A nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a prática da telemedicina — aquela que permite fazer diagnósticos, consultas e até cirurgias a distância — regulamenta algumas práticas que já são adotadas no país e deve fazer novos projetos deslancharem.

Na operadora de plano de saúde Hapvida, a maior do Nordeste, consultas a distância são realizadas há sete anos. São 8 mil por mês, feitas com especialistas como neurologistas, reumatologista e alergologistas, disse o diretor corporativo de telemedicina da operadora, José Luciano Monteiro Cunha. A resolução 2.227/2018, divulgada em 03/02 e que deverá entrar em vigor em três meses, vai possibilitar a expansão do serviço da Hapvida. “Os próximos passos já estão definidos. A procura pelos pacientes deve aumentar”, disse Cunha.

Segundo o executivo, a operadora tem 56 médicos capacitados para exercer a telemedicina. A Hapvida tem 20 clínicas, totalizando 24 salas para esse tipo de atendimento. Todas são equipadas com TV de 40 polegadas, câmera com capacidade para aumentar a imagem em 20 vezes e um sistema de áudio de qualidade. O objetivo é que a interação entre médico e paciente seja a mais clara possível.

Em Belém e São Luís, por exemplo, o cliente da Hapvida pode ser atendido em uma clínica de telemedicina da operadora. O paciente é recebido primeiro por um médico auxiliar, que está na clínica e tem o papel de ajudar a entender o motivo da consulta. Depois, é feito o atendimento com o especialista, a distância.

Desde junho de 2018, o Hospital Sírio-Libanês atua na telemedicina, dando suporte para médicos que atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A nova regulamentação do CFM acelera os planos para oferecer a telemedicina a clientes corporativos do hospital como Votorantim e Santander, a partir de maio.

No projeto Regula+Brasil, em parceria com o Ministério da Saúde, o objetivo do Sírio-Libanês é reduzir a fila de consultas com especialistas em Porto Alegre, Distrito Federal e Belo Horizonte. “Os profissionais que atuam na rede pública têm o suporte dos nossos médicos para analisar os prontuários dos pacientes e, se necessário, encaminhá-los para especialistas”, disse César Biselli, coordenador de tecnologia e inovação do Sírio-Libanês. Os médicos do SUS ligam para uma central de atendimento e são direcionados para discutir os casos, conforme a especialidade. Até o fim do ano serão adicionadas duas capitais ao programa. No total, o hospital tem 85 médicos capacitados em telemedicina.

“Estávamos aguardando ansiosamente a definição da nova regulamentação. Acredito que a produtividade deve crescer porque quando um paciente não comparecer à consulta, como ocorre em 25% [dos agendamentos], o médico não ficará ocioso, podendo atender a distância”, diz Cadri Massuda, presidente do Sindicato Nacional dos Planos de Saúde (Sinamge) e da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

Massuda observou que o CFM ficou “um pouco atrasado” em relação a outros países, considerando a prática de telemedicina na América do Norte e na Europa. Ele sugere que as regras no Brasil sejam rediscutidas a cada dois anos.

Com o avanço da telemedicina no país, a produtividade dos médicos deve aumentar e os custos para o sistema de saúde devem cair. A opinião é de Francisco Balestrin, presidente da International Hospital Federation e membro do conselho da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp).

O serviço de consultas médicas feitas remotamente é, para Balestrin, o que tem maior potencial de expansão imediata no Brasil. A partir de agora, devem ser abertas negociações entre médicos e operadoras de planos de saúde para determinar quanto vai custar uma consulta on-line. Será mais barata do que uma consulta presencial? “Pode ser até mais cara”, responde Balestrin. O médico precisa ser treinado para fazer um atendimento a distância. O que deve ocorrer também é que, com o tempo, a produtividade desse médico vai aumentar pois ele poderá atender mais pacientes, disse Balestrin.

“O preço por consulta é uma das maiores barreiras da telemedicina no mundo inteiro. Na parceria com o SUS, a cobrança é realizada por meio de um pacote, mas na saúde corporativa, o melhor modelo é o per capita”, disse Biselli, do Sírio-Libanês.

Traçar diagnóticos remotamente, em especial a partir de exames por imagem, ”já é uma realidade”, diz Balestrin, lembrando que a Índia é exemplo mundial. Centrais de diagnósticos na Índia trabalham para hospitais nos Estados Unidos.

A terceira parte da resolução, que trata de cirurgias feitas à distância, deve ter uma implantação mais lenta. O investimento em equipamentos, como os robôs que são comandados pelos médicos remotamente, é alto. E o treinamento do médico também não é barato. Perguntado sobre a telecirurgia, Biselli, do Sírio, disse que existe potencial para crescer nos próximos anos, especialmente quando a internet móvel de quinta geração (5G) estiver instalada.

A resolução 2.227/2018 demorou para ser aprovada devido à complexidade do serviço de telemedicina, disse Donizetti Dimer Giamberardino Filho, membro da câmara técnica de informática em saúde do CFM. O objetivo foi regularizar uma prática que já existe e dar proteção aos dados dos usuários. Os registros de áudio vídeo das consultas precisam ser gravados e arquivados como se fossem um prontuário comum, por 20 anos, tendo a assinatura digital como recurso de segurança.

Esclarecimentos de dúvidas pelos aplicativos de mensagens ou chamadas de vídeo não estão incluídos nas novas regras. A resolução sobre telemedicina número 1.643, de 2002, continha sete artigos e a atual, 23. Entre elas, foi divulgada há um ano, a resolução sobre os aplicativos de saúde.