ali se planejam as ações para saúde, previdência e educação, por exemplo.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que, em 2030, seremos pouco mais de 223 milhões de brasileiros. A proporção de idosos (60 anos ou mais, conforme o Estatuto do Idoso) será de 18,62% dos cidadãos. Em 2000, correspondia a 8,21%, para uma população de 173,45 milhões. A expectativa média de vida do brasileiro será acima de 78 anos, em 2030, ante 69 anos, em 2000. O que esses números nos mostram? No IESS, identificamos e dimensionamos o aumento significativo de demanda de serviços na saúde suplementar nos anos que se aproximam.

Adiantamos que será preciso sermos ágeis para assegurar a sustentabilidade desse setor, pois a transição será muito rápida. Nossas projeções apontam que, mantida a atual taxa de cobertura média dos planos de saúde para o conjunto dos brasileiros (cerca de 25% da população), a proporção de beneficiários idosos, no estrato de 59 anos ou mais, última faixa etária de precificação dos planos de saúde, saltará de 12,3%, em 2015, para 20,5%, em 2030.

Significa dizer que, no mesmo período, haverá um crescimento de 105% no volume de internações de beneficiários com 59 anos ou mais, saltando de 2 milhões para 4,1 milhões ao ano. Outro crescimento exponencial se dará nas consultas desse grupo, na ordem de 100,9%: de 43,1 milhões ao ano, em 2015, para 86,6 milhões ao ano, em 2030.  O total de exames deve crescer 101,9%, de 204 milhões anuais para 411,8 milhões ao ano, seguido pela alta de 102,3% das terapias (de 25,6 milhões ao ano para 51,8 milhões ao ano).

À primeira vista, fica absolutamente claro que haverá um forte aumento de demanda dos serviços de saúde. O que já representa, portanto, a necessidade de redimensionamento da rede assistencial e garantir que as receitas acompanhem as despesas. Porém, será também fundamental, como dito antes, atuar para que essa população mais velha goze de melhor saúde.

Programas de promoção da saúde e cuidados integrados são uma das premissas para assegurar que a terceira idade não signifique um idoso frágil e dependente. Temos também alertado que apenas adotar novas drogas não dará conta dessa agenda: envelhecimento populacional e incorporação de novas tecnologias são as duas principais causas mundiais de expansão dos custos da saúde em patamares amplamente superiores à inflação média dos países. Outro desafio estará em formar mão de obra no volume e na qualidade suficientes para dar suporte à essa transformação etária e epidemiológica.

E, nesse contexto, todo o modelo assistencial da saúde suplementar terá de ser reavaliado e adequado, considerando também a multimorbidade que acomete o paciente, com maior prevalência entre idosos, mas também presente na população em idade ativa. Ao invés de termos um sistema fragmentado, construído para tratar episódio a episódio, devemos ter um sistema integrado, focado no indivíduo, que o acompanhe ao longo do tempo, seguindo as linhas de cuidado com uma visão holística. Convenhamos, diferentemente de algumas propostas recentes apresentadas no Brasil, com foco exclusivo no idoso, essa nova abordagem que propomos, mais completa, exige cuidados e acompanhamento ao longo de toda a vida, e não só na velhice.

O setor de saúde suplementar pode aproveitar essa necessidade para remodelar a gestão de saúde e o modelo assistencial para todas as idades. Essa seria uma grande oportunidade que o envelhecimento brasileiro daria a todo o sistema. Se não aproveitada, pode se tornar um risco.