Por força de ofício, tenho comparecido a diversos debates sobre tudo o que ocorre em relação à Saúde Suplementar, principalmente em relação às mudanças que vem colocando operadoras e beneficiários em lados bastante opostos, muito fortemente na visão do usuário.

Como escuto os diversos atores do setor, desde o beneficiário, passando pelo prestador, Agência Reguladora e operadoras /seguradoras, tenho conseguido ampliar minha visão do que vem se passando e até mesmo chegar a algumas importantes conclusões.

Lá pelo início do ano 2000, escrevi um artigo e mesmo numa entrevista de televisão ao Jornal da Globo, afirmei o seguinte:

– “trata-se de um sistema em absoluto desequilíbrio, representado por uma mesa de 4 pés, cada um de um tamanho”.

Senão vejamos:

– O estado que intervém nas regras, inclusive determinando reajustes, via agência reguladora, ou hora através do judiciário que muitas vezes julga com base muitas vezes emocionais, determinando sentenças que muitas vezes não estão previstas nas regras e muito menos nos cálculos atuariais;

– As operadoras de planos que ficam à mercê desta intervenção do Estado que dita as regras, impõe custos e determina reajustes;

– Os prestadores de serviços (médicos, hospitais, laboratórios, dentre outros) que pedem
reajustes maiores às suas cobranças; e

– o beneficiário que fica como uma rolha n’água aos sabor das ondas destas decisões e cada dia com o orçamento mais apertado.

Verdade é que desde a criação da nova legislação em 1998, a mesa continua do mesmo jeito, desequilibrada.

Até aqui não falei nada demais. Fica parecendo que as operadoras são os grandes vilões e o beneficiário o coitadinho. Mas daqui para a frente quero trazer uma visão diferente que precisa com urgência ser passada, de alguma forma a todos os participantes do sistema, principalmente ao beneficiário.

Vamos começar por números. Estudos que realizamos na Capitolio Consulting, mostram o seguinte:

– Lucro líquido médio final das operadoras: entre 2% e 3% (Fonte: estudos da Capitolio Consulting).

– Relação entre Gastos Assistenciais/Contraprestações pagas: média de 85% a 86% (Fonte: estudos da Capitolio Consulting).

– Fraudes e desperdícios: Segundo reportagem de 2017, feita por Paula Laboissière – Repórter da Agência Brasil – as fraudes e desperdícios consomem R$ 22,5 bilhões de despesas da saúde suplementar, representando 19% do total de despesas assistenciais;

– Judicialização: no ano de 2.015 o gasto das operadoras com obrigações judiciais atingiu R$ 1,2 bilhão;

Neste ponto da judicialização há que se esclarecer que ¼ do valor gasto pelas operadoras em despesas judiciais se deveu a procedimentos não cobertos.

Mas aí entra o aprendizado nos diversos seminários que venho participando e, no mais recente, que tratou de coparticipação e franquia, alguns temas foram muito bons para análise, a começar pelo que foi chamado de neoconstitucionalismo, abordado pelo Prof. Kliuton Guimarães. Não sou advogado e não vou entrar em detalhes, mas se bem entendi, no tal neoconstitucionalismo, as decisões não seguem o pé da letra da Lei e leva a interpretações, às vezes até emocionais, ou pela preservação da vida, fazendo com que a justiça dê ganho de causa, ao beneficiário, em detrimento das regras contratuais ou legais instituídas. E quem paga a conta?

– Isto leva a outro número: mais de 94% das decisões judiciais são desfavoráveis às operadoras.

Falamos em fraudes e desperdícios. Vamos ao desperdício.

Tomo a liberdade aqui de usar trechos de uma publicação do site do IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, intitulada “Desperdício e Ineficiência, os maiores problemas da saúde suplementar”.

“Um dos assuntos mais abordados aqui no Blog é o desperdício na saúde suplementar, um dos principais motivos para os elevados custos do setor de saúde suplementar. Por tanto, quando um médico assume um dos principais hospitais do País e afirma que “caro é o desperdício, cara é a ineficiência, a complicação, a readmissão (hospitalar). Tudo isso torna a saúde cara”; não podemos deixar de ecoar suas preocupações. A declaração foi feita pelo cirurgião Sidney Klajner, novo presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, em entrevista à Folha de S.Paulo e reflete bem o que defendemos há tempo.

