Submetido ao tema repetitivo 952, será julgado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial 1.568.244/RJ, que envolve a análise da validade das cláusulas contratuais que tratem de aumento da mensalidade em razão da mudança de faixa etária do usuário de planos e de seguros de assistência privada à saúde.

Em face de um grande número de recursos especiais, com fundamento em idêntica questão de direito, evidenciando a amplitude da controvérsia, entendeu o ministro Villas Bôas Cueva acolher a indicação da corte de origem, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e promover a afetação do tema, submetendo o feito à sistemática de processamento de recursos repetitivos.

No caso, foi facultada a manifestação da Defensoria Pública da União, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess)) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Para esse propósito, solicitou ingresso, como amicus curiae, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Diante da afetação do Recurso Especial indicado, restaram suspensos, na segunda instância, o andamento dos recursos especiais com mérito idêntico. Com a decisão final do STJ, obter-se-á uma única solução aplicável às causas que versem sobre a mesma situação.

O mercado de assistência privada à saúde, entenda-se, contratos de planos e de seguros de saúde, revela uma típica relação de consumo, com a presença bastante nítida do consumidor, usuário do serviço e do fornecedor, que pode ser uma seguradora, cooperativa, administradora etc. Nesse sentido, registra-se a Súmula 469 do STJ, que reconhece o status consumerista dessa relação negocial.

E, uma vez detectada a relação de consumo, é imprescindível que seja incidente sobre a mesma o conjunto de regras consubstanciado no CDC (Lei 8.078/90). Sendo consumidor o usuário do sistema de planos e de seguros de saúdem, este também é vulnerável consoante preconiza o artigo 4°, inciso I do CDC. Além desse diploma legal, são também aplicáveis às disposições da Lei 9.656/98, que trata especificamente dos contratos de assistência privada à saúde, bem como as resoluções, portarias, e determinações administrativas, provenientes da ANS e do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu). Cabe registrar, também, a necessária presença do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03, bastante utilizado na interpretação desses tipos negociais.

A ANS, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, é incumbida da fiscalização, regulamentação e monitoramento do mercado de contratos de planos e de seguros de assistência privada à saúde. Essa agência foi criada pela Lei 9.961/2000 e detém também a responsabilidade pelo controle dos aumentos de mensalidade dos referidos contratos. A razão para o referido controle reside no fato de que, especialmente os contratos de planos de saúde ajustados com pessoas físicas, necessitam de uma proteção especial, em face do reduzido poder de negociação frente a uma operadora. Outrossim, analisando-se o rol de serviços e produtos colocados no mercado, à disposição do consumidor, notoriamente nenhum deles é mais essencial do que aqueles voltados à preservação de sua saúde e, por consequência, de sua vida.

Diante de um arcabouço normativo bastante extenso, acrescido de inúmeras orientações colhidas junto à jurisprudência emanada dos tribunais, mister se faz ao caso utilizar-se da teoria do “diálogo das fontes”[1], por meio da qual podem ser combinadas alternativas normativas derivadas de leis distintas. Assim, os critérios tradicionais de soluções de antinomias legais cedem espaço a uma proposta diferente, através da qual, combinando-se regras variadas, pode ser alcançado, por exemplo, o melhor nível de proteção do sujeito especial presente na relação negocial, e que é o consumidor. Afinal, é o texto constitucional de 1988 que assevera o dever do Estado na proteção desse indivíduo, inclusive, sob a ótica de direito fundamental[2].

Quando os contratos de assistência privada à saúde são levados a juízo, é possível colher-se um rol significativo de situações que envolvem debates em torno de limites de coberturas, de rescisões unilaterais de contrato, e, como é o tema in casu, de reajustes de mensalidades por motivo de alteração de faixa etária.

