O Ministério Público Federal (MPF) questionará a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre a suposta omissão na fiscalização de possíveis abusos de empresas de planos de saúde contra médicos credenciados, especialmente oftalmologistas, ao mudar a forma de remuneração desses profissionais por serviços prestados aos pacientes.

A informação foi dada no dia 12/06, em audiência pública na Câmara dos Deputados, pelo subprocurador-geral da República e Coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, José Elaeres Marques Teixeira, em resposta a um pedido do deputado Mandetta (DEM-MS).

A audiência da Comissão de Seguridade Social e Família, realizada por iniciativa do deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), discutiu a decisão das operadoras de forçar médicos a aderirem ao sistema de pagamentos por “pacotes de consultas”.

Nesses pacotes, todos os serviços prestados — consultas e exames complementares, por exemplo — são remunerados a um preço único, o que pode reduzir em até 2/3 os valores dos honorários dos oftalmologistas. O sistema anterior era o do “fee for service”, ou seja, um pagamento por cada serviço realizado.

O coordenador de Assessoramento Normativo da ANS, Pedro da Silveira Villela, disse que o pacote de consultas “é uma modalidade possível, válida e legal”. Segundo ele, a agência não pode impor de antemão um modelo à iniciativa privada nem definir tabelas de preços dos procedimentos médicos, e por isso a melhor solução é a busca de diálogo.

“A ANS tem estudado a necessidade de compor fóruns de mediação entre operadoras e prestadores [médicos]. Não há, a meu ver, como obrigarmos algo sem um consenso, pois haverá sempre alguma forma de fugir a uma normatização e de termos uma regra meramente formal, sem eficácia social”, explicou.

Esse argumento foi criticado pelo deputado Mandetta. “A visão institucional da ANS sobre o seu papel não importa neste caso. O que a agência tem de fazer é cumprir as leis do setor, que exigem a descrição e os valores de todos os serviços prestados. Será que vamos precisar fazer uma nova lei dizendo que é proibido fazer o atendimento por pacote? Se for preciso, faremos”, avisou.

O subprocurador José Elaeres ressaltou que o papel da ANS é fundamental para garantir o equilíbrio das relações entre empresas e médicos. “O que nos chama atenção é muitas vezes a leniência com que a agência trata de questões que lhe competem por lei. O meu apelo é o de que a ANS efetivamente busque fazer com que a lei seja cumprida. Aqui, temos um exemplo claro de mais uma lei que não está sendo respeitada”, avaliou o representante do MPF. Ele pediu o aumento das atribuições da ANS para reduzir as assimetrias do sistema de saúde suplementar.

Médicos X empresas

O oftalmologista Israel Rozenberg, do Rio de Janeiro, contou ter sido procurado por um representante de uma empresa de plano de saúde que lhe apresentou um novo contrato reduzindo pela metade os seus honorários, o que lhe causou revolta.

“Em vez de atender dois ou três pacientes por hora, vou ter que atender quatro ou cinco para manter o meu equilíbrio econômico. A qualidade será péssima e vou começar a incorrer em erros ridículos, porque não vou ter tempo de ver tudo”, alertou Rozenberg, ressaltando que atua há 40 anos sem jamais ter sofrido processo por erro médico.

Segundo ele, o modelo de pacote de consultas foi definido de modo unilateral, “imperial”, sem possibilidade de negociação: “Se você não assinar este contrato, você vai ser eliminado do convênio”, narrou.

O sistema de pacotes de consultas foi defendido pelo superintendente de Regulação da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Sandro Leal. Ele argumentou que o modelo antigo é responsável pelo crescimento dos custos da saúde em níveis superiores aos índices de inflação.

“Esse modelo produz um interesse em aumentar muito a quantidade de itens consumidos, ou a utilização de itens de maior valor. É um estímulo ao desperdício do uso de recursos, o que acaba onerando todos os usuários, já que o sistema é mutualista – todos pagam para que alguns possa usar”, explicou.

Ele disse que tem havido um aumento excessivo no número de procedimentos como tomografia e ressonância. “É necessária a mudança para uma remuneração mais eficiente, no sentido de privilegiar o atendimento por qualidade e de ir em direção às necessidades do paciente”, argumentou Leal.

A adoção do pacote de consultas, segundo ele, é a tendência internacional dos sistemas de saúde. “Essa mudança é necessária e baseada em dados, estatísticas, protocolos clínicos bem definidos. Não é uma mudança ao sabor do vento, e sim apoiada em fatores científicos”, concluiu.

O deputado Hiran Gonçalves considerou que a imposição dos pacotes de saúde é “uma exploração inominável do ato médico”.

Pessoas e números

O presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, José Augusto Alves Ottaiano, ressaltou que a saúde da população é mais importante do que os dados econômicos. “Nós, médicos, estamos sendo cada vez mais empacotados. A única coisa em que ainda não conseguiram tutelar o médico é a prerrogativa de solicitar exames para aprofundar a investigação”, afirmou.

Segundo ele, a adoção dos pacotes de consultas não é uma postura inteligente, pois os pacientes que forem prejudicados pela queda na qualidade dos atendimentos não conseguirão resolver os seus problemas de saúde e gerarão mais gastos.

“Não é a classe médica que tem de pagar a conta. Nós gostaríamos de diálogo, mas a nossa negociação hoje com as operadoras é desequilibrada. É o grandão contra o pequenininho e vivemos sob ameaça. Ou cumpre, ou rua. É assim que funciona”, lamentou Alves.

Sérgio Fernandes, do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), também argumentou que as questões de saúde não podem ser abordadas apenas do ponto de vista econômico. “Nós ficamos preocupados quando o foco deixa de ser o paciente para ser o dinheiro. Não queremos a implantação de um modelo vindo do exterior para os médicos e pacientes brasileiros. Precisamos ter a nossa fórmula”, salientou.