Apenas para contextualizar o que estamos falando, eventos adversos em saúde consomem até R$ 15 bilhões da saúde privada no Brasil por ano. Como apontamos no Estudo “Erros acontecem: a força da transparência no enfretamento dos eventos adversos assistenciais em pacientes hospitalizados”. Na conta estão inclusos gastos com medicação aplicada em dosagem errada ou na dosagem correta mas com o medicamento errado, falhas no atendimento que levaram a readmissão de pacientes e muitos outros problemas que poderiam ser evitados.

Ainda faltam computar outros desperdícios, como exames realizados duas vezes, exames realizados mas não retirados, gastos com materiais e exames não necessários etc. O excesso de equipamentos, como aparelhos de ressonância magnética e mamógrafos, de manutenção cara e normalmente sub ou super utilizados é outra fonte de desperdício. O TD 51: “PIB estadual e Saúde: riqueza regional relacionada à disponibilidade de equipamentos e serviços de saúde para setor da saúde suplementar” faz uma radiografia dessa questão.

A origem do problema está, contudo, diretamente relacionada ao modelo de pagamento ainda adotado no Brasil: o regime de “conta aberta” (fee for service). Com ele, o hospital é incentivado a consumir o máximo de insumos possíveis para fazer a conta crescer e, assim, aplicar suas taxas sobre todo o consumo. Há um estímulo ao uso dos insumos mais caros e a conta é paga pelo plano, incorporando os desperdícios. O que torna ainda mais importante o comentário do novo presidente do Hospital Israelita Albert Einstein.”

Veja que neste parágrafo final do artigo como bem disse Angélica Carlini no último seminário de que participei, o modelo “conta aberta” (fee for service) é um cheque em branco assinado pelas operadoras aos hospitais, que podem preenchê-lo como quiser.
Outra citação da Angélica é a de que nós, beneficiários (e todos somos) não sabe o quanto custa cada procedimento que realiza. Alguém quando realiza uma tomografia, ou ressonância, sabe ou foi informado do custo da mesma, quando assina a guia de serviço. Serve para uma simples radiografia, um gesso, um procedimento qualquer.

Muito bem. Para não me alongar mais do que já me alonguei, vou tentar resumir meu pensamento.

Há poucos dias fui muito questionado se não achava um absurdo derrubarem a liminar sobre o reajuste do não, que uma juíza determinou que fosse 5,72% (acredito que ela não levou em conta pelo menos um dos problemas aqui narrados), passando a 10%.

Respondi que não (e quase apanho). E a explicação é tudo isto que está dito acima.

Imediatamente me disseram: então ninguém vai conseguir mais pagar plano de saúde.

Respondi: ou em breve nem teremos planos de saúde para pagar.

Isto será assim enquanto a tal mesa de quatro pés diferentes, citada no início deste artigo, não for equilibrada.

Gostaria de, a partir deste artigo sugerir àqueles que comandam o setor algo, que a partir destas citações, é o que me parece faltar:

Transparência para com o consumidor.

Os consumidores de planos de saúde precisam ser orientados sobre os fatos citados aqui e que impactam diretamente nos custos a pagar. Seria interessante uma campanha massiva de orientação ao consumidor de que é ele mesmo o responsável por grande parte da elevação dos custos. Seja através da grande mídia, seja através de uma cartilha expondo todos estes fatores que certamente são desconhecidos por uma boa parte deste público.

Transparência dos prestadores e serviços.

Que as guias sejam assinadas posteriormente aos atendimentos e que delas conste o quanto custou cada procedimento. É importante que o consumidor perceba o impacto dos custos para valorizá-lo. Hoje em dia, para a maioria dos procedimentos o usuário assina guias em branco e antes mesmo de ser atendido.

Transparência com a imprensa.

Cartilhas e encontros com jornalistas, cuja maioria não possui especialização na área fazendo com que as notícias ganhem a conotação de DAVI x GOLIAS, onde o maior sempre leva vantagem sobre o menor. Há que mostrar todas as variáveis aos jornalistas.

Transparência e aproximação com o judiciário.

Para que tenhamos mais decisões baseadas nas regras instituídas e sem conotação de apelos emocionais, pela vida, em detrimento das regras estabelecidas.

Portanto, à medida que ganho conhecimento nos seminários, cursos e palestras que citei no início, gostaria que todos os usuários tivessem a oportunidade de conhecer melhor os meandros desta situação que pode levar num momento o usuário a ficar sem o plano sendo obrigado a recorrer à combalida saúde pública, ou, em outro momento, à insolvência das operadoras, que da mesma forma vai conduzi-lo à Saúde Pública.