A união dos diversos segmentos que participam do setor de saúde suplementar aparece como o único caminho para que o Brasil consiga adotar um modelo de financiamento sustentável para esse segmento. A solução não depende apenas de um consenso desse mercado — que inclui empresas de saúde, a agência reguladora, os prestadores de serviços, médicos, clínicas e hospitais — e tampouco se resume a discutir custos. É preciso incluir consumidores e empregadores no processo e transferir o foco do debate para a qualidade assistencial, defendem especialistas.

— É preciso engajar todas as partes, sociedade, parlamento, consumidor e empresas, nessa discussão. É um desafio parecido com o da Previdência. O lado positivo da crise é que as partes estão sentando à mesa para repactuarem um novo modelo assistencial, mais para que traga uma melhor saúde para o beneficiário e menos por efeitos e reflexos em termos de redução de custos — afirmou Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Prevenção e promoção da saúde

Fonseca participou do terceiro e último seminário, em 17/10, do ciclo de debates sobre “Novos modelos para a saúde”, realizado pelo GLOBO, com apoio da Revista Época e patrocínio da Amil, no Museu de Arte do Rio (MAR). As discussões, mediadas pela editora de Economia do GLOBO, Flávia Barbosa, tiveram como foco novos formatos e modalidades de pagamento de planos de saúde, e contaram ainda com a participação de Maria Inês Dolci, advogada especializada em defesa do consumidor e vice-presidente da Proteste — Associação de Consumidores; José Cechin, diretor-executivo da FenaSaúde (que representa as maiores empresas do setor), e Paulo Jorge Rascão, diretor de Produto da Amil.

Não há dúvida entre os especialistas sobre o diagnóstico: é preciso mudar o modelo de remuneração e de assistência do setor, atualmente balizado pelo pagamento por serviços que giram em torno da doença, para outro voltado para prevenção e promoção de saúde.

— A mudança do modelo assistencial pode ser muito mais célere com a entrada do empregador nessa discussão. Pois quem paga é que diz o serviço que quer receber. Hoje, os grandes empregadores ficam muito à margem dessa discussão sobre gestão de saúde, quando poderiam ser agente propulsor dessa mudança — sustentou Fonseca.

O protagonismo das empresas nesse debate não é à toa. O Brasil tem 47,4 milhões de usuários na saúde suplementar, ou um em cada quatro brasileiros. Uma fatia de 67% desse total é de planos coletivos empresariais, havendo ainda outra de 14% de planos coletivos por adesão — totalizando 81%. O restante é de planos individuais, que têm o reajuste das mensalidades regulado pela ANS.

Para além da crise — que retirou desse mercado cerca de três milhões de pessoas nos últimos dois anos e meio —, as discussões se intensificam em torno da revisão do principal marco regulatório do setor, a Lei dos Planos de Saúde (9.656/98). Uma comissão especial vai apresentar um substitutivo a mais de 140 propostas para o setor na Câmara dos Deputados. Apesar de ainda não haver relatório do novo projeto de lei, mudanças como a criação dos chamados planos de saúde acessíveis ou populares — com preços mais baixos e cobertura reduzidas — ou ainda a autorização a planos com cobertura regionalizada estão no centro dos debates. É modelo que preocupa Maria Inês, da Proteste:

— A proposta de baixa cobertura por planos de saúde acessíveis é preocupante. É uma forma de maquiar um problema que temos de saúde pública, transferindo a responsabilidade para a iniciativa privada. A mudança no rol de cobertura dos planos de saúde é para excluir tratamentos e procedimentos mais caros e complexos, que o consumidor teria de buscar no SUS. Não é boa ideia. E pode ampliar o buraco financeiro da rede pública de saúde e privada e incrementar a judicialização — diz a especialista.

Rascão, da Amil, destaca que é importante que o consumidor compreenda que saúde não é gratuita, nem no SUS, que é financiado por impostos:

— A Constituição de 1988 diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Mas não coloca que a saúde é responsabilidade de todos. Temos que ter uma visão de responsabilização. O desafio é dar tudo, a todos, o tempo todo, mas isso não é possível. Diante disso, é melhor não oferecer nada? Essa é uma discussão que teremos que fazer de forma amadurecida.

A discussão esquenta ainda com o posicionamento do ministro da Saúde, Ricardo Barros, defensor do modelo de planos populares, que, no primeiro seminário do ciclo de debates, em agosto, sustentou que o aumento do número de pessoas atendidas pela saúde suplementar seria uma ferramenta para aliviar a demanda ao SUS. Barros afirmou que o mercado de saúde suplementar deveria ser livre, incluindo o reajuste das mensalidades dos planos individuais, atualmente regulado pelo governo. “Defendo que as pessoas possam acessar o que têm capacidade de pagar”, observou o ministro.

Atenção básica é aposta do setor

Cechin, da FenaSaúde — que reúne 23 operadoras de saúde no país com quase 29 milhões de beneficiários —, chama atenção para o aumento das despesas dessas empresas, que subiram 12,2% em 2016, para R$ 161,5 bilhões, enquanto a receita cresceu 11,7%, para R$ 160,5 bilhões.

— A despesa assistencial per capita subiu 19,2% em 2016, enquanto a inflação geral, medida pelo IPCA, avançou 7%, e o reajuste autorizado pela ANS (aos planos individuais) foi de 13,6%. A questão é que o número de beneficiários caiu e a sinistralidade (incidência de uso) subiu.

O diretor-presidente da ANS reconhece a pressão da inflação médica:

— O custo médico hospitalar das operadoras vem crescendo de 10% a 15% nos últimos 5 anos. É uma tendência inexorável e um desafio mundial.

Fonseca ressalta, no entanto, que a discussão não pode se restringir a custo, é preciso rever o modelo assistencial. Rascão concorda e aposta na atenção primária como novo modelo:

— A medicina de família contribui para a redução de custos e melhora na saúde do usuário. Esse é o modelo de futuro, que foca na redução dos fatores de risco e no estímulo a hábitos saudáveis.