A Unimed de Petrópolis (RJ) obteve na Justiça do Rio de Janeiro autorização para entrar em recuperação judicial. Esta é a primeira vez no país que uma cooperativa da área de saúde poderá utilizar o procedimento para reestruturar suas dívidas, que hoje somam cerca de R$ 20 milhões entre fornecedores e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A Lei nº 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial e a falência, proíbe que sociedades operadoras de plano de assistência à saúde, instituições financeiras, cooperativas de crédito e consórcios, dentre outros segmentos, utilizem o instrumento. Em razão da importância e interesse público dessas atividades, elas possuem procedimentos administrativos próprios estipulados em lei para as situações de insolvência.

Apesar dessa vedação legal, o juiz titular da 4ª Vara Cível, Jorge Luiz Martins Alves, entendeu que a Unimed Petrópolis Cooperativa de Trabalho Médico estaria apta a ter uma recuperação judicial por não se “adequar” à definição de cooperativa e hoje estar na categoria de atividade empresária.

O advogado que representa a Unimed no processo, Scilio Faver, do Vieira de Castro, do Mansur & Faver Advogados, afirma que a Lei 11.101 limita a possibilidade de uso da recuperação judicial apenas aos que se classificam como empresários. Segundo ele, o “fenômeno empresarial”, no entanto, deve ser avaliado como fato econômico e não jurídico.

Por essa razão, Faver defende que a atividade da Unimed é empresarial, uma vez que possui o mesmo nível de organização e faturamento de qualquer outra companhia. No primeiro semestre deste ano, exemplifica, a cooperativa faturou R$ 83 milhões. Além disso, a Unimed de Petrópolis possui um hospital próprio, atende 36 mil clientes e gera três mil empregos diretos e indiretos.

De acordo com o advogado, a dívida da Unimed com credores quirografários é de R$ 20 milhões, dos quais R$ 3,5 milhões com a ANS. Além desse montante, a cooperativa paga R$ 180 milhões de débitos tributários por meio de parcelamento dentro do Programa Especial de Regularização Tributária (Pert).

Outro argumento utilizado no processo é o de que a Lei de Recuperação Judicial e Falência viola o direito constitucional de acesso ao Judiciário daqueles que são expressamente proibidos de usarem o procedimento. Segundo Faver, as operadoras de plano de saúde se submetem a regime próprio que prevê a superação da crise econômica apenas por um procedimento administrativo, via ANS, que impede a atuação da Justiça nessas situações.

Se o regime administrativo não der certo, acrescenta o advogado, a única alternativa será a falência. “O que vale mais a pena, tentar judicialmente uma superação ou diante do fracasso de um procedimento administrativo acarretar a extinção da operadora de plano de saúde?”, questiona.

Na decisão (processo nº 0022156-21.2018.8.19.0042), o juiz afirma que o pedido da Unimed merece ser acolhido porque o critério de “empresariabilidade e a natureza econômica que são vetores identitários de suas atividade conforma a carta de alforria à aplicação das regras” que norteiam o instituto da recuperação judicial na forma e extensão concebidas pela Lei nº 11.101, de 2005.

O advogado especialista na área, Julio Mandel, da Mandel Advocacia, diz concordar com a decisão, uma vez que a cooperativa exerce atividade empresarial. “É o mesmo caso da flexibilização de jurisprudência em relação aos produtores rurais, cujas recuperações vêm sendo permitidas, desde que registrados previamente ao pedido na Junta Comercial.”

Para Mandel, porém, o ideal seria uma reforma legislativa para permitir que sociedades simples e cooperativas fossem autorizadas a pedir recuperação judicial, desde que comprovado o exercício de atividade empresária. A medida seria necessária, afirma, para conferir maior segurança jurídica e evitar recursos aos tribunais.

O advogado Guilherme Marcondes Machado, sócio do Marcondes Machado Advogados, também acredita que o rol de atividades aptas a pedir recuperação judicial deveria ser ampliado por lei. Já mudanças via jurisprudência, ele entende que geram insegurança ao mercado.

No caso concreto, Machado acredita que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro poderá reformar a decisão. De acordo com ele, tanto a Lei 11.101 quanto a norma que regula os planos de saúde (nº 9.656/98) vedam a possibilidade. Ele lembra que o artigo 23 da Lei 9.656 diz que as operadoras não podem requerer concordata, não estão sujeitas à falência ou insolvência civil, mas somente ao regime de liquidação extrajudicial.