Uma em cada quatro apelações distribuídas ao gabinete da desembargadora Christine Santini, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), tem os planos de saúde como parte em controvérsias como compra de medicamentos, realização de cirurgias e reajuste de valores. O dado foi apresentado pela magistrada no seminário Acesso à Justiça, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 21/05, para discutir fatores que influenciam o custo do litígio no Brasil e aumentam demandas judiciais.

Na tentativa de reduzir a litigância no setor, a magistrada propôs que o Judiciário colabore na criação de canais que aumentem a cooperação entre governo e cidadãos, no direito público, e entre os planos de saúde e beneficiários, no direito privado.

Santini sugeriu que as operadoras sejam mais proativas no cumprimento de decisões coletivas ou individuais. Por outro lado, ainda na avaliação da juíza, o Ministério da Saúde poderia rever deficiências burocráticas, melhorar a gestão do orçamento e evitar a negativa de medicamentos básicos. Da parte das agências reguladoras, Christiane Santini sugeriu a aplicação de penas para ações ajuizadas sem perspectiva de sucesso, chamadas de sham litigation.

Destacada no evento, uma das principais controvérsias na saúde envolve a compra de medicamentos. De acordo com relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), 53% dos gastos do Ministério da Saúde em aquisições por determinação da Justiça, de 2010 a 2015, se concentraram em três remédios: elaprase, naglazyme e soliris. De 2008 a 2015, os gastos da pasta com compra judicializadas saltou de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão, aumento de mais de 1.300%.

Diante desse quadro, o ministro do STJ Marcelo Navarro Ribeiro Dantas destacou que algumas demandas estruturais na área da saúde impõem escolhas entre a proteção de direitos e as limitações orçamentárias de políticas públicas. Em sua análise, quando o Judiciário determina a compra de drogas caras para tratar enfermidades complexas, a contrapartida é a redução do investimento no sistema de saúde em geral. “As demandas estruturais têm matérias muito técnicas e, em geral, o juiz individualmente não tem a macrovisão necessária [para decidir]. É preciso ter a visão da floresta e não apenas da árvore”, disse.

Para que os juízes estejam mais preparados para lidar com esse tipo de demanda, o ministro sugeriu o investimento em instrumentos de gestão processual, sobretudo no juízo de 1º grau. São exemplos a aplicação de redes neurais artificiais que sugiram precedentes aos magistrados e tragam informações necessárias para melhorar a tomada de decisão.

Ainda nesse sentido, o professor Kazuo Watanabe, da Universidade de São Paulo (USP), sugeriu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolva um observatório que estude as principais controvérsias. A equipe identificaria as causas dos conflitos que se repetem a fim de propor soluções que podem até evitar que as partes recorram à Justiça.

Em linha com estas soluções, a desembargadora do TJSP propõe que o Judiciário e agências reguladoras assumam a liderança para conscientizar magistrados, advogados, operadoras e beneficiários sobre as consequências da judicialização da saúde. Santini fez uma analogia com dois carros em rota de colisão: como as partes se recusam a cooperar, podem bater de frente. “[Isso] vai levar à desestruturação, à ruína completa do sistema de saúde”, alertou.