Ao mesmo tempo em que enfrenta instabilidades na política e na economia, o Brasil atravessa uma onda de novas doenças epidêmicas. O vírus H1N1, também conhecido como Influenza A ou gripe suína, se tornou responsável por metade dos casos de gripe registrados no País e, até o dia 23 de abril deste ano, havia feito ao menos 290 vítimas fatais, segundo o Ministério da Saúde.

Na mesma data, o zika vírus (causado pelo Aedes aegypti, mesmo mosquito transmissor da dengue e da chikungunya) somava 1.198 casos confirmados, com mais de 7,2 mil notificações para investigação. Associado também à microcefalia e à síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune que ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca parte do próprio sistema nervoso por engano, o vírus também foi detectado em outros países e declarado como emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A saúde suplementar sente os impactos deste cenário que eleva, de forma não prevista e significativa, o número de procedimentos, internações e atos associados. A começar pelas visitas aos prontos socorros, que cresceram consideravelmente nos últimos meses. “Estas doenças são muito novas e ainda não conseguem ser claramente mensuradas. O que sabemos, ao observar o comportamento dos pacientes, é que por medo, desconhecimento da enfermidade e dificuldade de diagnóstico, tendem a usar o pronto socorro em uma frequência maior”, declara Luciana Lauretti, sócia da Azimutemed.

Para as operadoras de saúde, equilibrar o aumento dos custos gerados pela conjuntura econômica somada ao surgimento de doenças novas é um grande desafio, pois a prática contribui para o aumento desproporcional dos valores a ser desembolsado. No entanto, não é possível fazer projeções imediatas desses valores, uma vez que o cálculo da inflação médica envolve fatores diversos – como frequência de uso, complexidade dos procedimentos eventualmente necessários, custos com internações, medicamentos e insumos. Outro aspecto a ser considerado é a recomposição das perdas inflacionárias, que ocorre somente quando os reajustes são aplicados às mensalidades no futuro.

Na tentativa de contornar este cenário, as operadoras investem em melhorias de gestão e otimização das rotinas de trabalho. Mas a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz Palheiro Mendes, salienta que, independentemente de novas doenças ou do cenário macroeconômico do País, que afeta intensamente a geração de emprego e renda, a instituição vem há tempos alertando sobre os gargalos do setor. Um deles é o desequilíbrio financeiro, situação que resulta do crescimento das despesas assistenciais a patamares muito superiores aos das receitas assistenciais. “Esse quadro, inevitavelmente, impacta as mensalidades pagas pelos beneficiários”, diz a executiva.

Segundo ela, a necessidade impõe à cadeia de valor da saúde e à sociedade – beneficiários, operadoras, prestadores de serviços, órgãos reguladores e Governo – urgência em discutir de forma ampla temas cruciais para a sustentabilidade econômica e social do setor. Nesse contexto, é preciso ter claro o papel do segmento privado e seus contornos legais, dar a devida importância à segurança jurídica e regulatória, adequar custos, promover o uso consciente dos serviços médicos e a racionalidade na incorporação de novas tecnologias. Um aspecto desse debate diz respeito às Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), itens que têm forte impacto nos custos médicos.

Transmissão de informações à população

Com o surgimento de novas doenças, educar o usuário do plano de saúde se faz necessário. “O setor deve levar informação para as pessoas, que precisam entender as doenças e seus sintomas. Na dúvida, elas pecam pelo excesso, atrapalham o tratamento de quem realmente está doente e provocam o aumento do custo assistencial”, explica Luciana.

Presidente do Grupo NotreDame, Irlau Machado Filho, declara que é preciso “acalmar” as pessoas para que, justamente no momento de desaceleração da economia e do aumento do desemprego, elas tenham a oportunidade de seguir as recomendações das operadoras de saúde. “Pedimos que a população participe anualmente da campanha de vacinação contra o H1N1 e aconselhamos que evite aglomerações. Não há motivo para pânico e esclarecimentos precisam ser feitos”, frisa ele.

Por sua vez, o coordenador de Auditoria Médica da Ameplan Assistência Médica Planejada, Clovis Ianni, acredita que as operadoras necessitam ser ágeis na criação de uma estrutura de atendimento ao paciente compatível com o momento, do atendimento ambulatorial ao hospitalar, para atender a demanda exigida pelas novas doenças. “As operadoras precisam investir fundamentalmente em uma ação estruturada e inovadora de medicina preventiva, eficaz e com foco no paciente. Protocolos de atendimento são ferramentas de extrema importância para evitar custos desnecessários, proporcionando um atendimento com qualidade, sem prejuízos ao paciente”, pontua Ianni, que também defende o investimento em educação continuada dos profissionais da área e a implantação de protocolos de prevenção, “peças-chave não apenas no atual contexto, mas no futuro do setor”.

