Eric Topol ficou preocupado quando viu pela primeira vez os exames de imagem dos pulmões de pessoas infectadas pela covid-19 a bordo do Diamond Princess, um navio de cruzeiro no qual os tripulantes ficaram em quarentena na costa do Japão nas primeiras semanas da pandemia.

Um estudo realizado com 104 tripulantes revelou que 76 deles estavam infectados pelo novo coronavírus, mas eram assintomáticos. Desse grupo, a tomografia computadorizada mostrou que 54% apresentavam anormalidades pulmonares — manchas cinza pegajosas conhecidas como opacidades em vidro fosco que sinalizam o acúmulo de fluido nos pulmões.

As tomografias eram “perturbadoras”, escreveu Topol, fundador e diretor do Instituto Translacional de Pesquisa Scripps, junto com o coautor do estudo, Daniel Oran, a uma revisão narrativa dos casos assintomáticas publicada no periódico Annals of Internal Medicine. “Se confirmada, a informação sugere que a ausência de sintomas pode não significar necessariamente a ausência de danos à saúde.”

Os Estados Unidos registraram quase 40 milhões de infecções por covid-19 desde o início da pandemia. Um outro estudo recente estima que surpreendentes 35% de todas as infecções por covid-19 são assintomáticas. “É por isso que é importante saber se a ausência de sintomas é uma vulnerabilidade”, explica Topol.

Mas Topol diz que não viu nenhum outro estudo relacionado a anormalidades pulmonares em pessoas assintomáticas em mais de um ano e meio desde que os casos do navio Diamond Princess foram registrados. “É como se tivéssemos deixado essa questão de lado.”

Ele argumenta que quadros assintomáticos não recebem a devida atenção em meio à corrida para tratar quadros graves e desenvolver vacinas para preveni-los. Em razão disso, os cientistas ainda não sabem quais são as possíveis consequências das infecções assintomáticas — ou quantas pessoas podem estar sofrendo com essas consequências.

Mas há um obstáculo que preocupa os cientistas e que pode impedi-los de compreender a real dimensão do problema: a extrema dificuldade em identificar a quantidade de pessoas que apresentaram quadros assintomáticos. “Provavelmente existe um grupo de pessoas que tiveram casos assintomáticos, mas nunca fizeram o teste, então nem sabem que tiveram covid-19”, explica Ann Parker, professora assistente de medicina da Universidade Johns Hopkins e especialista em tratamento pós-covid-19 aguda.

Ainda assim, há algumas evidências de que casos assintomáticos podem causar sérios danos em alguns pacientes, como coágulos sanguíneos, danos ao coração, distúrbios inflamatórios e covid-19 persistente — síndrome marcada por uma série de sintomas que vão de dificuldades respiratórias a névoa cerebral e que permanecem após a infecção por covid-19. Veja o que os cientistas sabem até agora sobre os efeitos de casos assintomáticos de covid-19 e o que eles ainda estão estudando.

Miocardite e coágulos sanguíneos

Assim como os exames de imagem revelaram danos aos pulmões de indivíduos com infecções assintomáticas, radiografias de tórax também mostraram alterações no coração e no sangue de pessoas com infecções assintomáticas — inclusive coágulos sanguíneos e inflamação.

O periódico Thrombosis Journal e outras publicações descreveram vários casos de coágulos sanguíneos nos rins, pulmões e cérebros de pessoas que não apresentaram quaisquer sintomas. Quando esses coágulos, que têm um aspecto gelatinoso, bloqueiam as veias, eles impedem que um órgão receba a quantidade de sangue necessária para o seu funcionamento — o que pode causar convulsões, derrames, ataques cardíacos e óbito.

Houve relativamente poucos registros de casos como esse e ainda não foi confirmado se as possíveis causas dos coágulos nos pacientes foram outros problemas subjacentes. Mas os pesquisadores do estado de Washington, que registraram um caso de coágulo sanguíneo renal, escreveram que o quadro “sugere que o trombo incomum em pacientes assintomáticos pode ser um resultado direto da infecção por covid-19. Isso é um alerta para que os médicos do atendimento de emergência passem a considerar casos trombóticos sem causas aparentes como uma evidência de infecção por covid-19”.

Além disso, estudos também sugerem que infecções assintomáticas podem causar danos ao coração. Em maio, exames de ressonância magnética cardíaca de 1,6 mil atletas universitários com teste positivo para covid-19 revelaram evidências de miocardite, ou inflamação do músculo cardíaco, em 37 jovens — 28 dos quais não apresentavam nenhum sintoma, afirma Saurabh Rajpal, especialista em doenças cardiovasculares da Universidade do Estado de Ohio e principal autor do estudo.

A miocardite pode causar sintomas como dor no peito, palpitações e desmaios — mas às vezes não produz nenhum sintoma. Rajpal diz que, embora os atletas do estudo não apresentassem nenhum sintoma de miocardite, “as alterações na ressonância magnética foram muito parecidas com as de alunos que apresentavam miocardite clínica ou sintomática”.

