A maré de ações judiciais na área de saúde registra um aumento expressivo nos tribunais brasileiros. Mas, além das reclamações contra exclusão de cobertura de determinados procedimentos – consultas, internações e medicamentos -, os beneficiários dos convênios concentram o toco agora numa área igualmente sensível, principalmente nesses tempos de crise econômica: a cobrança, considerada abusiva, de reajustes das mensalidades pelas operadoras dos planos de saúde.

As decisões judiciais a seu favor são quase imediatas. Em Carmo (RJ), a juíza Flávia Poyares Miranda, da 30ª Vara Civil, deferiu, em menos de 48 horas, no fim de abril, uma liminar contra a Amil, beneficiando Helen Maria da Cruz, usuária de um plano individual desde 1997. A operadora teve de zerar o aumento da mensalidade, de R$ 760 para R$ 1,3 mil, estipulado em março, quando Helen completou 59 anos.

Em Santana de Parnaíba (SP), o empresário Ivan Garcia Sobrinho ganhou a batalha contra a Bradesco Saúde, que aumentou a mensalidade de um plano coletivo (Ivan e mais dois dependentes), de R$ 4,8 mil para R$ 9,5 mil, a partir de junho, também por ele ter completado 59 anos. “O aumento praticado é abusivo, porque o valor da mensalidade foi elevado em mais de 70%, sem nenhuma ampliação aparente nos serviços prestados”, disse ajuíza Cinara Palhares, ao conceder a liminar, 15 dias depois do início do processo.

São em torno de 400 mil ações em tramitação no Judiciário brasileiro, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho de 2014. Mas o número deve ser bem mais elevado, porque desde 2011 o levantamento não é atualizado junto aos diversos tribunais estaduais. Só o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul concentra mais de 113 mil ações judiciais sobre saúde, seguido com números expressivos, pelos tribunais de justiça de Minas Cerais (66,7 mil ações), Rio de Janeiro (46,8 mil) e São Paulo (44,6 mil).

As ações atingem os planos privados e também o Sistema Único de Saúde (SUS), provocando tremendo impacto financeiro. “Hoje, o Estado de São Paulo gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano para atender à demanda extra-SUS por medicamentos por ações judiciais”, avalia David Uip, secretário estadual de Saúde. Desde 2010, o governo paulista foi alvo de 79.557 ações judiciais para entrega de medicamentos, materiais e nutrição, entre outros itens. Em 2015, o Estado recebeu 18.045 novas ações ante 14.383 no ano anterior. Atualmente, a Secretaria de Saúde paulista cumpre o atendimento de 47 mil condenações judiciais, com gasto estimado em mais de R$ 1 bilhão.

No caso dos planos privados, o tipo de ação mais levado à Justiça é para redução das mensalidades, sob alegação de reajustes abusivos, afirma Renata Vilhena Silva, cujo escritório Vilhena Silva Advogados atua exclusivamente na área de direito à saúde, com ações que envolvem planos de saúde e o Estado, e na defesa dos direitos dos consumidores, pessoas físicas e jurídicas.

Em 2015, a equipe de 27 advogados no Rio e em São Paulo, entrou com 1.445 ações judiciais contra planos de saúde, das quais 25% foram relativas a reajustes de mensalidades. Até agosto deste ano, foram 952 ações, sendo 33% relacionadas a reajustes. “Não tem como os consumidores não buscarem o apoio da Justiça. Além de a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não regular os reajustes anuais e por sinistralidade dos planos coletivos, as operadoras não agem de forma transparente nos contratos desses planos em relação à metodologia utilizada para aumentar a mensalidade”, diz Renata.

Para as operadoras do sistema privado, o acesso ao Judiciário para resolver litígios na área de saúde é um direito inalienável do consumidor, mas os empresários não admitem que ele tenha razão nas ações judiciais. “Não sou contra, mas tem certo abuso”, diz Humberto Torloni Filho, vice-presidente da AON. “É um dos maiores riscos que temos para a economia da saúde, para manutenção da saúde privada e para o SUS”, critica Irlau Machado Filho, presidente do grupo NotreDame Intermédica. “Gera desequilíbrio que pode inviabilizar o setor.”

“A judicialização é uma das principais causas da escalada dos custos assistências nos setores público e privado”, aponta Erwin Kleuser, diretor de orçamento e planejamento estratégico da Amil. “Significa a elitização, porque só chega ao judiciário quem tem como pagar advogados”, resume Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde.

Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar(FenaSaúde), entidade que representa 18 grupos de operadoras de planos privados de assistência à saúde, totalizando 23 empresas das 1.173 operadoras em atividade, diz que uma razão para os impasses entre consumidores e planos é a desconsideração das cláusulas dos contratos e da Lei n° 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Por isso, as operadoras investem no trabalho que chamam de “educar a área jurídica” para mostrar que alguns tratamentos não podem ser cobertos pelos planos. “A FenaSaúde apoia a formação dos Núcleos de Apoio Técnico (NAT) ao Judiciário, nos quais especialistas da área de saúde fornecem informações específicas aos juízes. O resultado é a tomada de decisões amparadas em informações médicas.”

Do lado do setor público, a ANS faz a sua parte para enfrentar a questão, diz José Carlos Abrahão, diretor-presidente. Uma das medidas é o estabelecimento de normas para que as operadoras aprimorem os mecanismos de atendimento e mediação de conflitos em suas estruturas organizacionais. Segundo ele, a ANS procura estimular a resolução extrajudicial das queixas prestadas pelos beneficiários, e incentiva a formalização de parcerias com outras instituições, como o Poder Judiciário, para facilitar a troca de informações referentes à saúde suplementar.