Realizado pelo Insper por encomenda do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o primeiro levantamento em escala nacional sobre a judicialização da saúde apontou um aumento de 130% dos litígios em 10 anos, em desproporção ao já acentuado crescimento da judicialização em geral (50%). Em sete anos, só o Ministério da Saúde aumentou em 13 vezes os gastos com judicialização, despendendo por ano mais de R$ 1,6 bilhão.

O CNJ propõe algumas prescrições para racionalizar o cumprimento dos direitos constitucionais, preparando os magistrados para lidar com o aumento das demandas judiciais na área da saúde, assim como com a sensibilidade social e emocional envolvida nelas, a complexidade do ordenamento jurídico sanitário e o conhecimento das políticas públicas mais relevantes.

A pesquisa apontou baixíssimo grau de utilização, nas sentenças judiciais, das normas padronizadas pelo CNJ na área, assim como dos protocolos dos Núcleos de Avaliação de Tecnologias da Saúde, comissões multidisciplinares formadas justamente para subsidiar tecnicamente os tribunais.

No campo das políticas públicas, as principais propostas são a familiarização da população com a legislação e políticas públicas sanitárias, a articulação entre os protagonistas na judicialização da saúde, a incorporação de novas tecnologias, o fomento às varas especializadas e o acesso a dados judiciais nos tribunais. Em especial, a promoção de sistemas extrajudiciais de mediação, como câmaras de conciliação da saúde e comitês estaduais, evitaria litígios longos e custosos para todas as partes.

Apesar de apresentar esses remédios aos sintomas, o que a pesquisa não faz (e nem pretende) é atacar a etiologia da doença. Mas o diagnóstico é bem conhecido.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o governo brasileiro destina à saúde 7,7% do seu Orçamento, índice próximo ao da África (6,9%) e abaixo da média mundial, de 9,9%. Dos gastos com a saúde no Brasil, 46% vêm do governo, com dinheiro do contribuinte – que arca diretamente com os outros 54%. A média mundial é de 61% para os governos e 39% para os cidadãos.

No sistema de saúde privado, o número de usuários cresce mais do que a rede privada de médicos, hospitais e laboratórios. Segundo dados da Federação Brasileira de Hospitais, entre 2010 e 2017 a rede hospitalar perdeu 430 unidades, afetando sobretudo as cidades do interior e a Região Nordeste. Os hospitais privados perderam 10% de seus leitos (31,4 mil unidades). Só para sanar esse déficit, será necessário um gasto da ordem de R$ 30 bilhões.

Ao mesmo tempo, sobem os custos de planos de saúde, tratamentos e exames. A consequência é o aumento de litígios dos usuários contra a demora nos atendimentos e principalmente a recusa à cobertura dos planos de saúde.

Mas de longe as maiores causas e consequências do mal-estar estão no setor público, que atende os três quartos da população incapazes de custear planos privados. Há décadas o sistema público sofre com a defasagem no reajuste da tabela de procedimentos do SUS, que cobre apenas 60% dos custos, sendo os 40% restantes cobertos pelas Santas Casas e por hospitais filantrópicos, responsáveis por mais da metade dos atendimentos do sistema público.

A remuneração média paga pelos planos de saúde chega a ser 1.284% maior do que os honorários recebidos por profissionais dos hospitais conveniados ao SUS, os quais são obrigados a contrair dívidas ou fechar as portas

O problema se tornou agudo durante a gestão petista, que apostou na expansão dos planos de saúde e na diminuição dos investimentos no SUS, além de atrasar os repasses. Ao mesmo tempo que transferiu responsabilidades federais para vários programas municipais, a gestão petista diminuiu gradualmente os aportes aos Estados e municípios.

Desde o governo de Michel Temer tem-se tentado estancar essa hemorragia, com aportes e linhas de crédito à rede filantrópica. Mas, enquanto as questões estruturais, em especial o reajuste da tabela do SUS, não forem sanadas, a judicialização será uma consequência natural.