Além da transmissão correta de informações à população para o bom uso dos recursos médicos, é preciso educar sobre a prevenção das doenças epidêmicas. Em relação ao zika vírus, à dengue e ao chikungunya, transmitidas pelo Aedes aegypti, o Ministério da Saúde aponta que 85% dos focos do mosquito são encontrados em residências. Para difundir as informações, a FenaSaúde está elaborando uma cartilha que deve esclarecer como identificar e eliminar esses focos e, em paralelo, estimular gestantes a não deixar de fazer o pré-natal e seguir as recomendações médicas atuais.

Operadoras cobrem teste para o zika vírus

Único teste disponível para diagnóstico do zika vírus, o RT-PCR passou a ser coberto pelas operadoras de saúde. Antes de ter cobertura obrigatória, para ter acesso ao exame, os beneficiários precisavam desembolsar em torno de R$ 1,6 mil ou recorrer aos laboratórios que fazem a análise na rede pública de saúde.

Em fevereiro deste ano, a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – havia enviado um ofício para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pedindo a ampliação desse tipo de cobertura. “Frente a esta nova e alarmante realidade, a Proteste defende que, ainda que não previsto no Rol de Procedimentos, o exame RT-PCR, assim como os exames rápidos que estão sendo desenvolvidos e serão disponibilizados comercialmente na rede privada de saúde, tenham cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, para garantir os melhores e mais eficazes diagnósticos e tratamentos da doença”, afirmou a entidade, na ocasião, alegando que “em situações excepcionais, de risco iminente aos consumidores brasileiros” entendia que “não se pode aguardar uma nova atualização do Rol de Procedimentos, daqui a dois anos”.

Dois meses depois, o órgão regulador finalizou uma proposta para a incorporação de exames de detecção do vírus ao Rol de Procedimentos. Elaborado junto com representantes do setor, com órgãos de defesa do consumidor e com a Associação Médica Brasileira (AMB), o texto foi avaliado pela Diretoria Colegiada da ANS.

Luciana Lauretti, da Azimutemed, acredita que o modelo de incorporação de novos exames e procedimentos no Rol não acompanha a velocidade das doenças, novas tecnologias em saúde e novos serviços colocados no mercado. Já Clovis Ianni, da Ameplan, confirma que há uma forte pressão da sociedade para a inclusão do RT-PCR, mas lembra que o exame é um procedimento de alto custo e teria que ser liberado em alta escala pelas operadoras.

“Existem estudos em andamento para que alternativas sejam encontradas para a absorção deste custo”, pontua, acrescentando que a última atualização do Rol foi feita em janeiro deste ano. “Haja vista que esta atualização é bienal, ainda temos um longo caminho a percorrer”, diz Ianni.

Na mesma linha, Irlau Machado Filho, do Grupo NotreDame, defende que se tenha um protocolo adequado para que o exame detector do zika seja feito para quem de fato necessita, como as gestantes de risco. Segundo ele, disponibilizar o RT-PCR para todos os beneficiários pode onerar o sistema sem necessariamente um resultado efetivo. “Teremos momentos muito delicados, com custos elevados, e precisaremos entender o que buscamos e fazer com que as pessoas tenham, de fato, o que necessitam”.

Órteses e próteses versus custos médicos

Em 2015, as Órteses, Próteses e Materiais Especiais foram objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar a chamada Máfia das Próteses. Em janeiro do mesmo ano, a Portaria Interministerial nº 38 (Ministérios da Saúde, Justiça e Fazenda) criou o Grupo Técnico Interministerial (GTI) com o objetivo de propor medidas para a reestruturação e ampliação da transparência do processo de produção, importação, aquisição, distribuição, utilização, tributação, avaliação e incorporação tecnológica, regulação de preços, e aprimoramento da regulação clínica e de acesso dos dispositivos médicos em território nacional.

“A OPME têm forte peso nas despesas assistenciais dos planos. Para se ter uma ideia da disparidade dos custos médicos, um gerador do marca-passo cardioversor desfibrilador implantável (CDI) pode variar de R$ 29 mil a R$ 90 mil, dependendo da região. Uma prótese de joelho sai de fábrica por R$ 2.096 e, após o implante no paciente, sem contar gastos com internação e atendimento médico, chega a custar ao plano de saúde R$ 18.362”, declara Solange Beatriz, da FenaSaúde. Um levantamento da própria Federação aponta que um marca-passo pode custar R$ 20.523,06 no Brasil, e R$ 3.518,98 na Alemanha, para produtos com a mesma especificação.

Irlau Machado Filho lembra que apesar do esforço de coibir as fraudes de órteses e próteses, o problema ainda não foi solucionado e destaca a importância de se combater a prática para que o setor possa oferecer planos mais justos.