Os planos de saúde conseguiram um importante precedente contra uma prática adotada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS): a cobrança de juros de mora durante análise de processo administrativo de apuração de débito para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS). É a primeira sentença da Justiça Federal de São Paulo a considerar indevida a exigência, segundo especialistas.

Essa é uma discussão que ganhou importância depois de os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, terem considerado válida a cobrança pelo uso do SUS por clientes de planos de saúde. A medida está prevista no artigo 32 da Lei nº 9.656, de 1998. O julgamento foi realizado em fevereiro de 2018. As cobranças são feitas após a ANS cruzar as informações do Sistema Único de Saúde, sobre autorizações de internação hospitalar e de procedimentos ambulatoriais, com os dados de seus próprios sistemas.

Os valores envolvidos são altos. Entre 2001 e o primeiro semestre de 2020, último balanço divulgado, foram cobrados R$ 6,31 bilhões, que equivalem a 4 milhões de atendimentos realizados. Para contestar as cobranças, os planos de saúde recorrem aos processos administrativos, que hoje podem durar em média quatro anos. Porém, reclamam da exigência de juros de mora durante os procedimentos, estabelecida por meio da Resolução Normativa nº 358, de 2014. Para as empresas, a medida desestimula a apresentação de defesas, em afronta ao direito do contraditório e a ampla defesa.

A sentença favorável aos planos foi proferida recentemente pela 25ª Vara Cível Federal de São Paulo. Na decisão, o juiz Djalma Moreira Gomes entendeu que “qualquer encargo relativo à mora somente é devido a partir do momento em que a dívida se torna exigível, o que se dá com sua constituição definitiva, com o trânsito em julgado da decisão administrativa”. E acrescenta o magistrado: “Até porque os recursos no âmbito da ANS têm efeito suspensivo e o administrado não pode ser penalizado pelo fato de ter interposto recurso administrativo, por tratar-se do exercício regular de um direito”.

Na decisão, o juiz cita precedente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre, de 2019. O caso teve como relatora a desembargadora Vania Hack de Almeida. Ela considerou “incabível a incidência de juros de mora antes da decisão final administrativa, já que não há qualquer mora a ser imputada à parte que está exercendo o direito legitimo de discutir a penalidade aplicada”.

Até então, essa decisão do TRF era um dos raros precedentes a favor dos planos de saúde, segundo o advogado Carlos Augusto Leitão de Oliveira, do escritório Dagoberto Advogados, que defende a operadora. “Espero que esse posicionamento da Justiça Federal de São Paulo seja consolidado pela jurisprudência, trazendo segurança jurídica”, diz Oliveira.

Alex Castro, do Monteiro e Monteiro Advogados Associados, considera a exigência de juros de mora durante o processo administrativo um mecanismo que o Estado se utiliza para evitar que as cobranças por utilização do SUS sejam questionadas. “São processos longos. Penalizando a empresa por um direito dela de impugnar”, afirma. “Acaba refletindo no custeio do plano de saúde e se reflete para o consumidor.”

Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) afirma que irá recorrer da decisão e que “a possibilidade de fluência de juros de mora tendo como marco balizador o prazo para pagamento, mesmo que tenha havido impugnação, é medida que encontra respaldo no artigo 37-A da Lei nº 10.522, de 2002, incluído pela Lei nº 11.941, de 2009. O dispositivo estabelece que “os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais”.