Com 1,4 milhão de usuários de planos de saúde a menos em um ano e vivendo nesse período uma inflação da saúde recorde o dobro da inflação geral medida pelo IPCA, a saúde suplementar discute medidas para garantir a sua sustentabilidade.

O setor atende 48,8 milhões de pessoas, 25% da população. Reflexo da alta do desemprego, a maior queda de usuários atinge planos empresariais 887 mil a menos.

Um dos sintomas da crise foi sentido em 2015, quando a Unimed Paulistana, sem condições para cumprir seus contratos, foi obrigada pela ANS a entregar a carteira de 744 mil clientes a outros gestores.

A questão é complexa. Em geral, a inflação da saúde é acima da inflação geral por fatores como a incorporação de novas e caras tecnologias, mas, no Brasil, ela tem assumido taxas muito altas também por falhas do mercado.

Entre as discrepâncias estão a ausência de indicadores de qualidade, um modelo de pagamento que incentiva o desperdício e a falta de transparência nos preços. Os dados constam em estudo recente do Insper, feito a pedido do IESS (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar), que traça um diagnóstico do setor e propostas para corrigir as falhas.

INDICADORES

Para Luiz Augusto Carneiro, superintendente do IESS, é prioritário definir um conjunto de indicadores de qualidade para o mercado.

“Isso permitirá saber os padrões que queremos atingir, o que a sociedade deseja e o quanto vai custar e até redesenhar produtos para diferentes perfis e coberturas.”

A partir desses indicadores, a proposta é mudar a forma como os planos remuneram hoje os prestadores de serviços (hospitais, por exemplo). “É justo premiar a eficiência e a qualidade e punir a ineficiência. O Brasil está 30 anos atrasado nisso”, diz.

A falta de indicadores de qualidade também afeta os usuários. Nos EUA, por exemplo, é possível escolher um hospital por critérios bem objetivos, como a taxa de infecção hospitalar. No Brasil, esses dados não são públicos. Para Carneiro, o governo federal, via Ministério da Saúde, terá de se envolver nessa questão e precisará ser o indutor da mudança.

Segundo Paulo Furquim, professor do Insper e coordenador do estudo, há evidências de desperdício de recursos, abusos e excesso de procedimentos desnecessários. Hoje vigora a “conta aberta” (fee for service), em que o serviço ganha pela quantidade de procedimentos feitos.

Entre as propostas, há uma que prevê pagar ao hospital um valor fechado para cirurgias, e não por cada item usado (como anestesia, instrumentos e materiais cirúrgicos) como ocorre hoje. “Isso levará o hospital e a equipe médica a considerarem os custos de suas decisões”, diz.

Para Francisco Balestrin, presidente da Anahp (associação dos hospitais privados), além da remuneração, é preciso investir em um novo modelo assistencial, que priorize a saúde, não a doença. “Isso vale tanto para o setor privado quanto para o SUS, já que o modelo de remuneração é o mesmo.”

Outro entrave do setor é a falta de informações sobre os valores de materiais em saúde, o que dificulta a comparação de preços e da qualidade desses produtos junto aos medicamentos, eles representam cerca de 50% do gasto com internações.

Por exemplo, uma mesma prótese de quadril pode custar entre R$ 2.282 e R$ 19 mil. Ou o preço de um stent farmacológico da mesma marca pode variar entre R$ 7.500 a R$ 29 mil. Nesses preços, entram de tudo, inclusive taxas cobradas pelos hospitais e propinas dadas a médicos.

“Isso distorce decisões e resulta em desperdícios, aumento de custos e riscos ao paciente”, diz Furquim. Uma das propostas é que o governo padronize o preço desses materiais (estipule um valor máximo, por exemplo).

A crescente judicialização do setor é outra preocupação, segundo Solange Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar). “Ela desconsidera contratos e regulação.”

FALHAS E PROPOSTAS DA REDE PARTICULAR

REMUNERAÇÃO DOS HOSPITAIS

Como é hoje: Hospitais ganham pela quantidade de procedimentos que executam, o que muitas vezes faz com que eles realizem intervenções desnecessárias para receber mais das seguradoras

Proposta: Adotar remuneração fixa por tipo de procedimento, o que levará o hospital e a equipe médica a considerarem os custos financeiros envolvidos em suas decisões

TRANSPARÊNCIA

Como é hoje: Médicos e hospitais recebem “comissões” de empresas pela escolha de certos procedimentos e materiais. Isso distorce as decisões e provoca aumento de custos e risco ao paciente

Proposta: Processar médicos e hospitais que são pagos pela indicação de materiais, responsabilizar empresas que adotam tal prática e fixar preço máximo de revenda

COPARTICIPAÇÃO

Como é hoje: Beneficiário paga uma mensalidade do plano independentemente da utilização ou não dos serviços. Esse “cheque em branco” o faz usar mais os serviços sem necessidade

Proposta: Incentivar a coparticipação, em que o paciente paga, além da mensalidade, um valor a cada consulta ou procedimento. Os preços ainda precisam ser estudados

INDICADORES DE QUALIDADE

Como é hoje: A ausência de informações sobre a qualidade dos hospitais, laboratórios e médicos da rede faz com que esses prestadores de serviço deixem de investir em melhorias

Proposta: Sistematizar e divulgar indicadores de qualidade sobre a rede credenciada, o que pode estimular a concorrência entre os serviços e a busca por mais eficiência

PROTOCOLOS MÉDICOS

Como é hoje: Médico está no comando das decisões do atendimento, da realização de exames e prescrição de medicamentos e da escolha de procedimentos ou materiais

Proposta: Limitar o poder individual do médico e priorizar o uso de protocolos clínicos baseados em evidências; incentivar programas de segunda opinião, em que outro especialista confirma o primeiro diagnóstico

JUDICIALIZAÇÃO

Como é hoje: Em favor dos usuários, juízes autorizam procedimentos que muitas vezes não constam nos protocolos da ANS ou medicamentos cuja análise de custo/eficácia não seja favorável

Proposta: Elaborar orientação aos magistrados junto ao CNJ; avaliar implantação em SP de câmara de conciliação (que medeia ações contra seguradoras) para que seja ampliada no Brasil