Um movimento silencioso entre hospitais e operadoras de planos de saúde começa a substituir o modelo de pagamento de serviços médicos e hospitalares predominante no sistema de assistência privada do país. A ideia é adotar alternativas que tornem o custo de cada atendimento mais previsível e associado ao desempenho. A preocupação, porém, é como manter a qualidade do atendimento aos pacientes, especialmente em casos de internação. A mudança pode afetar 47,4 milhões de usuários de saúde suplementar, ou seja, um em cada quatro brasileiros.

Hoje, a maioria dos planos faz pagamento por serviço (fee for service), a partir de cada exame ou procedimento realizado, material utilizado, diária de internação etc. Ou seja, o valor final varia muito, e a remuneração do hospital ou da clínica depende do volume de serviço e material envolvido — o que pode induzir ao desperdício. Um paciente internado por mais tempo pode remunerar mais a unidade.

Alguns centros médicos em São Paulo já começaram a adotar o novo modelo. Um deles é o Hospital Albert Einstein, que adotou um modelo de remuneração fixa para procedimentos de ortopedia e atendimento ambulatorial. Além disso, a unidade desenvolve um projeto-piloto para avaliar a possibilidade de ter pacotes com preço fixo para tratar câncer de mama.

É preciso pensar na qualidade de atendimento. O modelo tem que ser rediscutido para ser mais eficiente. Os grandes hospitais serão capazes de operar a mudança. O que preocupa são os hospitais de pequeno e médio portes, a maioria no país. Hoje, 30% das Santas Casas não têm nem computador. Se cada operadora decidir aplicar um modelo diferente, o risco será grande — disse Leonardo Barberes, secretário-geral da Associação de Hospitais do Rio (AHERJ).

ANS não irá definir modelos

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que a mudança de modelos de remuneração dos hospitais e prestadores de serviço possibilita a sustentabilidade e a redução de custos do setor.

A ANS afirmou, no entanto, não pretende estabelecer modelos de remuneração obrigatórios, e que essa medida fugiria de suas atribuições. A agência disse que pretende estabelecer diretrizes e apoio técnico para a adoção de modelos que favoreçam a qualidade e a sustentabilidade, a serem negociados e pactuados diretamente entre as operadoras e prestadores de serviços de saúde.

Na prática, hospitais e operadoras de planos de saúde estão negociando diretamente e ajustando os sistemas aos seus modelos de negócios. Somente a Amil já alterou as contas médicas em 36 hospitais em vários estados do país. A operadora espera chegar até o final do ano com 45 acordos fechados:

Nossa intenção com novos modelos de remuneração propostos é priorizar o aumento na qualidade do serviço prestado, e não a economia. Mas, de fato, a redução de custos está associada à diminuição de desperdícios. Com essa mudança, a expectativa é que a inflação médica passe a acompanhar cada vez mais os índices oficiais de inflação, conforme o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). Um dos modelos começou a ser implementado em algumas especialidades nos municípios de Niterói e São Gonçalo, no Rio. Há várias negociações em andamento em outras cidades do país, nas especialidades de cirurgia vascular, ortopedia, urologia, cirurgia bariátrica e oncologia — observou Daniel Coudry, diretor- médico da rede da Amil.

Um dos modelos testados prevê o acompanhamento de indicadores clínicos para monitoramento da qualidade da assistência com pagamento de um valor fixo por mês.

Transparência e atendimento do consumidor

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a preocupação é com a transparência do processo de mudança de remuneração e o atendimento ao paciente. A advogada e pesquisadora em Saúde do instituto, Ana Carolina Navarrete, explica que a responsabilidade pela gestão dos custos não deve ser transferida para o consumidor:

Hoje, o que temos é uma transferência de responsabilidade de custos para o consumidor, a partir do sistema de franquia e coparticipação. Agora, o que está sendo proposto é a substituição no modelo de remuneração, que até agora é focado no procedimento, para o foco no desfecho do atendimento. O importante é que consumidor saiba o que está sendo realizado e executado nele. O que defendemos é que houvesse mecanismos de avaliação da qualidade do atendimento pelo usuário — observou Navarrete.

Em entrevista, Marcos Novais, economista-chefe da Associação de Planos de Saúde (Abramge), explica que a operadora deixa de pagar por tudo e remunera pelo conjunto dos custos”.

O que prevê a mudança de modelo de remuneração?

O principal é deixar de trabalhar com uma conta aberta e remuneração sobre todos os itens. Havia uma discussão médica sobre a individualização do paciente, mas pesquisas mostram que grupos de pacientes que têm o mesmo perfil também têm gastos muito semelhantes. No novo modelo que estamos discutindo, a operadora deixa de pagar por tudo que o hospital faz, item a item, mas passa a pagar pelo conjunto.

O que muda para o hospital e para o paciente?

O prestador não vai conseguir cobrar a mais da operadora. O objetivo é operar a partir da orientação de um protocolo de atendimento e não deixar o paciente ficar tempo a mais hospitalizado. Dessa forma, o prestador atua da melhor forma para o paciente e para o custo do hospital, que tem que reduzir o desperdício. O hospital vai trabalhar com eficiência.

O paciente terá acesso a todos os recursos do hospital, mesmo com uma conta de pagamento fechada? E se houver complicações?

A complicação faz parte do processo. Os hospitais, às vezes, cobram pela utilização do medicamento comercial mais caro, mas, na hora, utilizam o genérico. A previsão do valor será feita pela condição do usuário que entrou nesse hospital, com análise sobre idade, sexo, utilização ou não de ventilação mecânica (condição de piora clínica por utilização desse valor), entre outros fatores.

Você espera que o custo da assistência vai cair?

Não espero que o custo de internação depois da mudança de remuneração vá cair. O que vamos fazer é parar a progressão de alta dos custos da saúde. Esta não pode crescer 20%. Isso aconteceu nos Estados Unidos, na década de 1980, quando o modelo de remuneração foi alterado. Lá, o custo que subia dois dígitos, passou a crescer um dígito por ano.