A inflação dos custos em saúde representa um desafio mundial para as operadoras de Saúde Suplementar. Não só no Brasil, mas também em mais de 90 países, operadoras tentam conter o avanço da chamada Variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH), puxada por modelos inadequados de pagamento de prestadores, incorporação de novas tecnologias e de coberturas- em geral, muito mais elevadas que as anteriores – e envelhecimento da população (e prevalência de doenças crônicas). Em todo o mundo, a VCMH supera, com folgas, a inflação oficial dos países.

O receituário comum para minar a escalada dos preços existe: as soluções sistêmicas para toda a cadeia envolvem mudanças no modelo de pagamento aos prestadores – fim do fee for service (pagamento por volume) e adoção do pagamento por desempenho/valor – uso mais racional dos planos, incluindo franquias; e comprovada efetividade das novas tecnologias, além de preços acessíveis, antes de sua incorporação por governos e reguladores, como, aliás, já recomenda a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), preocupada com o risco de sustentabilidade dos sistemas públicos e privados de saúde diante da inflação médica.

O Brasil vive um período de inflação em queda. O acumulado nos últimos 12 meses ficou em 2,76% até abril de 2018, segundo o IPCA/IBGE. Mas essa redução não é transmitida para os custos de saúde.

Calculada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a VCMH/IESS aponta crescimento nas despesas de assistência à saúde bem maior que o aumento geral de gastos calculado pelo IPCA. O índice serve de referência para o reajuste anual das mensalidades dos planos de assistência à saúde.

O modo de cálculo dessas duas inflações é fundamental para explicar a disparidade entre os percentuais. O IPCA leva em conta apenas a variação de preços de produtos e serviços. A VCMH calcula não só o aumento do custo de consultas médicas, exames, internações hospitalares e terapias, mas também a frequência com que cada serviço é utilizado.

O aumento dos gastos na assistência à saúde acontece, entre outros fatores, pelo envelhecimento natural da população e pelo uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas. E, ao contrário de outros setores, onde a tecnologia leva à diminuição de custos, na saúde a sofisticação de equipamentos gera mais despesas – com aquisição, manutenção e pessoal altamente especializado.

O IPCA verifica a variação de preços dos alimentos à passagem de avião. Nos custos médico-hospitalares, existem as variações dos preços, mas também das quantidades, pois o aumento da frequência tem peso importante nos custos – explica o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio e pesquisador do setor de saúde suplementar.

A “inflação médica” tem superado anualmente o teto de reajuste dos planos de assistência médica fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em dezembro de 2016, por exemplo, a VCMH dos 12 meses anteriores chegou a 20,4%. Para o mesmo período, o IPCA ficou em 6,29%.

A ANS fixou, para o período de maio de 2017 a abril de 2018, um teto de 13,55% para reajuste dos planos individuais ou familiares, que atingem 8,1 milhões de beneficiários, ou 17% dos 47,4 milhões de usuários de planos do País. Os reajustes são feitos de acordo com o mês de aniversário da contratação do plano.

A presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz Palheiro Mendes, diz que as mensalidades são resultado de um acúmulo de custos.

A reclamação geral é de que os reajustes das mensalidades estão muito acima da inflação oficial, o que é verdade. No caso da saúde, os gastos variam com os preços dos materiais, medicamentos e serviços, mas também com a frequência da utilização e os novos itens incluídos pelas novas tecnologias. Trata-se de um efeito dominó que deságua nos valores das mensalidades – pondera Solange.

A presidente da FenaSaúde diz ainda que, nos últimos anos, em consequência da recessão econômica, o número de usuários de planos de saúde diminuiu, mas a frequência do uso de serviços aumentou significativamente:

O volume de procedimentos médicos realizados pela saúde suplementar em 2016 aumentou 6,4% em relação a 2015, totalizando 1,465 bilhão de procedimentos ou quatro milhões por dia. Entretanto, em 2016 houve perda de 1,5 milhão de beneficiários.

Operadoras de planos privados de assistência à saúde apontam outros fatores para o aumento de custos, como o excesso de internações e exames.

A principal forma de remuneração dos serviços médicos é o pagamento por volume de procedimentos realizados. Esse modelo é criticado por estimular a superutilização dos recursos da medicina e a migração para materiais mais caros, mesmo que não façam diferença no resultado – ressalta Solange.

Outra interferência na inflação médica é que, a cada dois anos, novos procedimentos e medicamentos são incluídos na lista de cobertura básica obrigatória dos planos de saúde da ANS.

Neste caso, não há clareza se alguns itens foram incluídos corretamente, e se de fato resultam em benefícios significativos. Outra questão são os recursos à Justiça, que muitas vezes determinam a inclusão de procedimentos que não estavam no contrato firmado entre a operadora e o usuário – pontua Flávio Bitter, diretor técnico e de produtos da Bradesco Saúde e vice-presidente da FenaSaúde.

Dividir os riscos é a solução

Para o economista Luiz Roberto Cunha, os planos de assistência médica deveriam estar baseados no mutualismo, em que muitos participantes dividem os riscos. No Brasil, porém, é crescente a participação de idosos (pessoas com maior risco) nos planos, enquanto a adesão de jovens diminuiu. Dados da FenaSaúde mostram que, entre março de 2016 e o mesmo mês de 2017, houve aumento de 1,6% no número de usuários de planos privados de assistência médica com 59 anos ou mais de idade, e redução no número de clientes nas faixas de zero a 18 anos (menos 2,6%), de 19 a 23 anos (menos 4,8%) e de 24 a 28 anos (menos 6,6%).

O sistema depende de um grande número de participantes para dividir o risco. Mas acaba ficando sobre os que têm mais risco. É uma questão mais complexa e mais difícil que a Previdência Social. Todo empregado paga compulsoriamente o INSS. No caso dos planos de assistência médica, os jovens tendem a não entrar – compara Cunha.

O superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro, cita medidas adotadas na Europa, nos EUA, na Austrália e na África do Sul para reduzir o custo médico-hospitalar, como a definição de valores fixos que as operadoras pagam aos hospitais em caso de internação. O valor é predeterminado segundo grupos de diagnóstico, idade e classificação de risco dos pacientes.

Nosso modelo de remuneração incentiva o desperdício e o aumento de custo. Mas temos consciência de que esta mudança faz parte de uma agenda estruturante, com todas as ações que o Brasil precisa para se modernizar nos próximos anos. As coisas não vão mudar do dia para a noite – conclui Luiz Augusto