A respeito de reajustes do valor da mensalidade de um plano ou seguro de saúde, estes podem ocorrer em até quatro situações: pela necessidade de atualização da mensalidade decorrente da variação dos custos assistenciais, em decorrência de uma reavaliação do plano, designada como “revisão técnica”; por motivo de sinistralidade, e em face da mudança de faixa etária do consumidor. Um mesmo plano de saúde pode sofrer mais de um tipo de reajuste em um mesmo ano, o que, por lógico, torna a sua prestação bastante elevada.

No que tange ao reajuste por mudança de faixa etária, tema objeto da presente análise, a sistemática de funcionamento dos contratos de planos e de seguros de assistência privada à saúde admite uma diferenciação do valor das mensalidades de acordo com a faixa etária do consumidor, o que se dá porque presumidamente a frequência de utilização varia conforme a idade do indivíduo. Nesse sentido, quanto mais velho o usuário, maior é a probabilidade do uso dos serviços de saúde.

Existem regras para a aplicação de aumento por mudança de faixa etária que obedecem à Lei 9.656/98, ao Estatuto do Idoso, em vigência desde 1º de janeiro de 2004, e à normatividade expedida pela ANS. Por lógico, como já mencionado, diante da natureza consumerista da relação contratual em evidência, é inseparável a presença do CDC, especialmente no que tange a abusos praticados contra o consumidor.

A partir da vigência do Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03, o que ocorreu em 1º de janeiro de 2004, a regra contida no parágrafo 3° do seu artigo 15, que proíbe a discriminação do sujeito com mais de 60 anos e usuário da saúde suplementar, gerou um profundo impacto na questão envolvendo reajustes por mudança de faixa etária. Essa normatividade inspirou, inclusive, a edição da Resolução Normativa 63, de dezembro de 2003, da ANS, e que determinou o número de dez faixas etárias que passaram a ser obrigatórias nos contratos da especie abordada:

1ª faixa: de 0 a 18 anos;
2ª faixa: de 19 a 23 anos;
3ª faixa: de 24 a 28 anos;
4ª faixa: de 29 a 33 anos;
5ª faixa: de 34 a 38 anos;
6ª faixa: de 39 a 43 anos;
7ª faixa: de 44 a 48 anos;
8ª faixa: de 49 a 53 anos;
9ª faixa: de 54 a 58 anos;
10ª faixa: de 59 anos ou mais[3].

Nesse sentido, pode-se concluir que o Estado, diante da legislação emanada, não pretendia ver mais pessoas idosas convivendo com reajustes por mudança de faixa etária após os 60 anos de idade. No entanto, esse cenário é de fácil resolução quando se trata de contrato ajustado após o advento do Estatuto do Idoso. Contudo, a questão pendente envolve a situação dos contratos celebrados anteriormente a essa data. No caso, a aplicação do Estatuto do Idoso a estes geraria o debate acerca da retroatividade da lei a negócios entabulados anteriormente a sua vigência.

Nessa seara, bastante incisivo sobre o assunto foi o resultado do julgamento do Recurso Especial 809.329/RJ, de relatoria da ministra Nancy Andrighi e apreciado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que afastou qualquer possibilidade de reajuste por mudança de faixa etária a consumidor com mais de 60 anos, ainda que seu contrato fosse anterior ao Estatuto do Idoso. Em verdade, o principal fundamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para entender como abusivas quaisquer tentativas de aumento por mudança de faixa etária para indivíduos com 60 anos de idade, ou mais, é Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) que, por meio do parágrafo 3° do seu artigo 15, estaria afastando tal possibilidade, sendo que essa norma passou a viger a partir de janeiro de 2004. Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça, em prol da proteção dos indivíduos hipervulneráveis, como são os idosos, permite o uso da proteção ventilada pelo Estatuto do Idoso, mesmo em contratos celebrados anteriormente à sua vigência. Logo, a aplicação do Estatuto do Idoso, como também da Lei de Planos de Saúde, a contratos anteriores às respectivas vigências, atesta a hermenêutica consubstanciada na teoria do “diálogo das fontes”.

