Uma onda de fusões e aquisições, IPOs e outras transações bilionárias têm movimentado o setor brasileiro de saúde, inclusive o de Minas Gerais. Especialistas dizem que se trata de um processo natural de consolidação dos negócios diante da robustez e potencial do mercado.

Operadoras de saúde, laboratórios e redes hospitalares convergem numa mobilização de ganho de escala, profissionalismo e qualidade que promete dar maior sustentação ao sistema de saúde nacional.

Analistas de mercado e representantes do setor afirmam que esse movimento, que vem ocorrendo mais fortemente desde 2019, não deverá parar tão cedo. É que ainda há muitas empresas familiares no setor, que estão na mira de redes maiores. Para se ter uma ideia, dados da Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANSS) dão conta que há no Brasil 959 operadoras com beneficiários. Já os hospitais privados, conforme a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) superam os 4 mil.

“O mercado é muito grande e há um movimento natural de concentração. O negócio hospitalar tem o custo fixo muito elevado e, em vistas de diminuí-lo e ainda ganhar competitividade, capilaridade e poder de vendas, os grandes acabam dominando os pequenos – como em qualquer outro setor”, explica o secretário Executivo da CNSaúde, Bruno Sobral.

Segundo ele, a mudança na legislação que permitiu a entrada do capital estrangeiro no ramo hospitalar, também contribuiu para esse processo, alavancando o número de fusões e aquisições no segmento. Apenas as empresas de capital aberto movimentaram, entre janeiro e julho, mais de R$ 6,5 bilhões em fusões e aquisições, em especial, de hospitais e operadoras de planos de saúde. Desse montante, R$ 4,2 bilhões vieram de três grupos que lançaram ações recentes: Rede D’Or, Dasa e o belo-horizontino Mater Dei.

“Há um grande movimento de compras, mas também muitos projetos greenfield. A pandemia, em certa maneira, diminuiu o ritmo, que poderia ser maior, não fossem os cancelamentos de procedimentos eletivos e a consequente perda de receita dos hospitais. Por outro lado, com a crise, alguns ficaram com a situação difícil e mais propensos a negociar. De toda maneira, prevaleceu a intensificação de fusões e aquisições, que deverá ser ainda maior em 2022“, estima.

Sob o ponto de vista de investimento, o analista de saúde da XP Investimentos, Vitor Pini, diz que as ofertas recentes de empresas do segmento demonstram que ainda há apetite para financiar esse tipo de ativo. “Ainda há muita coisa para acontecer. O setor de saúde de uma forma geral ainda é bem extenso e busca um maior nível de concentração, como já ocorre em outros setores, em vistas de maior competitividade e profissionalismo”, explica.

O analista da Terra Investimentos, Regis Chinchila, por sua vez, comenta que a consolidação do setor de saúde está extremamente aquecida e puxou o número de fusões e aquisições do primeiro semestre de 2021. Para ele, a expansão observada no setor foi impulsionada por alguns fatores, dentre eles a própria pandemia de Covid-19, haja vista que a crise sanitária evidenciou a alta demanda por saúde no Brasil e o problema na oferta.

“Além da escassez de oferta, existem sólidos fundamentos demográficos que justificam investir em ações do setor. O envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida aumentarão a demanda por saúde no longo prazo. Adicionalmente, em um país em desenvolvimento como o Brasil, o setor privado cumpre um importante papel ao cobrir a oferta de serviços que a rede pública não consegue prover”, explica.

Em relação ao cenário futuro, Chinchila afirma que as empresas já estão se posicionando para o pós-pandemia, por isso, o setor de saúde segue como grande oportunidade para o investidor de longo prazo.

Já o sócio e Head de Renda Variável da Monte Bravo Investimentos, Bruno Madruga, resume que o boom do setor de saúde no mercado financeiro ocorre tanto pela crise vivida pelas empresas de menor porte quanto pelo apetite de expansão das redes maiores.

“O maior número de ofertas públicas, como a do Mater Dei e da Rede D’Or  comprovam essa onda de expansão de negócios, até porque o número de empresas da área listadas em bolsa ainda é pequeno. Outro movimento observado diz respeito à tendência de verticalização das empresas, em vistas de mitigar custos. Enxergamos isso com bons olhos, pois quando da retomada da economia isso já vai estar melhor arrumado e vai atrair mais investidores”, avalia.

IPO do Mater Dei movimenta setor de saúde

Grandes marcas mineiras da área da saúde têm acompanhado esse movimento. O Grupo Hermes Pardini, centro de medicina diagnóstica sediado em Belo Horizonte, já investiu mais de R$ 650 milhões nos últimos dez anos na aquisição de 15 laboratórios pelo Brasil. No ano passado, período em que o número de fusões e aquisições envolvendo empresas do setor de serviços de saúde foi destaque no Estado, chegando a 12, destaque para a aquisição do Hospital Lifecenter pelo grupo Notre Dame Intermédica pelo valor de R$ 240 milhões.

E neste ano, a grande operação envolvendo um negócio do Estado foi a estreia da Rede Mater Dei de Saúde, também de Belo Horizonte, na Bolsa de Valores (B3), em abril. A operação movimentou um total de R$ 1,6 bilhão, dos quais, o grupo mineiro ficou com R$ 1,4 bilhão e o restante R$ 218,4 milhões para os acionistas vendedores.

“Estreamos com as ações a R$ 17 e quatro meses depois está em R$ 21. Sabemos que o movimento é pendular, mas ao que parece, a leitura do mercado tem sido favorável às nossas operações. Isso também ocorre porque estamos cumprindo o que prometemos. A começar pela expansão. Na tese prometemos que em cinco anos traríamos mais 1.500 leitos para a rede e apenas com a aquisição do grupo hospitalar Porto Dias, que atua na região Norte do País, em uma transação que envolve R$ 800 milhões, garantimos 600. Ou seja, temos quatro anos e meio para somar mais 900 leitos e cumprir o plano”, detalha o presidente do Mater Dei, Henrique Salvador.

E a rede segue em prospecção. Segundo ele, a abertura de capital foi o instrumento encontrado pela família para levar sua expertise em gestão hospitalar, obtida em quatro décadas à frente de um dos principais hospitais privados de Minas Gerais, para outras regiões.

“Ao discutirmos o que queríamos para o futuro, concluímos que diante do conhecimento do setor, da qualidade comprovada por todas as certificações, da experiência em gestão hospitalar e dos profissionais de ponta que compõem o corpo clínico, nos faltava a estrutura de capital para expandirmos. Por isso, fomos ao mercado. E o objetivo é consolidar a rede, constituir hubs de investimentos. Só iremos onde pudermos ser relevantes. O Mater Dei é referência em Minas, o Porto Dias é no Norte e assim será onde formos, de maneira a mantermos uma gestão alinhada com nosso DNA“, conclui.