A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) há algum tempo denuncia um dos maiores esquemas de desvios de recursos públicos e privados da área da saúde: as fraudes envolvendo órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs). Mesmo após a instauração de duas CPIs, uma no Senado e outra na Câmara dos Deputados, as informações que circulam nesta indústria são de que as máfias continuam a atuar.

O que você faria se descobrisse que o custo de um mesmo produto médico-hospitalar pode variar entre R$ 30 mil e R$ 100 mil? E se soubesse que médicos e hospitais são comissionados para encomendar quantidades absurdas desse produto a um fabricante para apenas um procedimento, clinicamente desnecessário, em um único paciente? E que o custo desse desperdício contribui para lançar o reajuste anual da mensalidade de seu plano de saúde às alturas? Esses são alguns dos males que acometem a cadeia de valor das OPMEs, que anualmente drenam R$ 9 bilhões da saúde suplementar brasileira.

Recentemente, a diretora de desenvolvimento setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Martha Oliveira, em declaração oportuna a este jornal, admitiu que há indícios de abusos financeiros na distribuição de OPMEs. A gestora anunciou que a agência deve promover medidas para inibir a cobrança de preços indevidos e práticas ilegais no segmento, entre elas, a adoção por parte dos planos de protocolos clínicos com indicação clara do uso de cada material e a padronização da nomenclatura de produtos idênticos ou similares. Segundo ela, sem essa padronização os fabricantes alteram um pequeno detalhe no produto, como um parafuso, e elevam o preço em até 1.000%.

Embora os planos de saúde desenvolvam constantes mecanismos de controle sobre as OPMEs, as distribuidoras desses produtos exercem forte influência mercadológica sobre a classe médica. Questões como a ausência de regras claras para a concorrência entre empresas e o pagamento de comissões a hospitais e médicos na comercialização têm pressionado os custos assistenciais das operadoras.

As mensalidades dos convênios de saúde são formadas a partir de cálculos atuariais que levam em conta uma média do valor e da frequência dos procedimentos realizados. Quando essa despesa evolui acima do esperado por causa de práticas nocivas, se dá o aumento proporcional de custos, em que a parte mais lesada é o fim da cadeia, ou seja, o consumidor.

Para se recomporem financeiramente as empresas são forçadas a repassar essa despesa extra ao consumidor, na forma de reajustes de mensalidades. Com planos caros, muitos os abandonam e passam então a depender exclusivamente da saúde pública. Essa é uma realidade que, definitivamente, não interessa ao Sistema Único de Saúde (SUS), às operadoras privadas e muito menos aos beneficiários.

O que fazer, então, para evitarmos esta triste realidade?

Há na cidade de Montes Claros (MG) uma série de inquéritos policiais na Justiça Federal, que investiga a suspeita de envolvimento ou omissão da direção de médicos e hospitais no esquema de fraudes no SUS, como venda de próteses coronárias (stents) e dupla cobrança de pacientes. Graças ao trabalho que vem sendo desenvolvido, o Ministério Público Federal denunciou diversos envolvidos no esquema, que, sozinhos, teriam desviado milhões do setor de saúde.

Infelizmente, esses mesmos indivíduos, suspeitos de terem causado danos irreparáveis à saúde e à vida dos cidadãos, voltaram a clinicar normalmente, sem nenhuma restrição dos conselhos regionais ou federais – responsáveis pelo acompanhamento ético e técnico da prática médica – ou da Justiça.

Na outra ponta da cadeia, a Abramge está prestes a entrar na Justiça americana com uma ação contra as maiores indústrias de OPMEs dos EUA, de onde provêm 60% dos produtos médicos que são enviados para o Brasil, sob a justificativa de estarem comissionando médicos brasileiros em troca de submeter pacientes clinicamente sadios a cirurgias para implantação de seus materiais.

As fraudes na saúde naquele país, aliás, são um caso à parte. Recentemente o Departamento de Justiça norte-americano deflagrou uma operação na qual cobra 301 pessoas em todo o país por fraudarem o sistema de saúde local em cerca de US$ 900 milhões – algo em torno de R$ 3 bilhões na cotação atual –, o que configurou a maior fraude da história tanto em termos de número de pessoas quanto de valores envolvidos.

Num dos casos, uma clínica de Detroit era, na verdade, uma fachada para um esquema de desvio de medicamentos que faturou mais de US$ 36 milhões. Em outro, um médico do Texas foi acusado de participação de esquemas para faturar “serviços de home care (atendimento domiciliar) desnecessários que muitas vezes não foram fornecidos”. Nada, porém, que não tenhamos visto em terras brasileiras.

Em junho vimos o escândalo na operação das ambulâncias do Samu em Goiânia, onde um conluio entre paramédicos, enfermeiros, médicos e donos de hospitais chegou ao absurdo de intencionalmente causar comas em pacientes que sofriam de males banais – e pior, ainda é investigado se essa prática levou alguém a óbito. Tudo isso para fraudar os planos de saúde e desviar dinheiro.

As operadoras, no entanto, vivem um momento dramático, lidando com margens operacionais abaixo de 1% e com um déficit superior a 1 milhão de beneficiários nos últimos meses. É preciso otimizar gastos e as empresas têm feito sua parte, eliminando 10% em desperdícios operacionais e administrativos nos últimos oito anos.

O desafio agora é racionalizar os custos assistenciais, diminuir os índices de judicialização e desperdício e, principalmente, combater essa sinistra cadeia de corrupção que põe em xeque todo o sistema de saúde brasileiro. Esta é, portanto, uma luta de todos.

Pedro Ramos é diretor da Abramge