A pandemia da covid-19 levou à interrupção de cuidados médicos cujas consequências também poderão ser de grandes proporções, alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir de informações coletadas em 155 países, a agência das Nações Unidas constatou que profissionais da área e pacientes estão deixando de lado o tratamento e a prevenção de doenças crônicas. Sem uma emergência sanitária, essas enfermidades já respondem por 71% das mortes por ano no planeta, o equivalente a 41 milhões de óbitos. O surgimento e a disseminação do novo coronavírus tendem a piorar o cenário, considerando que diabéticos, hipertensos e outros doentes crônicos são mais vulneráveis ao Sars-CoV-2.

“Os resultados dessa pesquisa confirmam o que estamos ouvindo há várias semanas. Muitas pessoas que precisam de tratamento para doenças como câncer e diabetes não têm recebido os serviços de saúde e medicamentos necessários. É vital que esses países encontrem formas inovadoras de garantir a continuidade desses serviços essenciais”, alerta o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus. As informações foram coletadas ao longo de três semanas de maio e mostram que os hipertensos são os mais desassistidos: 53% dos países investigados interromperam parcial ou integralmente o tratamento da doença. Em seguida, vêm o diabetes (49%), cânceres (42%) e emergências cardiovasculares (31%).

A agência alertou que o impacto é global, mas os países de baixa renda são os mais afetados. Vinte por cento daqueles que reportaram interrupções nos atendimentos, alegaram que a decisão se deu por escassez de medicamentos, de ferramentas de diagnóstico e de outras tecnologias. A carência de profissionais também é outro desafio. Nos locais em que houve queda brusca nas consultas, 94% dos profissionais de saúde foram remanejados para combater a pandemia.

Presidente da regional do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, João Lindolfo Borges aponta um outro fator que tem levado ao não acompanhamento das doenças crônicas: o receio dos pacientes em serem infectados pelo novo coronavírus. “As pessoas abandonaram os seus médicos. Os hospitais e as unidades de terapia intensiva estão lotados, mas os consultórios estão vazios”, ressalta.

Segundo o especialista, as consequências da suspensão dos tratamentos podem ser ainda mais agravadas devido a alguns hábitos adquiridos com o surgimento da covid-19. “Ainda não há pesquisas mostrando isso, mas, no dia a dia, estamos percebendo que as pessoas estão mais ansiosas, bebendo mais e comendo mais. Isso tem impacto no diabetes e na hipertensão, por exemplo”, explica.

João Lindolfo Borges lembra que, nos casos das doenças crônicas, não se pode retardar a assistência especializada. “Por conta da pandemia,  você pode deixar a cirurgia plástica para depois. Mas o acompanhamento da pressão, do colesterol alto e do diabetes, não. As consequências podem ser graves”, enfatiza. “Além disso, haverá sobrecarga e aglomeração de pacientes nos consultórios depois que tudo isso passar. Ou seja, este é um momento para ir ao médico.”

Telemedicina
Diretor do Departamento de Doenças não Transmissíveis da OMS, Bente Mikkelsen defende que as pessoas com doenças crônicas sejam incluídas nos planos nacionais de resposta e preparação para a covid-19, e que as autoridades “encontrem  formas inovadoras” de enfrentar o problema. Em 58% dos países consultados, uma das medidas encontradas foi o fortalecimento do antedimento médico remoto, a telemedicina.

A alternativa também é apontada por João Lindolfo Borges. “A telemedicina ajuda muito. Em casos que são raros, como uma primeira consulta e em uma emergência, não. Mas para manter a rotina de cuidado, o acompanhamento de doenças crônicas, funciona muito bem”, justifica.

Segundo o médico, há um desconhecimento no Brasil sobre a prática, aprovada pelo Conselho Federal de Medicina. Mas em países como os Estados Unidos, a telemedicina é cada vez mais comum. “Com as ferramentas disponíveis, a gente faz até a prescrição a distância. A pessoa é atendida sem sair de casa, sem se expor ao vírus, de uma maneira fácil de fazer”, argumenta. Na pesquisa da OMS, a redução no número de transporte público é uma das razões apontadas para a queda nos tratamentos de doenças crônicas.