Embora os resultados dessas radiografias de tórax sejam preocupantes, Rajpal afirma que os cientistas ainda não sabem quais são os efeitos que podem ter na saúde de pacientes assintomáticos. É possível que a miocardite desapareça com o tempo — talvez até antes de os pacientes saberem de sua condição — ou pode evoluir para um problema de saúde mais grave com o tempo. Estudos de longo prazo são necessários para descobrir isso.

A inflamação do coração dos atletas também pode não estar totalmente relacionada à infecção por covid-19. Os cientistas precisariam comparar as radiografias com outras realizadas antes de um indivíduo contrair covid-19. Portanto, diz Rajpal, essa questão ainda precisa ser esclarecida.

Covid-19 persistente

Além disso, pessoas com infecções assintomáticas correm o risco de desenvolver os chamados quadros de covid-19 persistente, uma síndrome difícil de ser definida com exatidão, pois pode incluir qualquer combinação de sintomas diversos e muitas vezes sobrepostos, como dor, dificuldades respiratórias, fadiga, névoa cerebral, tontura, distúrbios de sono e hipertensão.

“Há um mito por aí de que isso ocorre apenas em casos graves de covid-19, mas é evidente que ocorre com muito mais frequência em casos moderados”, diz Topol.

Linda Geng, codiretora da Clínica de Síndrome Pós-Covid-19 Aguda do hospital Stanford Health Care, concorda. “Não há nenhum indicativo da gravidade dos sintomas na fase aguda ou da probabilidade de ser acometido pela covid-19 persistente”, diz ela. “E o quadro persistente pode ser bastante debilitante, e ainda não temos a solução para aqueles que sofrem com essa síndrome.”

Os estudos que avaliam quantas infecções assintomáticas podem ser responsáveis pelos sintomas da covid-19 persistente variam. A FAIR Health, organização norte-americana sem fins lucrativos, descobriu a partir de uma análise que cerca de um quinto dos pacientes assintomáticos apresentam quadros de covid-19 persistente. Outro estudo, que está sendo revisado por pares, usou dados dos registros eletrônicos da Universidade da Califórnia e estimou que esse número poderia chegar a 32%.

Melissa Pinto, coautora desse último estudo e professora associada da Escola de Enfermagem Sue & Bill Gross, da Universidade da Califórnia, na cidade de Irvine, relata que os pesquisadores examinaram registros médicos de pessoas que testaram positivo para a covid-19, mas estavam assintomáticos no momento da infecção. Porém, um tempo depois, esses pacientes vieram a apresentar sintomas associados à covid-19 persistente. Para garantir que a identificação dos pacientes com a síndrome, os pesquisadores investigam pacientes com uma doença preexistente que pudesse explicar seus sintomas posteriores.

“Esses sintomas não provêm de outra doença crônica”, reitera ela. “São sintomas novos.”

Mas a precisão dessas estimativas ainda não foi comprovada. Pinto afirma que alguns pacientes acometidos pelo quadro de covid-19 persistente temem procurar atendimento depois de terem seus sintomas descartados por médicos que ainda não estavam familiarizados com a síndrome. É por isso que ela acredita que as taxas de infecções assintomáticas entre esses pacientes são subestimadas.

Curiosamente, Geng e Parker relatam que, embora tenham visto muitos pacientes com sintomas leves e quase imperceptíveis, eles tiveram pouca experiência no tratamento de pacientes realmente assintomáticos.

“Tivemos contato com muitos pacientes que achavam que não haviam apresentado sintomas, mas, por terem testado positivo, atribuíram sintomas do passado à infecção de covid-19”, diz Geng. “Como tiveram sintomas do que se presume ser um quadro de covid-19 persistente, eles pensam: ‘bem, talvez não tenha sido uma alergia’”.

Mas ela acredita que a maioria das pessoas assintomáticas provavelmente não tenha feito o teste e, portanto, não pensaria em consultar um especialista no tratamento pós-covid-19 se começasse a sentir sintomas repentinos, como névoa cerebral e tontura.

Parker diz que, em última análise, os médicos ainda estão tentando entender os sintomas gerais observados em pacientes que apresentam quadro de covid-19 persistente. “Quando um paciente vem nos consultar, fazemos uma avaliação muito completa porque ainda não sabemos exatamente o que atribuir à infecção de covid-19 e o que pode ser uma síndrome subjacente preexistente”, explica a professora. “A última coisa que quero que aconteça é dizer a um paciente que as causas dos sintomas são a covid-19 e não descobrir algum outro problema que poderia ser resolvido.”

Inflamação misteriosa em crianças

Os médicos também observaram manifestações clínicas preocupantes de covid-19 em crianças assintomáticas. No início da pandemia, surgiram relatos de uma síndrome inflamatória rara e misteriosa, semelhante à doença de Kawasaki, que normalmente se instala semanas após uma infecção primária.

“Seis semanas depois, essas pessoas, especialmente crianças, desenvolverão inflamação em todo o corpo”, diz Rajpal.

