Antes de incorporar um novo medicamento ou tecnologia ao rol dos planos de saúde, é importante levar em conta o orçamento dos estados e das operadoras de assistência médica, sem deixar de garantir à população o direito à saúde.

O equilíbrio entre esses diferentes interesses é o que vai garantir a sustentabilidade dos sistemas de saúde, segundo especialistas no assunto que participaram do debate “Acesso a medicamentos e o risco à sustentabilidade do sistema de saúde”, da Jornada Jurídica da Saúde Suplementar, realizada nesta quinta-feira (26/5).

O evento foi organizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), em parceria com o Colégio Permanente de Diretores de Escolas de Magistratura (Copedem) e transmitido pela TV ConJur. A mediação foi feita pelo presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), desembargador Sebastião Ribeiro Martins.

Cerca de 50 milhões de pessoas no Brasil são beneficiárias de planos de assistência médica, de acordo com a Agência Nacional de Saúde (ANS). O número de beneficiários alcançou a marca de 48.995.883 em dezembro do ano passado — um aumento de 0,58% em relação a novembro.

Para a especialista em saúde suplementar e professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Ana Carolina Maia, a relação entre prestadoras de planos de saúde e consumidores é “repleta de assimetrias”.

De um lado, diz a economista, há os beneficiários, sem condições ou interesse em pagar altas taxas pela assistência médica privada. Do outro, as operadoras de planos de saúde, com preços cada vez mais caros.

Nesta quinta, a ANS autorizou reajuste de 15,5% aos planos de saúde individuais e familiares. É o maior percentual de reajuste anual autorizado pela agência desde 2000, quando a série histórica teve início — o maior havia sido de 13,57%, em 2016.

“Essa relação assimétrica nos leva a concluir que é necessário regular o que vai estar dentro das cestas de saúde, e isso precisa ser feito de forma a contemplar os anseios de ambas as partes”, afirma Maia.

“Isso significa que vamos precisar deixar de incorporar tecnologias que custam caro ou salvam vidas? De maneira nenhuma”, diz ela. “Vamos continuar incrementando esse rol, mas teremos de fazer escolhas entre algumas tecnologias”.

O advogado e gerente da Assessoria Normativa da ANS Samir Martins explica que, embora não sejam imediatos, os custos atrelados à incorporação de novas tecnologias e remédios aos sistemas de saúde é um dos fatores que interferem no índice de reajustes dos planos de assistência médica.

“É preciso lembrar que, cada vez que uma nova tecnologia é incorporada e cada vez que um juiz concede uma ordem judicial para que uma nova cobertura seja dada para além deste rol, esse custo vai, em algum momento, ser repassado para toda sociedade”.

Os dois especialistas consideram que a principal ferramenta disponível para assegurar a sustentabilidade dos sistemas de saúde no país é a Avaliação da Tecnologia em Saúde (ATS).

Etapa anterior à incorporação de uma nova tecnologia ou remédio ao rol dos planos de saúde, a avaliação inclui a análise da eficiência e do impacto econômico, além da realização de estudos comparativos dos benefícios de um novo medicamento em relação aos fármacos já disponíveis. A avaliação é feita pela ANS e pelo Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde (Cosaúde).

Decisões políticas
A ATS, contudo, não é a solução para todos os problemas envolvendo essa discussão, diz Martins. Há duas questões políticas cuja técnica não é capaz de resolver por si só, segundo o advogado. “Primeiro, é preciso decidir quanto nós aceitamos gastar com saúde, o que é uma decisão dramática, porque o orçamento das empresas e famílias é escasso”.

“Depois, uma vez que isso é definido, é preciso decidir com quais situações aceitamos gastar. Vamos aceitar gastar mais ou menos nos casos de remédios para tratamento de doenças raras, por exemplo? É muito interessante atacar doenças raras com as tecnologias mais avançadas, mas ainda se morre no Brasil por doenças infecciosas, que têm tratamento simples e barato”, aponta o gerente da ANS. “O mesmo dinheiro que falta para uma coisa, falta para a outra”.

Qualquer pessoa pode solicitar à ANS a incorporação de um novo remédio ou tecnologia no rol dos planos de saúde. Entre outras coisas, é necessário apresentar uma justificativa para o pedido, além de evidências científicas, eficácia, segurança e relação custo-efetividade do produto.

Segundo Martins, muitas tecnologias deixam de ser incorporadas pela agência reguladora porque o benefício que trariam não compensaria o custo social que seria agregado ao sistema.

“Existem medicamentos de altíssimo custo que podem quebrar o sistema”, enfatiza o ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino.

No STJ
O magistrado afirma que discussões ligadas à saúde suplementar são “uma grande preocupação” das seções de direito privado da corte, o que é demonstrado pela alta proporção de temas afetados ao rito dos recursos repetitivos relacionados ao assunto. “Estamos, talvez, dentro de um dos temas mais delicados atualmente, não só no plano jurídico como social”.

“Há uma preocupação geral dos ministros do STJ da seção de direito privado com o equilíbrio do sistema em três grandes perspectivas: de um lado, a questão das operadoras e planos de saúde; do outro, os usuários; e, de outro, prestigiar a regulação da ANS”, diz o ministro.

Para Sanseverino, membro da 3ª Turma do STJ, o aumento da expectativa de vida — proporcionado em parte pelos avanços tecnológicos na área da saúde — e o avanço do acesso à informação justificam o alto número de pessoas reivindicando na Justiça o acesso a medicamentos, especialmente os de alto custo.

A solução para chegar a um consenso nesses casos, que geram controvérsias dentro do próprio STJ, é o diálogo, diz ele. “Precisa haver um diálogo entre operadores de planos de saúde, os usuários, a academia, e a magistratura. Tem de ser uma solução razoável e que seja interessante tanto para o indivíduo pessoalmente quanto para a sociedade, já que o bem comum é muito relevante”.

O evento foi iniciativa do JurisHealth, plataforma do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) voltada para informações jurídicas e regulatórias da saúde suplementar.