O sistema de saúde, não só brasileiro, mas mundial, deve se preparar para uma alteração estrutural e cultural em direção a novos modelos baseados em evidências, desempenho e resultados. É uma transição para sistemas que colocam o paciente no foco da assistência e não apenas a quantidade de procedimentos, privilegiadas pelo chamado modelo do “fee for service”, ainda hoje em voga.

Essas e outras questões relacionadas foram debatidas no webinar “Transição para Medicina Baseada em Valor”, promovido pela FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) em parceria com o Ibravs (Instituto Brasileiro de Valor em Saúde) na última quinta-feira (1/10).

O cenário atual é de custos elevados, incorporação de tecnologias caras, transição demográfica e um sistema acostumado a desperdícios – tudo agravado por uma demanda crescente em razão da pandemia do novo coronavírus. Por isso, a cada dia é maior o consenso em favor da necessária mudança do modelo de remuneração de prestadores.

“Eu sintetizo isso numa frase: é preciso mudar o foco, de quantidade para desempenho, produzir melhores resultados e desfechos para os pacientes. Temos, como ponto de partida, interesses e objetivos comuns: ampliar acesso, diminuir custos, combater ineficiências e gerar mais valor para os pacientes”, afirmou a diretora executiva da FenaSaúde, Vera Valente, moderadora do debate.

Segundo o presidente do Ibravs, César Abicalaffe, para ocorrer a mudança é preciso encontrar métricas e dados corretos, tendo como pano de fundo não o ato médico, mas a jornada do paciente. Informações e indicadores claros são fundamentais no processo.

“Essa relação de desconfiança do sistema de saúde entre o pagador, o prestador, a indústria e o paciente é um cancro. Por isso, o grande desafio é a transparência das informações. Nos países que estão evoluindo para um sistema baseado em valor, os dados são mais transparentes”, disse Abicalaffe.

Especialista em economia da Saúde e ex-economista sênior do Banco Mundial, André Medici acredita que o grande desafio para a transição em direção a uma medicina baseada em valor é não analisar os dados de um paciente isoladamente, mas sempre na perspectiva de todo um grupo.

“Para obter resultados favoráveis para o paciente, é importante tratar, de alguma forma, os determinantes de saúde da população em que ele está inserido e contribuir para que essa população melhore seu estado por meio do controle dos seus fatores de risco”, disse ele, também especialista em financiamento público e privado em saúde. Para tanto, são necessárias redes integradas de saúde, resolutivas, com maior retorno e bem-estar para os pacientes.

Nesse caminho, também será preciso, entre outras medidas, estratégias de melhoria de saúde que exigem parcerias sólidas entre pagadores e provedores, novos modelos de gestão, dados integrados, estruturas de TI redesenhadas e pensamento inovador para solução de problemas. Algo também fundamental no processo de transição para o modelo de geração de valor em saúde, segundo Medici, são os investimentos em atenção primária.

A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é também etapa fundamental quando se objetiva trazer mais valor para saúde, na avaliação de Denizar Vianna, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UFRJ.

“A ATS é um ganho. Visa avaliar as consequências clínicas, econômicas, sociais de uma incorporação de tecnologia. Avaliar as evidências que mostram se a tecnologia traz eficácia, efetividade e segurança. O passo seguinte é a discussão econômica”, defendeu.

Citando como exemplo os tratamentos contra câncer, Vianna reiterou a importância da ATS para que os avanços ocorram com segurança nos resultados e, sobretudo, para os pacientes. “Abrir mão da ATS pode ter um preço muito alto para a sustentabilidade do nosso modelo de saúde e não necessariamente gerar melhores resultados”.

Neste contexto de valor em saúde, o modelo do “fee for service”, a remuneração por serviços, também precisa ser aprimorado, por em geral estimular procedimentos dispendiosos, nem sempre mais eficientes para os beneficiários.  “O ‘fee for service’ provoca um círculo vicioso, em que quem oferta os serviços de saúde gera sua própria demanda. Não se produzem, assim, incentivos robustos para a redução dos custos”, afirmou Vera Valente.

Neste modelo, que tem sido dominante em todo o mundo ao longo de décadas, faltam critérios que estimulem o aprimoramento dos procedimentos, pois na prática os custos são sempre assumidos pelos pagadores, ou seja, as operadoras, no caso da saúde privada, ou o Estado, no caso do sistema público.

Os debatedores também discutiram a proposta de criação de uma agência única de avaliação de tecnologias, unindo a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), do Ministério da Saúde, à análise da ANS, que cuida do assunto na perspectiva da saúde suplementar. “Se a gente institucionaliza isso num organismo único, unindo os esforços, com celeridade, independência, a sociedade vai se beneficiar”, disse Denizar Vianna.