A condição — agora chamada de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, ou SIM-P — geralmente causa febre, erupção cutânea, dor abdominal, vômito e diarreia. Pode ter efeitos nocivos em vários órgãos, causando desde dificuldade cardíaca para bombear sangue a cicatrizes pulmonares. É geralmente observada entre crianças com menos de 14 anos, embora alguns adultos também tenham sido diagnosticados com esta síndrome.

A SIM-P é extremamente rara. Kanwal Farooqi, professora assistente de pediatria da Faculdade Vagelos de Médicos e Cirurgiões, da Universidade de Colúmbia, observa que menos de 1% dos pacientes pediátricos de covid-19 apresentam algum tipo de doença crítica — e SIM-P é apenas uma delas. No entanto infecções assintomáticas têm uma função na síndrome: um estudo recente que observou 1.075 crianças que foram diagnosticadas com SIM-P revelou que três quartos dessas crianças haviam tido infecção assintomática quando infectadas pela covid-19.

Mas há motivos para acreditar que essa síndrome não causará efeitos de longo prazo nos pacientes, sejam sintomáticos ou não. Farooqi foi a autora principal de um estudo recente de 45 pacientes pediátricos mostrando que a maioria dos problemas cardíacos das crianças — que variavam de válvulas com vazamento a artérias coronárias aumentadas — foram resolvidos em seis meses.

“Isso é tranquilizador”, diz Farooqi. Ainda assim, ela recomenda a realização de exames de ressonância magnética de acompanhamento mesmo para pacientes que tenham seus problemas cardíacos aparentemente resolvidos, para certificar que não haverá danos a longo prazo, como cicatrizes. Ela também aponta que é “bastante sensato” ter cuidado com infecções assintomáticas e encoraja os pais a avaliarem seus filhos caso apresentem algum sintoma persistente, mesmo que o quadro seja leve ou assintomático.

“O importante é que sabemos que não podemos mais dizer que não existem consequências”, ressalta Farooqi.

Mais estudos são necessários

Os cientistas alertam que ainda há muita informação desconhecida sobre os danos que infecções assintomáticas podem causar. Muitos pediram estudos mais rigorosos para entender melhor os efeitos de longo prazo de quadros assintomáticos, as causas desses efeitos e como tratá-los.

Rajpal ressalta que seu estudo só foi possível porque a conferência atlética Big 10 exige que os atletas façam o teste regularmente. Rajpal observa que testes regulares são essenciais para descobrir casos assintomáticos, o que significa que a maioria dos dados sobre quadros assintomáticos provavelmente virá de profissionais da saúde, atletas e outros locais de trabalho com rigorosos protocolos de testes.

Também não se sabe o que pode estar causando esses efeitos colaterais persistentes. Os cientistas levantam a hipótese de que pode ser uma resposta inflamatória do sistema imunológico que perdura muito tempo depois de uma infecção já ter sido eliminada do organismo. Outros sugerem que pode haver vestígios do vírus remanescentes no corpo que continuam a desencadear uma reação imunológica meses após o pico da infecção por covid-19.

“Nada disso foi mapeado ou comprovado, são apenas teorias”, diz Topol.

No entanto, mesmo que as infecções assintomáticas não estejam associadas a um alto índice de óbito e hospitalização, Pinto e outros profissionais alertam que é importante ter em mente que os sintomas da covid-19 persistente podem ser debilitantes para a qualidade de vida do paciente.

“Mesmo que as pessoas sobrevivam, não queremos que tenham uma doença crônica para o resto da vida”, diz Pinto. “Não sabemos o que isso pode causar ao corpo, então não é algo para se arriscar.”

O resultado final

Por sabermos ainda tão pouco sobre os efeitos de longo prazo causados por quadros assintomáticos de covid-19, os cientistas alertam que é melhor errar pelo excesso de cautela.

“O verdadeiro impacto pode levar anos para surgir”, diz Rajpal. Embora sejam mínimas as chances de um indivíduo com infecção assintomática ter uma síndrome posterior muito prejudicial, ele ressalta que a alta taxa contínua de infecções significa que mais pessoas sofrerão.

“Até mesmo condições consideradas raras podem começar a afetar muitas pessoas”, observa Rajpal. “Do ponto de vista da saúde pública, se é possível reduzir o número de pessoas infectadas pela covid-19, é possível reduzir o número de pessoas que apresentariam quadros graves da síndrome.”

Parker concorda, acrescentando que é neste momento particularmente importante prevenir a infecção, já que a variante Delta, mais transmissível, está levando picos de casos e hospitalizações em todos os Estados Unidos.

“Tivemos um avanço incrível em termos de rápido desenvolvimento de vacinas eficazes e seguras”, diz ela. Embora Parker e outros cientistas permaneçam incertos quanto aos efeitos para a saúde das pessoas que apresentam quadros assintomáticos de covid-19, “sabemos que as vacinas são seguras, eficazes e estão disponíveis”.