Exatamente no dia 3 de junho de 1998 foi sancionada a Lei nº 9.656, que estabeleceu as regras dos planos privados de assistência à saúde e implementou as garantias básicas para os beneficiários da saúde suplementar no Brasil. Atualmente, existem cerca de 48 milhões de beneficiários em todo o país. Segundo dados da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), em 2018 o setor deve movimentar R$ 200 bilhões, dos quais R$ 170 bilhões serão injetados no atendimento assistencial.

Mas 20 anos depois, a Lei 9.656 ainda gera debates, deixando claro que o setor de Saúde Suplementar precisa de melhorias. Nesse sentido, Reinaldo Scheibe, presidente da Abramge, faz uma análise sobre o setor, abordando temas como os entraves regulatórios, as perspectivas de crescimento, os aumentos nos valores dos planos de saúde e como a Saúde Suplementar evoluiu desde a regulamentação.

1) Você foi eleito como novo presidente da Abramge para o triênio 2018 a 2021, apesar de já ocupar o cargo desde 2016. Como você vê o desafio de estar à frente de uma instituição com mais de 50 anos?

A reponsabilidade é enorme e o trabalho é árduo. A Abramge tem lutado diariamente, há 52 anos, para garantir um mercado justo para os beneficiários e para as operadoras dos planos de saúde. Apesar das adversidades naturais de um sistema tão complexo, eu encaro com absoluta tranquilidade o trabalho à frente da Abramge, principalmente pela plena confiança e apoio que tenho de toda a diretoria, operadoras associadas e colaboradores.

2) Neste ano, a Lei nº 9.656, que dispõe sobre a regulamentação da saúde suplementar no Brasil, completou 20 anos em junho. Em sua avaliação, o que ainda precisa ser melhorado?

A Lei 9.656, cuja formulação a Abramge acompanhou ativamente, cumpriu até aqui o papel que lhe coube, mas a saúde mudou e a tecnologia utilizada hoje é outra. Uma nova Lei precisa fazer sentido para os tempos atuais e ser realmente eficaz e equilibrada. Nós defendemos a formulação de um marco regulatório moderno, equilibrado, com mais segurança jurídica e que seja voltado e pensado para este setor econômico imprescindível no Brasil. O que se busca é o debate da atualização da Lei dos Planos de Saúde e o tão almejado marco regulatório, mas com a devida tranquilidade e transparência que o tema promove para que surja uma lei mais sólida, com maior segurança para todas as partes envolvidas da saúde suplementar.

3) Segundo a ANS, em abril desse ano o número de beneficiários de planos médico hospitalares chegou a 47,3 milhões, 216 mil a mais do que no mês de março, mas somente 34,7 mil em relação ao mesmo mês do ano anterior. Como você avalia esses números?

Lá atrás, no início de 2015, nós alertamos para a inédita queda de beneficiários. O período de crise econômica pela qual o Brasil passou é o principal motivo para essa movimentação negativa, já que o setor é impactado diretamente pelo número de empregos formais e queda de renda da população. Agora, de acordo com as estimativas da Abramge, em 2018 – considerando as previsões do PIB apresentadas pelo FMI e Focus – acreditamos que haverá sim uma ligeira elevação no número de beneficiários em torno de 1,5% a 2%. É importante esclarecer que esse cálculo é bastante volátil e outros fatores podem alterá-lo, como a melhoria do clima econômico acima do projetado, que este ano será impactado também pelas eleições presidenciais.

4) Os planos exclusivamente odontológicos mantêm uma trajetória de crescimento. Em abril, segundo a ANS, o número de beneficiários desse segmento chegou a 23,1 milhões, cerca de 212 mil a mais em relação ao mês anterior e de 1,3 milhão em relação a abril de 2017. Qual a importância desse segmento para a saúde suplementar?

O papel da odontologia suplementar é decisivo para a melhoria e o acesso da saúde bucal pela população. A importância do setor vai além da relação custo x benefício, uma vez que oferece atendimento em todo território nacional, por meio da capilaridade das operadoras com seus prestadores. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aproximadamente 400 operadoras exclusivamente odontológicas beneficiam cerca de 23 milhões de pessoas no Brasil.

5) Recentemente, o Ministro da Saúde Gilberto Occhi e representantes da ANS defenderam, na Câmara dos Deputados, novas regras para cobrança de coparticipação e franquias a partir de 2019. A medida tem como objetivo oferecer proteção aos beneficiários contra cobranças abusivas, definindo limites para a cobrança da franquia ou da coparticipação. Qual o posicionamento da Abramge sobre tais medidas?

A resolução da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) vem apenas para regulamentar serviços que não só já existiam como são amplamente utilizados. Para se ter uma ideia, atualmente 50% dos beneficiários no Brasil já estão vinculados a planos com mecanismos financeiros de regulação como coparticipação e franquia. As novas regras na verdade ampliam e diversificam a oferta de planos de saúde no mercado. É importante ressaltar que os planos como conhecemos hoje não mudam, continuarão disponíveis. O que surgem são novas opções para que o consumidor tenha maior poder de decisão. Os mecanismos financeiros de regulação estimulam a participação e a fiscalização do beneficiário de plano de saúde, que passa a participar mais das tomadas de decisões junto aos médicos, laboratórios e hospitais e possibilita entender mais ativamente a real necessidade de determinados exames e tratamentos – lembrando que o Brasil é o campeão mundial de ressonância magnética, um triste exemplo de desperdício.

