A Resolução Normativa nº 433, de 27 de junho de 2018, da Agência Nacional de Saúde (ANS), que estabelece um novo marco normativo para determinar e expandir os limites de coparticipação em planos de saúde, é alvo de debates e críticas tanto do ponto de vista jurídico quanto dos pontos de vista social e econômico.

O artigo 2º da resolução define a coparticipação como valor devido à operadora de plano de saúde em razão do procedimento realizado pelo usuário. Também a define a franquia como o valor estabelecido no contrato de plano privado de assistência à saúde até o qual a operadora de plano privado de assistência à saúde não tem responsabilidade de cobertura, quer nos casos de reembolso ou nos casos de pagamento à rede credenciada, referenciada ou cooperada.

A resolução amplia o patamar usual em dos limites de coparticipação dos usuários, vindo a estabelecer limite anual máximo devido por beneficiário a contar da vigência do contrato, em valor que corresponde a 12 (doze) contraprestações pecuniárias base.

A ampliação dos limites de coparticipação não implica apenas afetação de relações privadas, mas impacto orçamentário no sistema público de saúde

Embora a resolução esteja sendo posta em amplo debate, um ponto permanece alheio e mesmo sob sombras. A resolução implica efeitos diretos nos recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), havendo concretas possibilidades de comprometimento de recursos de ressarcimento devidos ao Sistema pelas operadoras de planos de saúde.

As operadoras de planos de saúde enveredaram durante anos batalha judicial para questionar a constitucionalidade e legalidade do artigo 32 da Lei nº 9.656, de 1998.

O dispositivo determina que os planos de saúde devem ressarcir os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do SUS. Assim, se um usuário de plano de saúde é atendido pelo SUS, os valores despendidos são ressarcidos ao Sistema pela operadora de plano de saúde, por meio de cobrança da própria Agência Nacional de Saúde e, quando judicializada, por meio da atuação da Advocacia-Geral da União.

A previsão normativa de ressarcimento ao SUS foi reconhecida e firmada como constitucional e legal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral, tema 345. Assentou o STF que “é constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei 9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4/6/1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos”.

O problema que se levanta é justamente o comprometimento do ressarcimento ao SUS em razão da expansão dos limites da coparticipação. Isto porque o valor correspondente à coparticipação, a cargo do usuário, não é computado para fins de ressarcimento. O impacto sobre o SUS pode ocorrer de duas formas. A primeira, intuitiva economicamente, é transferir para o SUS procedimentos que antes seriam realizados por conta dos planos de saúde. Afinal, o usuário, sabedor da maior carga participativa no custo, tenderá a recorrer ao sistema público para procedimentos com maior cobrança ou para o qual tenha que arcar com valores participativos para os quais não esteja disposto ou simplesmente não tenha condições econômicas.

A segunda forma de impacto e aqui posta em foco é justamente o decréscimo do ressarcimento, comprometendo valores destinados ao SUS. Ao elevar os valores de coparticipação, há automática redução do valor devido de ressarcimento ao SUS. As operadoras deixam de cumprir a obrigação legal de ressarcimento justamente porque não têm obrigação de cobertura sobre os valores a cargo dos usuários, conforme sustentam judicialmente, impactando no Sistema, que passa a arcar completamente com o atendimento.

Não se entra aqui no mérito do ressarcimento em si. A questão está solidificada no Supremo Tribunal Federal. O ponto de definição é justamente que elevação da coparticipação consiste em via transversa que compromete a teleologia normativa do artigo 32 da Lei n. 9.656/98, além de sobrecarregar o sistema público de saúde. Os efeitos econômicos serão contundentes. A estimativa de planos de saúde em que há coparticipação indica quantitativo superior a 25 milhões de beneficiários.

A ampliação dos limites de coparticipação não implica assim apenas afetação de relações privadas, implica também impacto orçamentário e de gestão nos recursos o sistema público de saúde. A combalida destinação de recursos orçamentários para atendimento e satisfação do direito subjetivo público de políticas públicas de saúde é afetado diretamente, com drenagem que não foi posta em estudo quando aos impactos econômicos e financeiros que serão provocados.