As internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em crianças e adolescentes apresentaram um avanço de 24% na média diária entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano em todo o Brasil, mostram dados do Ministério da Saúde. Na esteira da disparada nacional da Covid-19, em que a SRAG aparece como uma das principais consequências, preocupa o salto entre os mais novos: enquanto 128 crianças entre 0 e 4 anos foram internadas em média por dia no mês de dezembro, esse número saltou para 171 em fevereiro, um crescimento de 34%. As demais faixas etárias, de 5 a 9 anos e de 10 a 14 anos, também registraram aumentos, de 15% e 7%, respectivamente.

Os dados do Ministério da Saúde foram processados por matemáticos da InfoTracker, uma plataforma criada por USP e Unesp para monitorar o avanço da pandemia no Brasil. Em São Paulo — estado que lidera o ranking de casos e mortes em decorrência do coronavírus —, a realidade que na primeira onda da Covid-19 atingia mais idosos e adultos já deixa rastros entre os mais novos.

— Os dados de dezembro são menores porque ainda não tinha as festas de fim de ano, então se refletiu em janeiro e fevereiro, claramente. Um aumento de 34% significa um terço a mais de crianças doentes a cada 100, em apenas um mês. É muita coisa — explica Wallace Casaca, cientista de dados e um dos desenvolvedores da plataforma.

Para Renato Kfouri, pediatra especializado em infectologia, a Covid-19, apesar do surgimento de novas variantes, ainda acomete menos as crianças, com taxas menores de internação e óbito do que nas outras faixas de idade. Mas, com o aumento geral de infecções que vivemos no Brasil, também deve se tornar mais comum observar o adoecimento dos pequenos.

Os quatro hospitais públicos dedicados exclusivamente ao atendimento de crianças e adolescentes na Grande SP estão caminhando para o limite. O Hospital Infantil Cândido Fontoura, na Zona Leste da capital, teve um aumento de 119% nas hospitalizações médias por dia na comparação entre janeiro e março, de acordo com levantamento da InfoTracker, com base nos dados do governo estadual.

No Hospital Municipal da Criança e do Adolescente de Guarulhos, na Grande SP, o salto foi de 114% no mesmo período. O Hospital Infantil Darcy Vargas, na Zona Sul de SP, teve um aumento de 13%. No Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, houve uma queda de 20% no período, no entanto, a ocupação da UTI da unidade nesta sexta-feira chegou a 100%, de acordo a Secretaria Municipal de Saúde.

O hospital privado Sabará, outra referência no atendimento de 0 a 17 anos em São Paulo, também observou uma disparada nas demandas, puxada principalmente por casos de bronquiolite, doença que costuma aparecer no final de fevereiro entre os pequenos e tem seu pico entre março e maio. No pronto-socorro do local, o número de atendimentos para esse problema subiu 185% e as internações cresceram 254% entre janeiro e fevereiro de 2021.

Falta de pediatra

A angústia de não conseguir atendimento hospitalar para o filho diante do caos no sistema de saúde foi vivenciada pela agente de telemarketing Lidiane de Andrade, de 37 anos. O filho Sirius, de 3 anos, voltou a frequentar a creche em 15 de fevereiro, mas na última quarta-feira teve febre. Como Lidiane havia recebido um comunicado da escola de que duas crianças estavam com suspeita de Covid-19, achou melhor procurar uma UBS.

— Na quinta-feira, além da febre ele começou a ter coriza e a reclamar de dor de cabeça. Contatei a agente de saúde e ela me orientou a ir para o Hospital Menino Jesus, porque a UBS estava lotada e não tinha pediatra para atender.

Chegando ao pronto-socorro do hospital municipal, teve sorte de o filho não precisar de um leito de UTI, uma vez que a ocupação estava em 100%. O filho foi medicado, voltou para casa e agora aguarda de 10 a 14 dias o resultado do teste para saber se está ou não com Covid.

— A médica ficou muito brava porque eu fui mandada para lá, disse que as UBSs não deveriam fazer isso porque além de Covid tem outras infecções. No dia ela medicou meu filho e me disse que tinha cerca de 60 crianças esperando por um leito de UTI, e que se ele precisasse de atendimento não teria vaga. Se fosse preciso, acho que eu teria que chorar, fazer um escândalo. A sensação é sempre muito ruim. Bate uma raiva na hora — conta Lidiane.