A assistência na saúde suplementar vai mudar. Quanto a isso não há dúvidas. Plano acessível, coparticipação, franquia, atenção primária: a cada dia, entra um tema no debate para o desenho de um novo modelo para os planos de saúde. Mas qual será o papel do consumidor nesse novo cenário? No mundo todo, há iniciativas com intuito de dar protagonismo ao paciente. A palavra da moda, empoderamento, vem embalada com informações para ajudá-lo a manter um diálogo com o médico e a se conscientizar sobre a importância de esclarecer todas as dúvidas quando a saúde está em jogo. No Brasil, há uma pressão para que o consumidor participe da gestão dos custos dos planos. Especialistas argumentam, no entanto, que essa responsabilidade não pode ser transferida para o paciente. Mas ressaltam que a educação para o consumo da saúde pode ajudar os pacientes a escolherem o tratamento adequado e a identificarem casos de indução de procedimentos que vão contra a sua vontade, como quase ocorreu com a fotógrafa Nane Newton no parto do seu filho, em 19 de fevereiro.

Cheguei ao hospital com 8 centímetros de dilatação e, como minha médica ainda não tinha chegado, a equipe da obstetrícia sugeriu me anestesiar. Mas, se fizessem isso, teria que dar continuidade ao procedimento com eles, e eu não quis. O processo evoluiu e a anestesista veio pegar o acesso, quando ela disse que me daria ocitocina (substância que acelera o trabalho de parto). Mais uma vez me neguei. Tenho certeza de que, se essa equipe assumisse o parto, teria feito mais coisas divergentes da minha vontade — diz Nane, ressaltando que só pôde tomar essas decisões por ter se informado, e muito, sobre os procedimentos no trabalho de parto.

PARA EMPRESAS, REDUÇÃO DE CUSTO

Como se preparar para uma consulta, o que perguntar à equipe de saúde, quais os passos para chegar em casa sem dúvidas e ciente de que as melhores decisões foram tomadas para o seu tratamento. Esse é o objeto do programa “Sua saúde” que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vai lançar esta semana, inspirada em iniciativas como a dos governos americano e inglês.

— O paciente tem que entender que é importante no processo, e que não é vergonhoso ter dúvida. Queremos incentivá-lo a sair da consulta com clareza sobre tudo o que foi discutido. Hoje, as consultas têm um tempo curto e é preciso que elas deixem de ser voltadas à doença e tenham foco no indivíduo. Não é uma questão de custo, mas de qualidade e que envolve toda a equipe de saúde — diz Daniele Pinto da Silveira, assessora técnica da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da ANS.

Na primeira etapa do programa, o site da ANS apresentará uma série de orientações e perguntas básicas para diferentes etapas do atendimento. Num segundo momento, serão desenvolvidos conteúdos temáticos, explica Daniele.

Para o cardiologista André Volschan, coordenador de Ensino e Pesquisa do Hospital Pró-Cardíaco, uma das instituições que participou da construção do “Sua Saúde”, a iniciativa incentiva uma melhor relação médico-paciente, gerando aumento na qualidade do cuidado assistencial. Volschan participou do grupo de trabalho na Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 2014, onde foram desenvolvidas orientações baseadas na proposta da campanha do “choosing wisely” (escolhendo com inteligência, numa tradução livre), movimento iniciado em 2011, pelo American Board of Internal Medicine e que é uma das inspirações da agência brasileira.

— É fundamental que os pacientes tenham informações sobre que exames podem efetivamente agregar valor ao cuidado de sua saúde e estas devem ser compartilhadas pelo médico de forma clara e objetiva — diz o cardiologista, que reforça que a responsabilidade pelo tratamento não pode ser transferida para os pacientes.

A presidente da FenaSaúde, que representa empresas do setor, Solange Beatriz Palheiro Mendes, também considera fundamental que haja informações disponíveis para que o consumidor faça escolhas mais conscientes. Na sua avaliação, a maioria das pessoas não tem o hábito de tirar dúvidas ou questionar o que lhes é prescrito.

— Se o paciente tiver curiosidade e controle sobre o que está sendo prescrito, com certeza vai gerar redução de custo. Mas a primeira preocupação deve ser com o tipo de assistência que está recebendo. Acho que só vamos progredir quando os 70 milhões de beneficiários de planos de saúde passarem a ter um maior controle, a se sentirem parte da cadeia — afirma.

Na opinião da presidente da ProconsBrasil, Claudia Silvano, toda iniciativa que vise a educação e a melhorar a informação é bem-vinda. No entanto, ressalta, isso não pode implicar responsabilidades por gestão de custos ou decisão por tratamentos:

— Claro que é válido empoderar o consumidor, fazer com que cheguem a ele informações claras e completas, humanizadas. Mas tudo isso desde que não se impute a ele nenhum ônus. A escolha final tem que ser de quem tem qualificação para isso.

Para Carolina Cohen, diretora da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), entidade que ajudou a desenhar o “Sua saúde”, além de um direito, a informação reduz a angústia do paciente, principalmente em casos graves.

COMUNICAÇÃO COMO PILAR

O cardiologista Luiz Roberto Londres, fundador do Observatório da Saúde, lembra que nenhuma educação para saúde acabará com a assimetria de informação que existe entre médico e paciente:

— A conscientização do paciente é algo muito importante, mas sempre lembrando que ele não tem os conhecimentos médicos que o profissional deveria ter. Mais do que as perguntas listadas, existe a resposta do médico que, se não for baseada nos reais princípios que regem a medicina, pode ser falsa, seja por ignorância ou má-fé. Qual seria o real conhecimento do paciente para poder refutar uma resposta médica?

Gustavo Gusso, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família, destaca que a comunicação é um dos pilares de quem atua na área:

— Uma das principais ferramentas é a chamada “medicina centrada na pessoa” com três passos principais: entender quais as expectativas e medos das pessoas, o contexto em que ela vive (familiar, social, trabalho) e propor um plano em comum acordo. Muitas vezes nós, médicos, esquecemos de tentar entender as expectativas e presumimos que é um exame ou um remédio, mas nem sempre é. Precisamos reservar mais tempo para perguntas. Estudos mostram que isso economiza tempo, com mais satisfação e melhor resultado clínico.

O presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, chama a atenção para o fato de que a transparência poderia ajudar a reduzir a judicialização.

AS PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES

Antes da de ir à consulta: Liste suas principais preocupações, as mudanças que observou na sua saúde e novos hábitos que tenha adotado desde a última consulta. Leve o nome e o contato de outros profissionais de saúde que o acompanham, exames e a lista dos medicamentos que está fazendo uso, incluindo suplementos, vitaminas e até colírios. Se fizer uso de óculos e aparelhos auditivos, não deixe de levar. Se estiver inseguro, leve um acompanhante.

Durante a consulta: Fale primeiro dos sintomas, como são, com que frequência os sente e como afetam sua vida diária. Não tire apenas as dúvidas sobre medicação, exames ou cirurgias a serem realizados, mas também sobre suas preocupações, opções de tratamento e quais os riscos e benefícios de cada uma das opções. Tenha certeza de que entendeu todas as orientações. Na dúvida, pergunte. Anote o que considerou mais importante.

No fim da consulta: Se informe se precisa retornar para uma nova consulta, quem deve procurar caso não tenha melhora, onde pode conseguir mais informações sobre seu problema de saúde, o que pode fazer para ajudar no tratamento, se existe algum grupo de apoio a pacientes relacionado a sua doença. O profissional de saúde — médico, enfermeiro, fisioterapeuta — deve ser visto como um parceiro nas decisões sobre sua saúde.