E, acerca dos idosos, cabe destacar o inciso IV do artigo 39 do diploma consumerista pátrio, que tacha como prática abusiva o fato de o fornecedor prevalecer-se da fraqueza do consumidor em razão da sua idade ou da sua saúde. No caso do reajuste por mudança de faixa etária, aceitar o valor imposto ainda é uma solução menos drástica ao consumidor idoso, pois pior seria ter que abandonar o plano e submeter-se a uma nova operadora, e, provavelmente, a novos períodos de carência, sem cobertura para tratamentos.

Contudo, há orientação no âmbito do próprio STJ esboçando tese divergente. Assim, há também julgados permitindo o reajuste por mudança de faixa etária, em contratos de planos de saúde, mesmo em se tratando de consumidor idoso, desde que observados requisitos como a previsão do aumento no instrumento negocial, bem como o fato de esse não ser desarrazoado, onerando demasiadamente o segurado[4].

Talvez o tema remetido à técnica do recurso repetitivo não se coadune com essa proposta. Cada plano de saúde possui suas peculiaridades, e cada usuário, uma capacidade individual de contribuição. Um reajuste de 100% de aumento, por exemplo, para um usuário cuja mensalidade transite entre R$ 200 e R$ 300, tem a aptidão de ser menos impactante do que um reajuste de 50% aplicado sobre um plano cujo custo seria de R$ 2 mil ao mês.

Tem-se aí, portanto, um tema que não se compatibiliza com a ideia de generalidade. Não somos contrários ao reajuste por mudança de faixa etária, tendo em vista o potencial agravamento do risco à saúde com a passagem do tempo. Contudo, essas majorações não podem representar barreiras à continuidade do negócio por parte do usuário, em especial, quando idoso, justamente quando sua capacidade contributiva vai se tornando limitada em razão da diminuição da atividade laboral remunerada. Além disso, seria um cenário de grande injustiça a geração de um valor exorbitante a um usuário com um histórico de anos de contribuição ao plano, ou ao seguro de saúde, obrigando-o a se retirar do sistema e passar a depender da combalida saúde pública.

Portanto, nossa opinião é que, não sendo fixados limites razoáveis acerca de reajustes por mudança de faixa etária, ao menos no que tange ao idosos, deve ser afastada qualquer tentativa de majoração. Do contrário, o que se observará é uma massa de sujeitos coagidos economicamente, vendo-se forçados a abandonar o contrato de plano de saúde, e gerando um outrodeficit social, pois se tornariam usuários imediatos do SUS, sistema que sequer consegue operar com a demanda atual.

No qua tange ao julgamento do tema repetitivo 952, esperamos que possa ser afastado o reajuste por mudança de faixa etária após os 60 anos de idade, ou, alternativamente, sendo o mesmo viabilizado, que este não possa gerar onerosidade excessiva ao contrato, prejudicial ao consumidor, e nem se torne cláusula barreira à continuidade do vínculo por parte do consumidor idoso. Somente assim estar-se-á conferindo correta aplicação às normas de proteção do sujeito vulnerável do mercado. No caso do idoso, um hipervulnerável que demanda cuidado diferenciado.


[1] Atribui-se a criação da aludida teoria ao professor alemão Erik Jayme, tendo a mesma recebido importante contribuição de Marques. Nesse sentido, SCHMITT, Cristiano Heineck; MARQUES, Claudia Lima. Visões sobre os planos de saúde privada e o Código de Defesa do Consumidor. In: Saúde e Responsabilidade 2 – a nova assistência privada à saúde. SCHMITT, Cristiano Heineck; MARQUES, Claudia Lima, LOPES, José Reinaldo de Lima PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.149.
[2] Vide artigo 5º, inciso XXXII da CF/88.
[3] Contemplando as referidas faixas etárias, há o artigo 2° da Resolução Normativa 63 da ANS de 22/12/2003.
[4] Nesse sentido, veja-se Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 866.840/SP.