6) Em junho, a ANS fixou em 10% o índice máximo de reajuste para os planos de saúde médico-hospitalares no período entre maio de 2018 e abril de 2019. Esse aumento havia sido barrado por uma decisão de 22ª Vara cível de São Paulo, que fixou um teto de 5,72%. Como você avalia essa decisão da ANS?

O índice divulgado pela ANS fica aquém da necessidade do setor que, segundo o relatório Taxas Globais de Tendência Médica 2018, elaborado pela Aon Consultoria, que avalia a inflação médica em mais de 90 países de todos os continentes, estima em 19% os custos no Brasil em 2018, assim como trabalhos apresentados pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Evidentemente, não é do interesse dos beneficiários nem das operadoras que sejam praticados índices de reajustes além da capacidade de absorção por parte do consumidor. Operadora nenhuma gosta de perder cliente, mas estes reajustes são necessários para manter o atendimento das obrigações em dia, assim como a sustentabilidade econômica do setor. Não existe atividade que possa funcionar sem a reposição dos seus custos e não será desprezando os devidos cálculos técnicos, considerando inclusive experiências mundiais, que se resolverão os graves problemas da Saúde no Brasil. Ao contrário, vai agravá-los. Este tema, portanto, deve ser tratado com toda racionalidade possível.

7) Segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, o setor é responsável por cerca de 3,4 milhões de empregos diretos e indiretos no Brasil. As transformações regulatórias e políticas que estão acontecendo no setor em âmbito nacional devem impactar na geração desses empregos?

Nem mesmo o fato de milhões de pessoas terem perdido o convênio médico, por causa do desemprego e da queda de renda, fez o número de procedimentos realizados pelas operadoras reduzir. O mercado de saúde está sempre aquecido para os profissionais médicos. A tendência é de crescimento contínuo, o que permite que mais profissionais sejam absorvidos. A prioridade, porém, recairá sobre aqueles que estiverem mais bem preparados para ocupar os postos de trabalho abertos.

8) Em um artigo de sua autoria, as operadoras de planos de saúde deverão movimentar na economia brasileira aproximadamente R$ 200 bilhões neste ano. Qual a sua análise sobre este indicador e o crescimento financeiro do setor?

Deste montante, algo em torno de R$ 170 bilhões são injetados no atendimento assistencial de seus quase 48 milhões de beneficiários. Mesmo com a pertinente importância social da atividade, as operadoras de planos de saúde têm uma das maiores cargas tributárias dos setores econômicos brasileiros, alcançando mais de 26% em tributos diretos e indiretos. Com a alta carga tributária, a situação do setor se torna complicada. No ano de 2016, as operadoras de planos de saúde médico-hospitalares desembolsaram R$ 41,6 bilhões somente para pagar cargas tributárias, enquanto que, em 2015, este valor era de R$ 36,4 bilhões. A carga sobre os planos de saúde vem crescendo sistematicamente nos últimos anos. Em 2013, primeiro ano em que a Abramge apurou os tributos diretos e indiretos incidentes sobre o setor, este índice representou 25,1%. Em 2014, subiu para 25,3%; em 2015 foi para 25,4%; e no último ano equivaleu a 26,1% da receita de contraprestação do setor.

9) O número de beneficiários de planos médico hospitalares beira 48 milhões de brasileiros. Apesar disso, a Saúde Suplementar ainda é pouco acessível à grande maioria dos brasileiros. Como o senhor avalia este cenário?

O plano de saúde é o terceiro bem mais desejado pelos brasileiros, atrás apenas de educação e da casa própria. Isso mostra que os cidadãos que dependem exclusivamente da saúde pública têm interesse em contratar um plano. Muitos fatores influenciam a alta dos custos na saúde e isso faz com que as mensalidades encareçam, evidentemente. O problema é que todo produto quando é extremamente regulado, como é o caso dos planos de saúde, tende a se tornar estritamente seletivo ou até mesmo a desaparecer. Essa é uma lição da economia mundial. O desafio das operadoras de planos de saúde é encontrar formas de oferecer opções acessíveis para os clientes. As novas regras da ANS podem ser um caminho neste sentido. Talvez com elas as empresas possam oferecer opções mais baratas.

10) Então, é possível afirmar que exista uma demanda crescente no setor de Saúde Suplementar?

Mesmo com tantas dificuldades, segundo pesquisa realizada pelo Ibope/IESS, o plano de saúde continua sendo o terceiro maior desejo de consumo do brasileiro: 87% das pessoas que possuem planos de saúde pretendem manter o serviço contratado, enquanto que 74% dos indivíduos entrevistados afirmam que gostariam de tê-lo. Para finalizar, o estudo afirma ainda que a cada 10 beneficiários de planos de saúde médico-hospitalares, oito estão satisfeitos ou muito satisfeitos com os serviços. É isso que nos motiva!